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Direitos humanos abatidos em protestos venezuelanos

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Humberto Márquez*

Familiares e estudantes marcham com cartazes com os nomes de alguns dos jovens mortos, em uma multitudinária manifestação da oposição, sábado 22 de fevereiro, em Caracas. Crédito: Estrella Gutiérrez/IPS
Familiares e estudantes marcham com cartazes com os nomes de alguns dos jovens mortos, em uma multitudinária manifestação da oposição, sábado 22 de fevereiro, em Caracas. Crédito: Estrella Gutiérrez/IPS

Treze mortos, dezenas de feridos, cerca de 500 detidos, denúncias de tortura, de repressão ilegal por forças de segurança e grupos irregulares e de agressão à imprensa, marcam as duas semanas de protestos e confrontação política nas ruas de mais de 30 cidades da Venezuela.

O Estado “jogou no lixo os princípios básicos das Nações Unidas sobre uso da força e de armas de fogo (aprovados em Havana em 1990), com o desdém de seus órgãos controladores, como a Procuradoria e a Defensoria do Povo”, denunciou à IPS o coordenador da organização humanitária Provea, Marino Alvarado.

Segundo testemunhas, investigações da imprensa e vídeos que circulam nas redes sociais, vários manifestantes morreram por disparos de policiais em roupas civis, de grupos violentos que interceptaram manifestações, ou por balas de chumbo supostamente lançadas por efetivos da militarizada Guarda Nacional Bolivariana.

Um dos últimos mortos, ontem pela manhã, foi Jimmy Vargas, de 34 anos, que caiu do segundo andar de um prédio atacado supostamente por efetivos da Guarda Nacional com balas de chumbo e bombas de gás lacrimogêneo em San Cristóbal, capital do Estado de Táchira, no sudoeste andino fronteiriço com a Colômbia.

No dia 23 morreu o engenheiro de sistemas Alejandro Márquez, vítima de um golpe desferido supostamente por guardas nacionais quando registrava com seu telefone celular incidentes junto a uma barricada em uma área central de Caracas. Entre os mortos também há vítimas de vandalismo de grupos de manifestantes. No dia 21, morreu o funcionário de um supermercado Elvis Durán, de 29 anos, quando voltava para casa dirigindo sua motocicleta e se chocou com um arame farpado colocado aparentemente por opositores na entrada da rua onde morava.

Em Valencia, cidade industrial a oeste de Caracas, foi denunciado que em um entre alguns jovens torturados, Juan Carrasco, introduziram o cano de um fuzil em seu reto. “Meu filho foi violado, humilhado pelos de uniforme verde. Destroçaram sua vida e a de outros rapazes”, lamentou sua mãe, Rebeca González de Carrasco. A jovem Geraldine Moreno Orozco morreu vítima de balas de chumbo disparadas à queima-roupa em seu rosto, depois de ter sido derrubada.

Em várias cidades houve denúncias de que foi jogada gasolina em jovens detidos, que ameaçados de serem queimados, ou que torturados com cassetetes elétricos. As denúncias também se referem a agentes de segurança lançando gás lacrimogêneo dentro de casas.

Os primeiros manifestantes abatidos, ao fim de uma marcha em Caracas no dia 12, caíram em um tiroteio no qual atuaram efetivos do Serviço Bolivariano de Inteligência (polícia política) que desobedeceram uma ordem de aquartelamento, segundo o presidente Nicolás Maduro. De acordo com o mandatário, 30 pessoas morreram porque as “guarimbas” (abrigos resultantes das barricadas) os impediam de receber atendimento médico.

Entidade de juristas, como o Fórum Penal Venezuelano e a Fundação para os Direitos e a Igualdade, recolhem denúncias para apresentar a instâncias internacionais. “Responsáveis do governo podem ser acusados por crimes de lesa humanidade”, explicou à IPS a advogada Elenis Rodríguez.

A onda de manifestações começou no dia 6 na capital de Táchira, com estudantes protestando contra a criminalidade, pois em sua universidade uma aluna quase foi violentada por assaltantes. O protesto foi dissolvido e deu origem a outro maior, contra a repressão, na qual alguns exaltados jogaram pedras contra a residência do governador da região, José Vielma, militar aposentado e integrante do governante Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Três jovens foram presos, processados e enviados para uma prisão na cidade de Coro. Então, os protestos estudantis se espalharam, como uma reação em cadeia, para outras cidades pedindo sua liberdade, e nos Andes foram acompanhados por milhares de moradores, em solidariedade.

No dia 12 deste mês, Dia da Juventude na Venezuela e data do bicentenário de uma batalha da guerra de independência, movimentos estudantis prepararam marchas em todo o país, e um setor crítico da coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática, encabeçado pelo dirigente Leopoldo López, pediu “a saída” de Maduro do governo.

Houve grandes mobilizações, encabeçadas por jovens e setores da classe média cuja causa, segundo coincidem analistas políticos, é o descontentamento pelas erráticas políticas do governo diante da escassez de produtos básicos, da inflação e do auge da criminalidade. Embora o grosso das demonstrações seja pacífico, algumas são acompanhadas de apedrejamento, improvisação de barricadas com lixo ao qual se coloca fogo em ruas e avenidas, e outros atos de vandalismo.

O governo determinou a prisão do dirigente opositor López, do pequeno partido de centro-direita Vontade Popular, acusando-o de instigar as desordens ao pedir “a saída”, mediante a ocupação das ruas, e este se entregou em meio a uma enorme concentração em Caracas. Para o Estado de Táchira foram enviados aviões de combate e helicópteros militares que sobrevoaram as manifestações de rua, bem como um batalhão de paraquedistas para limpar os acessos a San Cristóbal.

Um elemento novo foi o surgimento de “coletivos” armados, grupos irregulares que se deslocam principalmente em motocicletas e que agem tanto para enfrentar os manifestantes como para castigar residências em áreas opositoras de cidades como Caracas e Mérida, com disparos e destruindo veículos e janelas.

Para Alvarado, trata-se de “paramilitares de esquerda”, que se amparam no trabalho social em bairros de Caracas e outras cidades para exercer a violência em favor do governo. Maduro advertiu contra “a demonização dos coletivos”, aos quais elogiou em diversos atos. Nem todos os coletivos chavistas ou revolucionários, como são chamados os grupos oficialistas e seguidores do falecido presidente Hugo Chávez (1999-2013), estão armados e exercem a violência.

Luis Cedeño, da organização não governamental sobre segurança Paz Ativa, explicou à IPS que “grupos parapoliciais, que na ausência do Estado controlam certos espaços urbanos, se autodenominam coletivos e atuam como um braço armado do oficialismo para assim obter certa legitimidade e impunidade”. O desarmamento e a dissolução desses grupos se converteu em palavra de ordem da oposição.

Neste cenário, Alvarado criticou que “a Promotoria e a Defensoria, que deviam agir de ofício, fazem ouvidos de surdos, adiantando indevidamente opinião a favor do governo e culpando os dirigentes opositores, e também se calando diante da contaminação de provas efetuadas por responsáveis do Poder Executivo”.

Rodríguez e Alvarado lamentam que as forças de segurança e outros poderes públicos ignorem a Lei para Prevenir e Castigar a Tortura, aprovada por unanimidade pelo parlamento há menos de um ano. “Na Venezuela não se tortura”, insistiu Maduro em entrevista coletiva no dia 22.

Também o jornalismo recebeu golpes. Organizações jornalísticas denunciaram 62 agressões no contexto dos protestos deste mês. Inclusive foi suspenso o sinal do canal a cabo da emissora de televisão colombiana de notícias NTN24 e pende a ameaça de se fazer o mesmo com a CNN em espanhol.

Para Alvarado, o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela) e a União de Nações Sul-Americanas “podem contribuir com uma mediação, com base nas cláusulas em favor da democracia, dos direitos humanos e do diálogo político, incluídas nos textos que dão suporte à sua existência”.

*IPS de Caracas para Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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