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Destituição da Suprema Corte e plenos poderes a Nayib Bukele: o que está por trás do golpe em El Salvador?

Bukele foi eleito em 2019 criticando a velha política e, usando intensamente as redes sociais, prometeu trazer "uma nova era" para o país e reaproximação com os EUA de Trump
Lu Sodré
Brasil de Fato
São Paulo (SP)

Tradução:

Eleito há apenas dois meses com maioria governista, o Parlamento de El Salvador destituiu magistrados do Supremo Tribunal de Justiça do país no último sábado (1º). A medida afastou cinco membros titulares e seus suplentes, assim como o procurador-geral, sob a acusação de proclamarem sentenças arbitrárias. 

A Câmara Constitucional, que teve seus membros retirados do cargo, é responsável por garantir o cumprimento da Constituição e vinha sendo atacada pelo presidente Nayib Bukele em razão da suspensão de normas relacionadas à pandemia consideradas abusivas pelo tribunal.  

Diante do tensionamento entre os poderes, a base governista do partido Nuevas Ideas (NI) decidiu, então, tirar a pedra do sapato do direitista assim que foi empossada.

Bukele foi eleito em 2019 criticando a velha política e, usando intensamente as redes sociais, prometeu trazer "uma nova era" para o país e reaproximação com os EUA de Trump

Reprodução: Twitter
O Parlamento de El Salvador destituiu magistrados do Supremo Tribunal de Justiça do país

Em nota, ex-membros da Câmara declararam a “inconstitucionalidade da demissão” e afirmaram que os parlamentares têm intenção de “suprimir controles efetivos sobre os órgãos Executivo e Legislativo, necessários para a República e para a defesa da democracia”.

Bukele, por sua vez, foi o primeiro a comemorar e elogiar a decisão do Parlamento, em sua conta no Twitter. Ele afirmou que a destituição está prevista na Constituição, que prevê que os magistrados podem ser afastados do cargo “por causas específicas, previamente estabelecidas em lei”. O mesmo argumento foi publicado nos canais oficiais da Assembleia. 

A polêmica decisão e nova configuração da Assembleia, que amplifica os poderes e controle do presidente, ligou um sinal vermelho em nível internacional. Representantes dos Estados Unidos, por exemplo, prontamente se manifestaram.

“Não é assim que as coisas são feitas”, tuitou Juan González, assessor para a América Latina do democrata Joe Biden.

O diplomata Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano, também afirmou que falou com o presidente salvadorenho para expressar “sérias preocupações sobre a ação de ontem [sábado] para minar o tribunal superior de El Salvador e o procurador-geral [Raúl] Melara. A governança democrática exige o respeito à separação de Poderes, para o bem de todos os salvadorenhos.” 

Empresário, Bukele foi eleito em 2019 criticando a velha política e, usando intensamente as redes sociais, prometeu trazer “uma nova era” para o país. Estreitar relações com os Estados Unidos – ainda com Donald Trump no governo – estava entre uma de suas principais promessas.

Kamala Harris, vice-presidenta estadunidense, se manifestou e afirmou que a Casa Branca possui profundas preocupações com a democracia de El Salvador. “Um Judiciário independente é essencial para uma democracia saudável e para uma forte economia”, escreveu Harris.

Organismos internacionais como a Human Rights Watch e a Organização dos Estados Americanos (OEA) também criticaram duramente a medida que efetivou um regime sem pesos e contrapesos em El Salvador. Os posicionamentos, entretanto, foram escanteados pelo presidente.

“Estamos limpando nossa casa e isso não é de sua incumbência”, disse, dirigindo-se à comunidade internacional.

A chegada de Bukele e do Nuevas Ideas, partido criado por ele em 2018, à presidência, pôs fim a disputa entre o partido conservador Arena e a Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN), de esquerda, que se alternavam no poder desde o fim da guerra civil no país, em 1992. 

Histórico comprometedor

Ainda que as medidas rígidas de combate à pandemia anunciadas por Bukele sejam bem recebidas pela população salvadorenha, a oposição e Michele Bachelet, alta comissária da Organização das Nações Unidas para os Direitos Humanos, já haviam criticado os flertes do político com o autoritarismo.

Bachelet o acusou de estar “restringindo liberdades” por meio do uso de “força militar” contra quem desrespeitava o lockdown ano passado. 

Já a FMLN denuncia constantemente que há um retrocesso na institucionalidade democrática em curso no país. De acordo com a sigla, Bukele dobrou o investimento nas Forças Armadas sem justificativas no último ano, embora a Constituição de El Salvador limite as funções dos militares à defesa do território e da soberania nacional.

Também em fevereiro do ano passado, o presidente havia estremecido as relações a antiga Assembleia Nacional ordenando que militares e agentes da Polícia Nacional Civil (PNC) invadissem o prédio do Legislativo para “pressionar” os parlamentares pela aprovação de um empréstimo de US$ 109 milhões para financiar um plano de segurança.

Na ocasião, em entrevista ao jornal El País, Bukele disse que a ordem para invadir o Parlamento foi “apenas um ato de presença” e afirmou que, se fosse um ditador, “teria assumido o controle de tudo”.

Elogios à brasileira

Enquanto a decisão do Parlamento salvadorenho tem angariado criticas internacionais, no Brasil, o deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, saudou a deposição.

Ele, assim como seus familiares, também acumula criticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro. Entusiasta de protestos golpistas, em 2018, chegou a dizer que um soldado e um cabo seria o necessário para fechar a corte. 

“Agora, o Congresso destituiu todos os ministros da suprema corte por interferirem no Executivo, tudo constitucional. Juízes julgam casos, se quiserem ditar políticas que saiam às ruas para se elegerem”, escreveu. 

Outros parlamentares criticaram a postura de Eduardo Bolsonaro. Rodrigo Maia (DEM-RJ) classificou o posicionamento como “muito grave”.

Paulo Teixeira (PT-SP), entre outros, afirmou que o deputado em questão “deve sonhar com a possibilidade de destituir os membros do STF no Brasil”. “Assim, ninguém o condenaria pelas rachadinhas e pelos vínculos da família com as milícias”, disse.

Neste domingo (2) alguns protestos foram registrados em San Salvador, capital do país centro-americano.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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