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Desumanidade no tratamento de haitianos faz enviado especial dos EUA renunciar e abre crise

A imagem de agentes da Patrulha a cavalo com chicotes perseguindo haitianos no Texas provocou condenações do manejo migratório na gestão Biden
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Aprofundando a recente crise interna do governo de Joe Biden por seu manejo da migração na fronteira, seu enviado especial ao Haiti renunciou nesta quinta-feira (23) em protesto pela deportação em massa desumana de haitianos do Texas ao seu perigoso país. 

O enviado especial, Daniel Foote, que iniciou suas tarefas em julho, enviou uma carta ao secretário de Estado, Antony Blinken, informando de sua renúncia imediata: 

“Não serei associado com a desumana e contraproducente decisão estadunidense de deportar os refugiados e imigrantes ilegais haitianos ao Haiti, um país onde oficiais estadunidenses estão confinados em quartéis seguros devido ao perigo que representam as quadrilhas armadas na vida cotidiana”. 

E ainda mais, criticou a falta de mudança real e urgente da política estadunidense para o Haiti, afirmando que “o enfoque de nossa política para o Haiti continua sendo profundamente defeituoso e minhas recomendações foram ignoradas e descartadas, quando não modificadas para projetar uma narrativa diferente da minha”. Indicou que o país não está em condições de receber de regresso seus emigrantes. 

A imagem de agentes da Patrulha a cavalo com chicotes perseguindo haitianos no Texas provocou condenações do manejo migratório na gestão Biden

Montagem Diálogos do Sul
Mais de 500 pessoas, já chegaram desde que as deportações em massa começaram

Foote também criticou a “altivez” estadunidense de seguir acreditando que pode selecionar quem deve ganhar nos processos políticos no Haiti. “Este ciclo de intervenções internacionais na política do Haiti tem produzido consistentemente resultados catastróficos”. E isso tem consequências não só dentro do país, mas para os Estados Unidos e o hemisfério. 

Enquanto Haiti vive crise imensurável, EUA deportam crianças e adultos em massa 

O porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, não tardou em responder de maneira incisiva ao veterano diplomata. “É desafortunado que, em lugar de participar em um processo de política em busca de soluções… tanto renunciou como mal caracterizou as circunstâncias de sua renúncia” e rechaçou a acusação de que suas propostas não fossem consideradas — “nenhuma ideia é ignorada, mas nem todas as ideias são boas ideais” — e afirmar o contrário é “simplesmente falso”. Outros altos funcionários do Departamento de Estado acusaram que entre as ideias errôneas de Foote estava a de enviar tropas estadunidenses de regresso ao Haiti.

A imagem de agentes da Patrulha Fronteiriça a cavalo com chicotes e/ou rédeas perseguindo imigrantes haitianos em Del Rio, Texas, provocou uma série de críticas e condenações do manejo do assunto migratório na fronteira pelo governo de Biden; alguns defensores de direitos civis e legisladores afro-estadunidenses disseram que recordam outras imagens emblemáticas da história da violência racista nos Estados Unidos.  

A deputada federal, Maxine Waters, denunciou esta semana que “o que presenciamos foi pior do que o que aconteceu na época da escravidão; outra vez vaqueiros, com suas rédeas, açoitando pessoas negras, haitianas, que tudo o que estão tratando de fazer é escapar da violência que vivem em seu país”.

Apesar do presidente, da vice-presidenta Kamala Harris e do secretário de Segurança Interna Alejandro Mayorkas terem expressado seu “horror” diante dos fatos, afirmaram que “isso não nos representa” e terem ordenado uma investigação, as críticas não só de opositores políticos, mas sim de figuras influente do partido do presidente e de agrupamentos de defesa de imigrante não cessam.  

Terremoto no Haiti: Sem campo de refugiados, pessoas estão nos escombros das casas

Bridgette Gomez, diretora de campanhas de We Are Home (projeto de sindicatos nacionais, dreamers e outras organizações de defesa de migrantes) comentou que “gente que está buscando segurança e asilo e vivendo debaixo de uma ponte constituem um desafio humanitário, mas em lugar de responder com alimento, médicos e albergues, o governo de Biden tem respondido com oficiais, cavalos, chicotes e voos de deportação”.  

Neste contexto, a renúncia de Foote foi mais outro golpe contra um governo que chegou prometendo desmantelar as políticas anti-imigrantes de seu antecessor e se comprometendo a respeitar os direitos de migrantes, refugiados e solicitantes de asilo. 

Na Casa Branca, a porta-voz Jen Psaki reiterou “que essas imagens são horríveis e horríficas”, que há uma investigação em curso, que o secretário Maryokas ordenou parar com o uso de agentes montados nesse setor e que não está sendo dado um tratamento diferente aos haitianos. Diante dos que acusam que este governo continua com políticas migratórias parecidas às de Trump, sublinhou que não podia ser mais diferente já que a anterior foi “desumana, imoral, ineficaz… e por sua disfunção nos encontramos no sistema descomposto que estamos manejando hoje”, assinalando que esta crise foi herdada do governo anterior.

Enquanto isso, o governo de Biden deportou para o Haiti mais de 1.400 haitianos, está processando outros três mil em Del Rio, e conseguiu reduzir a concentração de 14 mil a um terço. As expulsões sem audiência foram feitas sob o controvertido Título 42, uma lei de saúde primeiro empregada por Trump, a qual foi reprovado esta semana pelo Alto Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi.

Ao mesmo tempo, foi revelado que a administração Biden está se preparando para reabrir um centro de detenção para migrantes na Baía de Guantánamo e pediu a contratantes privados que forneçam guardas que falem crioulo e espanhol. Psaki insistiu hoje que isto não está relacionado com a situação na fronteira.

David Brooks, correspondente – La Jornada

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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