O Sul21 conversou nesta segunda-feira (27) com a ex-presidenta Dilma Rousseff ao vivo pelas redes sociais. Ao longo de 1h30 de entrevista (ver a íntegra abaixo), Dilma falou sobre como está a sua rotina durante o isolamento social, como avalia as políticas de enfrentamento ao novo coronavírus no Brasil e no Rio Grande do Sul, sobre a interferência dos Estados Unidos na Lava Jato e no processo de impeachment, sobre a participação dos militares na política, entre outros assuntos. Ao final, deu dicas de série que está acompanhando e livros que leu durante a quarentena.
“Eu preencho meu dia lendo, conversando pela internet, acompanhado a rede social, mas, sobretudo, lendo. Acredito que, nesse aspecto, eu faço parte de um grupo específico, mas eu lamento profundamente o que está acontecendo com a população brasileira, porque desmontaram tudo que podiam desmontar nos últimos anos. A própria saúde foi objeto de um corte de recursos, foi objeto da expulsão dos médicos cubanos, foi objeto de restrições para investimentos em leitos de UTI e, sobretudo, foi também objeto de uma perseguição sistemática feita à ciência no nosso País”, disse a ex-presidenta.
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Dilma Rousseff, em imagem de arquivo
Ao ser questionada sobre como avaliava a condução da pandemia pelo governo federal, Dilma criticou a falta de testagem. “Por que não fazer testes? Por que não testar toda a população? Que é, por exemplo, a recomendação da OMS. A OMS diz ‘teste, teste, teste’. E tem lógica ser teste. Se você não tem uma vacina, se você não tem um fármaco, porque não há fármaco, cloroquina não é, você não tem remédio parecido, por exemplo, como no caso do H1N1, com o Tamiflu. Então, qual é a sua ação? A ação dos países foi isolamento social e teste, porque não é isolamento social pelo isolamento social. O par do isolamento social é o teste. Você testa para isolar uma rede de contaminação e para, em algum momento, flexibilizar, porque todo mundo sabe que manter as pessoas fechadas infinitamente é impossível. Então, o par do isolamento é o teste. O estanho é que aqui no Brasil não se testa. No início, alegavam que era muito caro, o que é um escândalo, porque não é caro para o Brasil. Pode ser caro para Guiné Bissau ou para um país mais pobre, mas, mesmo esses países, eu acredito que a cooperação internacional pode suprir. Acredito também que não testar é sinônimo de que não há gestão nessa crise”, disse.
A presidente também questionou as pressões feitas pelo empresariado aos governos locais pelo flexibilização das restrições impostas para o combate ao vírus, argumentando que a realidade está provando que flexibilizar precocemente só tende a prolongar os impactos da pandemia. “É papel dos governantes resistir a pressões. Eu vou citar o caso do Bolsonaro. O Bolsonaro recebe 15 presidentes das principais instituições empresariais do País. Eles podem para o Bolsonaro flexibilizar, dizendo que estão entrando numa crise muito profunda. O que faz o Bolsonaro? Organiza todos, atravessa a Esplanada e vai lá no Supremo Tribunal Federal pedir para o Toffoli abrir o País. É um balé de doidos. Primeiro, nenhuma autoridade pública controla o grau da pandemia, o grau da pandemia é um dado da realidade. O que uma autoridade pública pode fazer? Pode interferir para proteger a vida da população. Esse pessoal da elite empresarial brasileira que acredita que flexibilizar diminui o nível de queda da economia tá equivocado. Por quê? Está provado que o vírus age por ondas. O que você faz é adiar a sua retomada. Ou você controla, e a partir daí você consegue abrir, flexibilizando, com teste, ou vai ser isso, abre e fecha, abre e fecha. E você não vai ter condição de recuperar. Qualquer país que não for capaz de ter controle das condições nas quais ele abre, está cometendo uma tolice, não tá resolvendo o problema”, afirmou Dilma.
Para além do vírus, a ex-presidenta também falou sobre as últimas revelações a respeito da interferência norte-americana no impeachment e na Lava Jato, avaliando que a força-tarefa e o ex-juiz Sérgio Moro tinham um projeto de poder. Para ela, após romper com o governo, Moro tentará ocupar o espaço político que antes era dominado pelo PSDB. “Eu acho que o Moro é uma direita só um degrau menos radical e fascista do que o Bolsonaro, só um degrau, mas é um degrau. O Moro tem uma característica que acho que temos que perceber e enfatizar. Ele julgou que teria esse respaldo de estar no governo e de ficar visível como um passo para ir à política. Mas vamos lembrar que ele mesmo foi o agente de uma destruição. Que destruição? O foco era destruir o PT, o Lula e as lideranças do PT. Mas o fogo amigo atingiu quem? Atingiu, mesmo eles contendo o fogo, atingiu a direita e a centro-direita. Não atingiu completamente, tanto é que agora eles estão tentando invisibilizar qualquer um dos tucanos, prendendo os tucanos por coisas que até aquelas emas que olham para a cloroquina sabiam do PSDB. Então, agora eles estão tentando limpar a área. Mas, já naquele época, o fogo amigo pegou lideranças do MDB, do PSDB, em menor grau, mas pegou. Mas, sobretudo, eles ousaram participar do governo Temer com todo seu descalabro e, deixar claro, o que viria. Então, eles perderam muito a popularidade, foram destruídos no processo, resultando na ultradireita. Então, fizeram acordo com a ultradireita achando até que conseguiriam domesticar o Bolsonaro, não conseguiram. Agora, está aparentemente domesticado, é só esperar um pouquinho que ele volta. Eu acredito que o Moro tem um projeto de poder de ressuscitar essa direita. O que o Moro quer é ter uma presença no cenário político ligado a essa direita. Se ele conseguirá ou não, eu acho muito pouco provável, até porque percebo muito que o governo tem um interesse muito grande em destruí-lo e acho que vai usar de todos os meios para isso porque eles disputam a mesma base”, disse.
Dilma ainda avaliou o resultado das pesquisas de opinião que indicam que Bolsonaro tem o apoio de 30% a 35% da população. “O que a gente tá vendo é que está havendo uma migração. Ele está tentando capitalizar nos 600 reais, que ele era contra. As pesquisas dizem que ele só não perdeu mais porque a perda que ele teve nos setores de classe média foi compensada pelo ganho que ele teve nos segmentos mais populares devido ao fato de ser atribuído a ele os 600 reais, apesar de não ter sido. Ora, nós vamos de ter de olhar se isso é assim mesmo, se é uma forma não estável ou é uma forma estável de apoio. Isso eu não sei te dizer. Eu não sei se é uma forma estável que tenderá a permanecer com ele ou se é uma forma instável, caso ele venha a retirar os 600 reais, coisa que ele é pressionado pelo lado liberal a fazer, se ele manterá essa flutuação favorável a ele”, disse.