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Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Dia Internacional da Mulher: desigualdade de gênero no Brasil carrega herança da escravidão

Mulheres ocupam salários mais vulneráveis, instáveis, ganham menos e têm menos facilidade de se reinserir no mercado de trabalho
Vanessa Martina-Silva
Diálogos do Sul Global
Paraty

Tradução:

A participação da mulher no mercado de trabalho tem crescido desde 1980 em todo o mundo e no Brasil. Esse aumento, porém, não se reflete, necessariamente, na melhoria das condições de trabalho e emprego. Mesmo com escolaridade mais elevada em todas as ocupações, as mulheres brasileiras ocupamos as funções mais instáveis, precárias, mal remuneradas e menos valorizadas socialmente.

Com uma sociedade fortemente marcada pela herança escravagista do modelo colonial, o Brasil mantém as mesmas estruturas racistas, classistas e machistas. Nesse sentido, temos o fato de que uma em cada cinco mulheres economicamente ativas trabalha em atividades domésticas.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres representamos 40% da força de trabalho no Brasil. Destas, 17% são empregadas domésticas. Quando associamos o quesito racial, a situação parece quase indicar que a única opção para uma garota negra é ser empregada doméstica.

“No período da escravidão, existia um sistema de divisão do trabalho baseado na raça, em que as funções manuais eram desempenhadas forçadamente por pessoas negras. Essa lógica permanece”

Isso porque, considerando o fato de as mulheres serem 92% dos trabalhadores domésticos no Brasil, 65% delas são negras. Segundo informações do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas (Dieese), a maior parte dessas tem mais de 40 anos e recebe menos de um salário mínimo (450 dólares).

Essa função, extremamente atrelada ao forte caráter colonial e racista da sociedade brasileira, é marcada pela precarização, falta de direitos trabalhistas, baixos rendimentos, falta de carteira assinada e frequentes casos de assédio e abusos diversos.

Em entrevista ao Portal UOL, a secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Isadora Brandão, explica a relação entre trabalho doméstico e o período escravagista:

“No período da escravidão, existia um sistema de divisão do trabalho baseado na raça, em que as funções manuais eram desempenhadas forçadamente por pessoas negras. Essa lógica permanece. O trabalho doméstico, relegado a essas mulheres negras, é um trabalho socialmente desvalorizado.”

Brandão observa, porém, que o governo comandando pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se debruçado e procurado soluções para este tema. Foi Lula quem criou, há 10 anos, a chamada PEC das Domésticas, que prevê direitos a essas trabalhadoras.

“Enquanto algumas categorias de trabalhadores, por exemplo, mais masculinas, sindicalizados e vinculados ao setor produtivo, angariaram muitos avanços em termos de acesso a direitos trabalhistas, essas trabalhadoras continuam ainda numa situação de muita desproteção. Então, nosso papel é chamar a atenção para a realidade, para que ninguém fique para trás.”

Aliado ao fator racial, o componente machista e patriarcal da sociedade brasileira também se fazem presentes quando analisamos a diferença salarial entre homens e mulheres. Em julho de 2023, Lula sancionou a lei que garante igualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil. De acordo com a medida, mulheres não podem ganhar menos quando exercem a mesma função que homens. Empresas que assim agirem terão que pagar multa de até 40 mil reais (8 mil dólares)

Na ocasião da sanção da medida, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, destacou o absurdo de haver a necessidade de criação de uma lei específica quando a obrigatoriedade de salário igual para o mesmo trabalho existe no país desde 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada pelo ex-presidente Getúlio Vargas.

Em 2020, 96% dos empregos com carteira assinada perdidos no Brasil eram ocupados por mulheres.

“Em plena segunda década do século 21, a mulher ainda recebe, em média, 22% a menos do que o homem. E as mulheres negras recebem menos da metade do salário dos homens brancos. (…) Os estudos já comprovam que a igualdade salarial impulsiona a economia e melhora o PIB e que, quando as mulheres têm mais dinheiro, circula mais dinheiro, considerando aqui o importante fato de que elas são maioria entre as chefes de família nesse país”, declarou a ministra.

A preocupação do governo encontra respaldo no fato de que a diferença salarial entre homens e mulheres, que apresentava uma tendência de queda até 2022, voltou a crescer. Hoje, para cada 100 reais recebidos por um homem, uma mulher recebe 78, como aponta o IBGE.

Além dos fatores estruturais que marcam a condição trabalhista das mulheres, fatores como mudanças climáticas, tragédias e eventos extremos também impactam mais as trabalhadoras. Com mais de 700 mil mortos pela pandemia de Covid-19, o Brasil não conseguiu voltar ao patamar anterior no que se refere à empregabilidade feminina.

A crise econômica e o fechamento de escolas fez com que muitas mulheres fossem forçadas a abandonar seus empregos para cuidar dos filhos, enquanto outras foram simplesmente demitidas. Em 2020, 96% dos empregos com carteira assinada perdidos no Brasil eram ocupados por mulheres.

Além disso, temos maiores dificuldades para nos recolocarem no mercado de trabalho. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia mostram que, após o impacto da pandemia, quando em 2020 a economia começou a se reaquecer, das 697,3 mil vagas criadas, apenas 33% foram preenchidas por mulheres.

No topo da pirâmide econômica a situação muda — a diferença salarial tende a diminuir conforme os cargos aumentam —, mas não tanto, afinal, nós também não estamos na liderança das empresas. No fim de 2022, as mulheres éramos apenas 39,2% dos cargos de chefia. Quando considerado o fator racial, mulheres negras em cargos de diretoria ou gerência somos três vezes menos do que homens brancos, correspondendo a apenas 2,4% do total de empregadas.

As ações governamentais tomadas por Lula no Brasil têm sido importantes para ajustar as desigualdades estruturais no que se refere às políticas de gênero. Porém, é importante ressaltar que, durante os anos de sob o governo de Jair Bolsonaro (2018 – 2022) tivemos retrocessos significativos nas políticas públicas para as mulheres, bem como no discurso presente em parte da sociedade que o apoiou — e apoia — no que se refere à conquista e manutenção desses direitos. Hoje, quando comemoramos mais um 8 de março, é preciso, mais do que nunca, saber que devemos sempre estar atentas e vigilantes para a conquista e defesa dos nossos direitos.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Vanessa Martina-Silva Trabalha há mais de dez anos com produção diária de conteúdo, sendo sete para portais na internet e um em comunicação corporativa, além de frilas para revistas. Vem construindo carreira em veículos independentes, por acreditar na função social do jornalismo e no seu papel transformador, em contraposição à notícia-mercadoria. Fez coberturas internacionais, incluindo: Primárias na Argentina (2011), pós-golpe no Paraguai (2012), Eleições na Venezuela (com Hugo Chávez (2012) e Nicolás Maduro (2013)); implementação da Lei de Meios na Argentina (2012); eleições argentinas no primeiro e segundo turnos (2015).

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