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Dialogando com Iatã Cannabrava

Redação Diálogos do Sul

Tradução:

Blog Oitenta Mundos*

iata-solo3-400x400Conversamos com Iatã Cannabrava, fotógrafo e um dos gestores culturais mais importantes da América Latina. Nesta entrevista ele nos contou como a fotografia entrou na sua vida, a importância do gestor cultural e sobre os principais festivais e fóruns de fotografia que realiza.

Qual seu primeiro contato com a fotografia?
Eu tinha 15 pra 16 anos de idade e morava em uma Escola Secundária Básica do Campo, em Cuba. Como sou filho de exilados políticos, fui parar lá por caminhos que a vida toma. Na época tive um professor de inglês, Ricardo Ortega Nápoles (por ironia, um professor de inglês em Cuba comunista) que me viu muito deprimido e me deu uma câmera fotográfica soviética de plástico. Infelizmente, acabei a perdendo derretida pelo sol na traseira de um carro. Até hoje eu tento lembrar o nome dessa câmera.
Eu era um menino um pouco assustado, a câmera me protegeu e ensinou a me relacionar com o mundo e com os outros. Sou uma pessoa com câmera e outra pessoa sem câmera. E eu mesmo, prefiro a pessoa que sou com câmera. A fotografia foi uma tábua de salvação para momentos difíceis da minha vida, e se transformou desde então num espaço psicológico todo especial pra mim.

“Minha primeira foto foi em Cuba e meu primeiro ensaio em cores individual, foi na União Soviética. Ou seja, uma formação como fotógrafo bem específica.”

Na minha relação com a fotografia não me interessa que ela vire produto, arte, negócio, que seja reconhecida ou não. Me satisfaço no meu interior em fazer fotografia, em apertar o botão, em olhar através da câmera. Todo mundo tem problemas. Mas cada um pode construir o seu modo de ver a vida. Pra mim tudo começou com uma câmera de plástico russa dada por um professor e amigo. Infelizmente a gente não se viu mais. Na época eu era um exilado em Cuba, hoje ele se exilou de Cuba. Mora na Espanha e tem um filho que se chama Iatã.
Hoje além de fotógrafo você desempenha outros papéis, como curador e realizador cultural, como isso aconteceu?
Tudo começou ao contrário. Eu nasci militante, filhos de exilados políticos, militantes de esquerda e jornalistas. Quando a gente morava na Bolívia, no exílio, para pagar a comida de casa, minha mãe cantava musica popular de protestos em bares onde se reunia a esquerda.
Além disso, também me apaixonei ao mesmo tempo pelo Photoshop e pelo Excel. [risos] É preciso se pensar em planejamento, em números. Sempre achei que os engenheiros sabiam organizar gavetas e artistas sabiam bagunçar gavetas. E a grande mistura disso é o que dá o gestor cultural. Seja essa mistura em pessoas diferentes ou no mesmo individuo. Ou seja, saber organizar e ter flexibilidade.

Venho de uma origem militante, viro fotógrafo, fico em dúvida entre a fotografia e a militância, e descubro um caminho entre a militância e a fotografia.
Venho de uma origem militante, viro fotógrafo, fico em dúvida entre a fotografia e a militância, e descubro um caminho entre a militância e a fotografia.

Não há espaço para o amadorismo. Individualmente, em duplas ou coletivamente você precisa ser coerente, competente, eficaz e eficiente com seu projeto, senão você esta brincando de ser artista. A arte é coisa séria, é pra ser levada muito a sério.
O PARATY EM FOCO é um dos maiores festivais de fotografia do Brasil e da América Latina. Como surgiu a ideia do evento? Qual sua avaliação sobre os dez anos de festival?
A gente começou muito simples. Giancarlo Mecarelli fundou o festival dez anos atrás (2005), junto com o pessoal do Fotosite e o pessoal da Fnac, onde fizeram o festival para 40 pessoas.
Fui convidado para fazer parte do festival na segunda edição (2006), trazendo um novo modelo de gestão. O que eu fiz foi desenhar uma planilha lógica que tratava de dinheiro, cronograma, fases e etapas, com o objetivo de dar para o festival uma característica. Fazer com que essa planilha fosse na verdade a base da composição de uma ideia maior.
Por isso o número de workshops e palestras é cada vez maior. Ele é um motivo para as pessoas saírem de lá com vontade de continuar estudando, lendo, se informando, frequentando, experimentando, etc.

Ele não é só um evento, é um evento que esta a serviço de um projeto maior que é de educação.
Ele não é só um evento, é um evento que esta a serviço de um projeto maior que é de educação.

Aos poucos o festival está se consolidando administrativamente, politicamente e conceitualmente. A gente sempre faz perguntas, pesquisas com o público, e as pessoas se queixam sempre das mesmas coisas, algumas nem perceberam que as coisas já mudaram. Temos um processo nada radical, porque seria fácil querer mudar o festival do dia pra noite. Mas festival tem que ser algo sustentável no sentido financeiro e na gestão.
Um festival envolve milhares de detalhes, tudo tem que estar sob controle, o caminhão, a tenda, os workshops, etc. Desde o início do ano a gente prepara as relações, quem a gente convida, o que fazer com quem não foi convidado, tentar abranger regionalmente o Brasil, a diversidade da fotografia, sem perder ao mesmo tempo características próprias do festival. Ele é um festival de experimentação, de educação em fotografia, e que serve como ponto culminante de uma série de atividades que nós desenvolvemos durante o ano inteiro nesse sentido de educar e fomentar a fotografia. No fim é uma festa e não um evento.
Outro grande projeto cultural que desenvolve em parceria com o ITAÚ CULTURAL é o FÓRUM LATINO-AMERICANO. Poderia explicar como surgiu a ideia e quais os principais resultados alcançados?

se você perguntasse a um brasileiro e a um argentino se eles eram latino-americanos, o argentino demoraria uns 10 segundos para dizer que sim, e o brasileiro uns 12 segundos para dizer que não.
se você perguntasse a um brasileiro e a um argentino se eles eram latino-americanos, o argentino demoraria uns 10 segundos para dizer que sim, e o brasileiro uns 12 segundos para dizer que não.

A primeira edição do Fórum Latino-americano nasce de uma percepção de que se você perguntasse a um brasileiro e a um argentino se eles eram latino-americanos, o argentino demoraria uns 10 segundos para dizer que sim, e o brasileiro uns 12 segundos para dizer que não.
O brasileiro não tinha a percepção bem resolvida de ser latino-americano (independente da fotografia, da cultura, da arte ou da intelectualidade do país). Isso já mudou bastante, muito por movimentos políticos do governo Lula, que se aproximou da América Latina. As pessoas também começaram a viajar mais pela região, o turismo é um grande elemento de aproximação dos povos. Mas mesmo assim a gente não se sentia latino-americano entre os fotógrafos. Não existia uma fotografia latino-americana que incluía o Brasil.
E sobre essa pergunta “Somos latino-americanos ou não?” o primeiro fórum visou incluir o Brasil nesse network da fotografia. E claro, incluía a América Latina no network brasileiro.
O segundo fórum serviu para consolidar essas redes, de uma forma mais densa e consistente. E hoje, nós não temos controle do que acontece, mas se criou uma maquina de relacionamento entre o Brasil e todos os seus companheiros latino-americanos. O Brasil se integrou na região. Então esse papel de romper uma fronteira, que tinha uma lógica da selva Amazônia, dos Andes, do idioma, uma lógica de fronteiras fechadas, pra fronteiras abertas através da universalidade da fotografia, acho que foi o grande papel do fórum.
No terceira edição, o fórum ficou meio sem saber o que ele era. Então estamos nos preparando para o quarto fórum, rediscutindo desde já esse papel com toda a América Latina. O Itaú Cultural que é o realizador junto com a gente, está muito interessado nessa rediscussão porque precisamos nos reinventar o tempo todo, o processo é muito dinâmico. Porque a rede já foi criada e está funcionando, agora é preciso ver pra onde ela vai apontar sua energia.
Na mesma linha que privilegia o formato de discussão a partir de 2a12 é realizado o Encontro de Reflexão e Pensamento na Fotografia em parceria com o MIS (Museu da Imagem e do Som). Poderia falar mais sobre a proposta do evento?

Fotógrafos adoram assistir eventos com fotógrafos falando de como produzem o seu trabalho. E quem está pensando a fotografia?
Fotógrafos adoram assistir eventos com fotógrafos falando de como produzem o seu trabalho. E quem está pensando a fotografia?

O Encontro nasce da necessidade de aproximar o pensamento acadêmico do que é produzido fora da academia, do fazer fotográfico.
Já tivemos três edições, e ele contaminou o Paraty em Foco, que já teve várias atividades que eram absolutamente reflexão sobre fotografia e não fotógrafos contando como produzem.
Todo mundo pensa que eu tenho algo contra universidade porque eu não fiz uma universidade, mas não tenho absolutamente nada contra, ao contrário, tenho todo o desejo do mundo, que nossos projetos estejam vinculados a um pensamento acadêmico, acho a pesquisa fundamental. Um país que não pesquisa é um país que vai estar subserviente daquele que pesquisa. Agora, a pesquisa tem que estar totalmente relacionada ao fazer, e a uma sociedade real, de carne e osso.
O tema da última edição do Encontro Pensamento e Reflexão na fotografia foi “Tudo no mundo existe para terminar num livro de fotografia”. O que você poderia dizer a respeito do cenário atual das publicações fotográficas?

Existe um boom maravilhoso de criatividade, de pessoas fazendo coisas incríveis, eu recebo um livro mais maravilhoso que outro, estou ficando pobre para colecionar livros [risos]. É uma forma de fotografia mais pública que a de galeria.
Existe um boom maravilhoso de criatividade, de pessoas fazendo coisas incríveis, eu recebo um livro mais maravilhoso que outro, estou ficando pobre para colecionar livros [risos]. É uma forma de fotografia mais pública que a de galeria.

Existe um boom maravilhoso de criatividade, de pessoas fazendo coisas incríveis, eu recebo um livro mais maravilhoso que outro, estou ficando pobre para colecionar livros [risos]. É uma forma de fotografia mais pública que a de galeria.
Nós entramos nesse boom, somos jogadores desse movimento e a nossa visão é que o fotolivro é uma experiência. A experiência do fazer, distribuir, e principalmente do expectador-leitor (nunca soube como definir quem está com um fotolivro nas mãos), de viver a experiência, e não ser só um produto para acumular informação, aprender, estudar ou compreender, isso é outro caminho. O fotolivro esta ligado a palavra experiência.
Você foi fundamental para a criação da Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil(RPCFB), organização que abriu caminho para o diálogo da produção cultural fotográfica com o Ministério da Cultura e para integração entre os realizadores. Você poderia falar mais sobre a iniciativa, e sua participação nela.
Quem vai conversar com o poder executivo? A sociedade civil organizada. Não é papel do indivíduo conversar com o Estado, porque não é papel do Estado receber o individuo. Isso só acontece em países que não tem sistemas.
A sociedade civil se organiza e manda seus interlocutores para dialogar com o poder executivo constituído. Se quiserem chamar de lobby podem chamar de lobby, tanto faz. Isso é poder constituído falando com poder constituído.
Nós formamos uma Rede de Produtores Culturais no Brasil, porque era a melhor forma de agremiar o fazer fotográfico. Não deram certo as tentativas de agremiar fotógrafos. Mas os vários que já agremiam fotógrafos embaixo do seu guarda chuva, como curadores, galeristas, blogueiros, diretores de festivais, diretores de escolas, etc. foram formar um outro guarda chuva, que é uma rede que vai conversar com o Estado. Essa é a Rede, ela busca verba, apoios, prestígio e consolidação. É corporativismo levado a sério.
Qual a eficácia disso? Lenta, devagar, quase parando, mas tem sido eficaz. Por exemplo, nós conseguimos restabelecer o prêmio Marc Ferrez. Eles podem fazer qualquer coisa, diminuir ou aumentar a verba, mas não param de realizar o prêmio. E também uma série de outros editais onde a fotografia não entrava e começou a entrar.
Também há uma respeitabilidade maior pelo fazer fotográfico, porque tudo isso tomou o Instagram, os celulares, no entanto, a fotografia continua marginal. Um artista plástico ainda vale mil fotógrafos no seu status.
Como produtor cultural qual sua opinião sobre as formas de financiamento disponíveis / acessíveis no país para a realização de eventos e iniciativas?

Muro das lamentações não cria projetos e não desenvolve o fazer fotográfico.
Muro das lamentações não cria projetos e não desenvolve o fazer fotográfico.

Quem não se inscreve em edital, nunca vai ganhar. Eu me inscrevo em dez, vinte por ano e as vezes não ganho nenhum. É preciso participar, usar os sistemas, não basta se queixar das burocracias.
Mas claro que esta aquém, que falta, falta. Teríamos que ter pelo menos 2% dos recursos da nação dedicados a cultura. Temos hoje por volta de 0.7%. A cultura devia ter um status de Ministério da Educação, não deixo por menos. A cultura é a educação do futuro.
Qual sua avaliação sobre o contexto da produção fotográfica no Brasil e na América Latina? Quais desafios e oportunidades da área?
O fazer coletivo, o abandono da autoria como uma coisa arraigada, muito “eu”. A primeira coisa é conseguir se livrar desta coisa tola que é buscar a autoria individual do “eu fiz”. É muito mais divertido e eficaz ter ideias que surgem do coletivo.
O outro desafio é estender tudo isso que disse aqui a camadas das populações que não tem nada de informação sobre isso. Que não participam, que estão fora do jogo, que estão excluídas do mais importante dos jogos, que é o jogo do fazer cultural.

Um fotolivro mesmo que tenha poucos exemplares, é mais publico, circula mais. É a fotografia pública por excelência.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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