Pesquisar
Pesquisar

"É uma ferida aberta que vai ficar para o resto da minha vida”, diz mãe de Marielle

"Minha filha hoje não é minha, é do mundo. O legado de Marielle transcende o Rio e o Brasil, está no mundo", diz Marinete da Silva
Jaqueline Deister
Brasil de Fato
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Dor, dúvidas e a certeza de que o legado deixado por Marielle Franco ultrapassou o território nacional. Após um ano dos assassinatos da defensora de direitos humanos e do motorista Anderson Gomes, o crime ainda continua sem respostas concretas.

Para a mãe de Marielle, Marinete da Silva, as investigações ainda não esclareceram o crime e as autoridades ainda devem respostas não só à família, mas a todo o Brasil. “Eu, como mãe, acho que tem um mentor para isso. Eles estavam pesquisando a nossa vida, pesquisaram a vida da minha filha já há um tempo. Não tem como ser um motivo aleatório”, disse em entrevista ao Brasil de Fato, durante ato político pela memória de Marielle, realizado no Armazém do Campo, no Rio de Janeiro, na última quarta-feira (13). 

Marinete conta que recebeu com alívio e dor a notícia de que os suspeitos de apertar o gatilho foram presos. “Imaginar que Marielle, como ativista, como uma mulher negra que defendia os direitos humanos há tanto tempo teve que pagar com própria vida o que ela defendia é muito triste. Porque era isso o que ela fazia, preservava a vida das pessoas e combatia todo tipo de violência”, desabafa. 

"Minha filha hoje não é minha, é do mundo. O legado de Marielle transcende o Rio e o Brasil, está no mundo", diz Marinete da Silva

Pablo Vergara
Marinete da Silva conversou com o Brasil de Fato durante ato político pela memória de Marielle realizado no Armazém do Campo, no Rio

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato: Na última terça-feira (12) a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro desencadearam a Operação Lume, que prendeu o ex-PM reformado Ronnie Lessa, acusado de efetuar os disparos contra Marielle e Anderson e o ex-PM Élcio Queiroz, por dirigir o carro de onde vieram dos tiros. Como a senhora recebeu a notícia de que os supostos executores foram presos?

Marinete Silva: Eu recebi com alívio e também com muita dor por se tratar de pessoas ligadas à segurança. É bem triste isso. Não teria nenhum motivo, Marielle não atuava em áreas que levassem esses homens a ter um comportamento como esse, já que eles ganhavam a vida matando as pessoas. Eu entendo que foi uma etapa que se chegou com avanço, mas as investigações precisam continuar para saber se tem alguém mais e eu acredito que tenha, porque aqueles homens sozinhos não fizeram isso. Eu, como mãe, acho que tem um mentor para isso. Eles estavam pesquisando a nossa vida, pesquisaram a vida da minha filha já há um tempo. Não tem como ser um motivo aleatório.

Para a senhora, o fato dos ex-PMs, apontados como assassinos de Marielle e Anderson, permanecerem no Rio de Janeiro por todo este tempo, mesmo após a repercussão internacional do crime, reforça a sensação de impunidade?

Não, porque como foi um crime muito emblemático não teria como pensar em tempo. Eu não tenho como achar que isso foi uma questão irresponsável que deixaram [Polícia Civil e Ministério Público] de fazer alguma coisa. Esse avanço que teve foi uma primeira etapa, mas não foi tudo. Em nenhum momento podemos designar um tempo para isso, por questões óbvias, porque envolve muita gente como organismos de cobrança à nível internacional. Não dá para se avaliar o tempo preciso. Claro que para mim, como mãe, dói muito mais e queria que essa solução tivesse sido antes. 

Qual a expectativa da senhora para a próxima fase da investigação? A senhora acredita que o atirador agiu apenas por repulsa às causas defendidas por Marielle?

A minha expectativa é que eles continuem presos, sejam julgados e condenados, sendo comprovado que foram eles. Imaginar que tiraram a vida do outro por defender uma causa que não condiz com você é mais difícil ainda. Imaginar que Marielle, como ativista, como uma mulher negra que defendia os direitos humanos há tanto tempo pagar com própria vida o que ela defendia, porque era isso o que ela fazia, preservava a vida das pessoas e combatia todo tipo de violência. É mais triste ainda e doloroso como mãe saber que alguém planejou a morte do seu filho desta maneira, por questionar tudo o que ela pregava, pelo trabalho de base que se fazia, de chegar naquele parlamento com muita força, clareza e propriedade, pois estava vindo de uma votação enorme, isso deu mais força para ela. Ao meu ver, como mãe, pessoa e cidadã, não teria motivo para o que fizeram. Nunca imaginei que mesmo com toda a violência, isso chegaria tão perto da gente, como o que fizeram com a minha filha.

A senhora acredita que esse crime de ódio, repulsa as causas que Marielle defendia foi um propulsor para o crime?

Acho que foi muito pouco pelo tamanho do que Marielle fazia. Eu não consigo me convencer disso. Acho que tem mais alguma coisa. Não sei até que ponto há um viés político, mas eu não acredito que a atuação de Marielle gerasse um ódio tão grande, porque é uma mulher que só defendia as pessoas e imaginar que o ódio leva a matar é desacreditar no ser humano. Não tem como eu achar que isso pode ser um ponto de partida para tirar a vida de qualquer pessoa, principalmente de uma ativista como foi a minha filha.

Para a senhora, enquanto mãe, qual foi o legado mais importante deixado por Marielle Franco?

O legado da Marielle vai muito além de uma ativista e de uma mulher que foi mãe muito cedo. Na verdade, o legado de Marielle é o que vemos hoje. Ela deixou muita esperança, sabedoria, semeou sempre o bem. É o legado de uma mulher que fazia política com afeto, por isso eu entendo o motivo de quererem silenciar a minha filha. 

Neste 14 de março, completa um ano do crime político que tirou a vida de Marielle e Anderson. Como tem sido esses 12 meses para a família?

São 12 meses de muita dor, muitas perguntas sem respostas, de ataque, de política de ódio que vem desde a eleição passada, de uma família que foi mutilada, sem razão. É superar a cada dia, principalmente em função da Luyara,  filha de Marielle que agora está com 20 anos. É se reestruturar como família porque é uma família pequena. Eu fiquei só com uma filha. É difícil falar sobre esta dor, é uma lacuna, uma ferida aberta que vai ficar para o resto da minha vida, até porque não é normal que as mães enterrem seus filhos. Não tem como mensurar o que é isso, só uma mãe que passa pelo processo sabe avaliar o que eu sinto hoje de um ano lutando e sobrevivendo a cada dia com a falta da minha filha em todos os sentidos: como mulher, como filha, como mãe e como uma mulher que movia as estruturas por onde ela passava, que queria mudar aquele parlamento. É isso que Marielle deixa, um conjunto de superação, de coisas boas que não tem como negar que eu preciso levar adiante. A minha filha hoje não é minha, é do mundo. O legado de Marielle transcende o Rio e o Brasil, está no mundo. 

Edição: Mariana Pitasse


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jaqueline Deister

LEIA tAMBÉM

Visita de Macron à Argentina é marcada por protestos contra ataques de Milei aos direitos humanos
Visita de Macron à Argentina é marcada por protestos contra ataques de Milei aos direitos humanos
Mês da Consciência Negra como conviver com o horror cotidiano
Mês da Consciência Negra: como conviver com o horror cotidiano?
Do Fórum Social Mundial ao G20 Social Lula reinventa participação popular global
Do Fórum Social Mundial ao G20 Social: Lula reinventa participação popular global
Plano dos Generais” Netanyahu agrava violência no norte de Gaza em resposta à volta de Trump
“Plano dos Generais”: Netanyahu agrava violência no norte de Gaza em resposta à volta de Trump