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Diálogos "secretos" da Lava Jato repercutem na imprensa nacional e internacional

No Brasil, a chamada grande mídia tenta minimizar a gravidade do que foi revelado nos diálogos
Olímpio Cruz
Portal Vermelho
São Paulo (SP)

Tradução:

As revelações feitas pela reportagem do Intercept Brasil de diálogos entre o ex-juiz e atual ministro da Justiça Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da chamada Força Tarefa da Lava Jato tiverem grande repercussão nos meios de comunicação. No Brasil, a chamada grande mídia tenta minimizar a gravidade do que foi revelado nos diálogos, já no exterior a notícia tem causado grande impacto, como mostra a síntese feita pelo jornalista Olímpio Cruz da cobertura da imprensa.

Jornais dão destaque nas manchetes à produção de conteúdos exclusivos nesta segunda. Folha vem com entrevista de Alcolumbre e Rodrigo Maia, Estadão fala da sobra de caixa do Legislativo e do Judiciário nos estados, O Globo fala da dificuldade do governo se a PEC das Medidas Provisórias for aprovada. Valor aborda a importância das cotas raciais nas universidades públicas.

Todos escondem a notícia mais importante do dia: a revelação pelo The Intercept de que procuradores da Lava Jato, incluindo o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol; e o então juiz federal Sérgio Moro, combinaram e trocaram informações, entre 2015 e 2018, para forjar evidências contra Lula e o PT, o que acabaria resultando na prisão do ex-presidente. O assunto explodiu na blogosfera e redes sociais e começa a repercutir na mídia global.

The Intercept revela que juiz e acusação colaboravam de maneira ilegal para fazer um jogo sujo na Lava Jato. A versão em inglês do site escancara: mensagens secretas dos procuradores mostram atuação para evitar a vitória eleitoral do PT nas eleições de 2018. A notícia vai continuar reverberando e influir na agenda política em Brasília esta semana. Coincidência ou não, foi adiada a assinatura do pacto político, que reuniria Bolsonaro e as cúpulas do Judiciário e do Congresso e estava prevista para hoje.

Saiba mais sobre a reportagem do Intercept Brasil
Procuradores da Lava Jato tramaram em segredo para impedir entrevista de Lula antes das eleições por medo de que ajudasse a ‘eleger o Haddad’

Na Folha, o ministro Marco Aurélio Mello alerta que a troca de mensagens põe em xeque a equidistância da Justiça. “Apenas coloca em dúvida, principalmente ao olhar do leigo, a equidistância do órgão julgador, que tem ser absoluta. Agora, as consequências, eu não sei. Temos que aguardar”, diz. A defesa de Lula diz que o ex-presidente foi vítima de manipulação e que vai pedir a anulação do caso.

A Constituição Federal e a lei proíbem juiz e acusação de terem relação próxima. Em nota, o MPF não desmente as revelações e limita-se a dizer que seus membros foram vítimas de “hacker” que praticou os “mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes”.

Aliás, essa é a chamada do Estadão para o caso: PF apura ação de hackers contra Lava Jato. O jornal concede o benefício da dúvida aos procuradores, procedimento diverso quando o alvo era o PT e era a Lava Jato quem fornecia vazamentos, inclusive os ilegais, como de Dilma.

Saiba mais sobre a reportagem do Intercept Brasil
Como e por que o Intercept está publicando chats privados sobre a #LavaJato e Sergio Moro

Moro também não desmente as informações e diz que não há nada que desabone sua conduta na Lava Jato. Mas critica vazamento e denúncia anônima. Irônico que Moro reclame agora de ser alvo do vazamento de conversa na imprensa, justamente quando partiu dele o vazamento do grampo sem autorização do STF que culminou no impeachment de Dilma.

A denúncia é uma bomba e confirma que Lula e o PT foram perseguidos pela Lava Jato. Mais. Que Sérgio Moro teve atuação política na operação, interferindo diretamente no andamento do processo, o que é vedado por lei. Nota no Painel da Folha informa que ministros do Supremo dizem que o conteúdo das revelações é forte e abre margem para questionar a atuação de Sergio Moro como juiz.

“Um pedido de suspeição do hoje titular do Ministério da Justiça foi rejeitado por Edson Fachin, mas segue sob análise da Segunda Turma”, escreve Daniela Lima. “Dormita nas mãos de Gilmar Mendes, que pediu vista”. A colunista traz ainda declaração de Gleisi Hoffmann, presidente do PT: “É a prova do que sempre denunciamos: juiz e procuradores atuaram combinados, com parcialidade e motivações políticas”.

Assinadas por Glenn Greenwald, a sequência de reportagens do Intercept é impressionante. O jornalista informa que recebeu um “lote de arquivos secretos” de uma “fonte anônima” há algumas semanas.

Saiba mais sobre a reportagem do Intercept Brasil
Chats privados revelam colaboração proibida de Sergio Moro com Deltan Dallagnol na #LavaJato

O acervo inclui, além das conversas entre Moro e Dallagnol, mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Lava Jato no aplicativo Telegram. De acordo com o site, há diálogos, fotos, videos e áudios no material. O conteúdo dos chats totaliza o equivalente a um livro de 1.700 páginas. Isso significa que haverá novas revelações. 

No Brasil, a chamada grande mídia tenta minimizar a gravidade do que foi revelado nos diálogos

Brasil 247
Mensagens comprovam conluio de Moro e Dallagnoll

Na Folha, Celso Rocha de Barros avalia que as revelações são impactantes, embora não inocentem Lula. “É coisa séria, é coisa grande, e é coisa que deve ter efeitos sobre o diálogo político nacional”. E conclui: “O quadro que emerge sobre o julgamento de Lula é ruim. Não há nada nos vazamentos que prove que Lula é inocente, mas há sinais fortes de que seu julgamento não foi normal”.

Força tarefa ou organização política?

A troca de mensagens entre membros da força-tarefa fazem referências ao processo que culminou na condenação e prisão de Lula. Segundo a matéria, Moro teria passado informalmente pista sobre o caso do ex-presidente para que a equipe do MP investigasse. A reportagem também mostra que os procuradores da força-tarefa atuaram para impedir a entrevista de Lula à Folha de S. Paulo antes das eleições, exclusivamente para evitar que a entrevista beneficiasse Fernando Haddad.

Saiba mais sobre a reportagem do Intercept Brasil
Deltan Dallagnol duvidava das provas contra Lula e de propina da Petrobras horas antes da denúncia do triplex

O furo do Intercept repercute intensamente na blogosfera e na imprensa nacional, mas não a ponto de ganhar as manchetes de capa dos jornalões brasileiros. Valor destaca que Moro colaborou com MPF para ajudar Lava Jato, diz site. O Globo: Site diz que Moro e Deltan combinavam atuações no âmbito da Lava-Jato. Folha: Mensagens mostram colaboração entre Moro e Deltan na Lava Jato, diz site.

Na TV, Fantástico deu ontem nota coberta de 5’21 de que o Intercept havia divulgado trechos de mensagens “atribuídas” a procuradores e a Moro. Globonews também não teve como esconder as revelações e foi na mesma linha do Fantástico: “conversas atribuídas”.

Na mídia internacional, no entanto, a revelação do jogo político da Lava Jato ganha repercussão. Despacho da Associated Press destaca que Moro lamenta hackeamento dos telefones dos promotores, mas noticia que ele orientou promotores, extrapolando suas funções como juiz. O material da AP é amplamente reproduzido na imprensa internacional, com destaque no The New York Times, Washington Post e ABC, sendo publicado em mais de 4,8 mil sites noticiosos.

A France Presse também traz a notícia de que Lula foi alvo de conspiração e que investigadores impediram-no de concorrer às eleições. Material repercutiu até na Al Jazeera.

O francês Le Monde destaca em manchete que a investigação anticorrupção tinha como objetivo impedir o retorno de Lula ao poder. O argentino Página 12 dá manchete de primeira página e trata o caso como “Brasilgate”. O espanhol El País aponta que a investigação jornalística põe em dúvida a imparcialidade da Lava Jato.

Para o campo democrático, as novas informações redimensionam a campanha pela libertação de Lula. A rigor, todas as sentenças oriundas da Lava Jato precisariam ser anuladas. A vinculação da corrupção do Judiciário com os demais retrocessos que ocorreram no país tornou-se ainda mais gritante. E a ilegitimidade da eleição de 2018 também não tem mais como ser escondida. Entendido como bandeira que sintetiza a denúncia do ataque às instituições democráticas, o “Lula livre” deve representar não só a defesa da liberdade do ex-presidente e de todos os outros presos políticos, como também a oposição ao golpe e às políticas que ele implementou – e mesmo, na medida em que as condições permitirem, a exigência de anulação do pleito do ano passado.

Para a extrema-direita, pouco muda. O cinismo, que ela se habituou a praticar no debate público, já está a pleno vapor. Nas mídias sociais, robôs e robotizados reagiram às reportagens do The Intercept Brasil com frases como “Lula tá preso, babaca”. No contexto, a frase é uma confissão de culpa e revela o universo mental deste grupo: a política é um vale-tudo e, se Moro e Dallagnol desrespeitaram as regras básicas da ética e da lei para prejudicar seus adversários, ainda mais “heróis” eles são.

Quem fica em maus lençóis mesmo é o amplo setor do lavajatismo que se quer “civilizado” – aqueles que não desejavam se confundir com Bolsonaro, que não queriam se comprometer com o desmonte da democracia brasileira, mas ficavam satisfeitos com a criminalização do petismo e incorporaram a versão do “combate sem tréguas à corrupção” como justificativa. É um amplo grupo, que inclui parte da cúpula do Judiciário e parte da grande imprensa; políticos conservadores que se projetam como respeitáveis, como Fernando Henrique Cardoso e Marina Silva, e também o udenismo de ultra esquerda. Para estes, chegou a hora da verdade. Ou mandam publicamente os escrúpulos às favas ou terão que romper sua conivência com a conspiração.

*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê, que mantém oBlog do Demodê, onde escreve regularmente. Autor, entre outros, de Democracia e representação: territórias em disputa (Editora Unesp, 2014), e, junto com Flávia Biroli, de Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2014). Colabora com o livro de intervenção O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil (Boitempo, 2018). Seu livro mais recente é Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória (Boitempo, 2018). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente às sextas.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Olímpio Cruz

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