Pesquisar
Pesquisar

Direita chilena, saudosa a Pinochet, endurece oposição e repúdio à nova Constituição

Carta magna é resultado da mobilização maciça e democrática de milhões de pessoas rebeladas contra os abusos e as desigualdades do país
Libio Pérez
Le Monde Diplomatique
Santiago

Tradução:

O trabalho da Convenção Constitucional avança e a “folha em branco” já tem seus primeiros parágrafos. Em poucas semanas, os progressos foram substanciais e esboçaram um novo Chile descentralizado, que distribui poder às regiões, outorga autonomia aos territórios, reduz as desigualdades perante a justiça, reconhece a diversidade dos povos que habitam o país e tinge de feminismo a futura institucionalidade, enquanto vai deixando para trás as normas que consagravam os princípios nos quais, por décadas, se sustentou a Constituição autoritária, excludente e concentradora ainda em vigor.

Os prognósticos extremistas não se concretizaram. O Chile não faliu, os investidores não fugiram, o caos não se instalou e aquilo que está nascendo não se parece com o temido “comunismo castro-chavista” que os setores conservadores apregoavam.

Direitistas e “amarelos” se unem e exigem “não ser excluídos”, na própria Convenção – onde os votos que obtiveram não bastam para formar um terço de obstrução – e na mídia. Tecem novas alianças conservadoras, inoculam o medo e não vacilam em propalar mentiras, informação manipulada e iniciativas inexistentes, que nunca estiveram entre as ideias transformadoras.

Ao contrário, na Convenção Constitucional – resultado da mobilização maciça e democrática de milhões de pessoas rebeladas contra os abusos e as desigualdades –, está emergindo um Chile que expande e aprofunda a democracia, incrementando sua qualidade e densidade. Agora já se entrevê uma democracia com maior participação de seus habitantes e territórios, com maior controle cidadão sobre as instituições, com melhores ferramentas para a luta contra a corrupção e o crime organizado (que legitimem as autoridades, gerem mais confiança, dissipem os temores, aperfeiçoem a qualidade de vida), e com maior justiça social. Esse é um processo constituinte que estará acompanhado, em sua fase final, por um governo transformador que, respeitando a autonomia do poder constituinte, garantirá o êxito de seus trabalhos. Logo virá o plebiscito, quando a vontade popular se fará explícita.

Mas há vozes na direita e em grupos de ex-membros da Concertación que já resmungam um “repúdio” prévio da nova Constituição, com desprezo pelo trabalho da Convenção Constitucional, com argumentos pueris e sem nem sequer terem ideia de como será o documento pronto. Assustados com um regime que não controlam, eles se acostumaram a viver em uma democracia de baixa intensidade e a ir atrás de votos de tempos em tempos para depois voltar as costas aos eleitores. Apegam-se à certeza antidemocrática da carta magna herdada dos anos 1980 e querem ficar com ela.

Posse de Boric gera expectativas de mudanças à esquerda, mas oposição promete ser dura

“Repúdio” significa defender a Constituição do general Pinochet e Jaime Guzmán enquanto não surge outro momento constituinte. O contraste notório: a “Comissão Ortúzar”, que lançou as bases da Constituição de Pinochet, era integrada por nove pessoas e o texto definitivo – escrito pelo Conselho de Estado e aprovado pela Junta Militar de quatro generais – foi submetido a um plebiscito fraudulento em 1980. O processo exigiu sete anos e vigorou por quarenta.

Carta magna é resultado da mobilização maciça e democrática de milhões de pessoas rebeladas contra os abusos e as desigualdades do país

Presidência do Chile
Está emergindo um Chile que expande e aprofunda a democracia, incrementando sua qualidade e densidade

Radicalizar a democracia construída com moderação durante o período transicional é visto como uma ameaça pelos setores reacionários, daí a resistência que opõem. Se a antiga democracia representativa supunha a possibilidade de que as organizações sociais e trabalhistas dialogassem diretamente com as instituições do Estado, o modelo ditatorial interpôs o mercado como mediador entre as relações sociais. Arrancar o mercado dos lugares onde conquistou direitos parece uma heresia, quando na realidade significa apenas avançar e acompanhar a evolução democrática de boa parte do mundo.

Juntar à democracia representativa a democracia participativa e deliberativa é um avanço civilizatório ao qual o Chile não pode se subtrair caso procure expandir, aprofundar e melhorar a qualidade da nova democracia que vem surgindo com a Convenção Constitucional, justamente a partir da democracia liberal.

O Chile vive um processo de construção democrática que deveria se orientar no sentido de edificar uma sociedade em que a proximidade seja uma política que impeça o isolamento social, que chegue ao núcleo familiar, aos locais de trabalho e estudo, à produção, às relações sociais, aos territórios dos povos autóctones, aos vínculos com a natureza, à vida não humana e às relações internacionais. Nisso consiste o que se chama democracia de alta densidade.

Libio Pérez é editor-geral da edição chilena de Le Monde Diplomatique
Tradução do espanhol por Frank de Oliveira


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul


Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:

  • PIX CNPJ: 58.726.829/0001-56 

  • Cartão de crédito no Catarse: acesse aqui
  • Boletoacesse aqui
  • Assinatura pelo Paypalacesse aqui
  • Transferência bancária
    Nova Sociedade
    Banco Itaú
    Agência – 0713
    Conta Corrente – 24192-5
    CNPJ: 58726829/0001-56

Por favor, enviar o comprovante para o e-mail: assinaturas@websul.org.br 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Libio Pérez

LEIA tAMBÉM

Genocídio e genocidas um tema do presente, passado e futuro
Genocídio e genocidas: um tema do presente, passado e futuro
Dina Boluarte - desqualificada para governar, expert em obstruir a justiça
Dina Boluarte: desqualificada para governar, expert em obstruir a justiça
Chile processa general que “facilitou” crimes de policiais durante protestos de 2019
Chile processa general que “facilitou” crimes de policiais durante protestos de 2019
Espanha deve pedir perdão ao México e abandonar desmemoria, afirma historiador
“Espanha deve pedir perdão ao México e abandonar desmemória”, afirma historiador