“Todo mundo tem medo de morrer, né?”. A resposta de José Amorim se contrapõe ao que se vê. O senhor de 72 anos passeia às 10h de terça-feira (12/5) na Estrada do Sabão, zona norte da cidade de São Paulo, com uma lata de cerveja na mão e máscara no rosto.
De tempos e tempos, ele tira a proteção para dar um gole na bebida. Ao recolocá-la, diminui o risco de se contaminar com o coronavírus, doença que já matou 123 pessoas na Brasilândia, segundo nota publicada no portal da prefeitura de São Paulo nesta segunda-feira (11/5).
João Leoci / Ponte Jornalismo
Moradora integrante do grupo de risco dá sinal para ônibus
“Todo mundo tem medo de morrer, né?”. A resposta de José Amorim se contrapõe ao que se vê. O senhor de 72 anos passeia às 10h de terça-feira (12/5) na Estrada do Sabão, zona norte da cidade de São Paulo, com uma lata de cerveja na mão e máscara no rosto.
De tempos e tempos, ele tira a proteção para dar um gole na bebida. Ao recolocá-la, diminui o risco de se contaminar com o coronavírus, doença que já matou 123 pessoas na Brasilândia, segundo nota publicada no portal da prefeitura de São Paulo nesta segunda-feira (11/5).
No dia 18 de abril, a Brasilândia já liderava em números absolutos de mortes suspeitas ou confirmadas da doença com 53 casos. Uma semana antes, no dia 11, o total era de 33 casos, aumento de 66%. A Ponte solicitou os números desta terça-feira atualizados, mas, até a publicação, não houve retorno.
Seu José morou a vida toda na região. Conta que, “graças a Deus”, ninguém da sua família pegou a doença. No entanto, se mostra contrário ao isolamento completo das pessoas. “Não podemos parar, senão todo mundo morre de fome”, diz o aposentado.
Há 400 metros de onde ele parou para conversar com a reportagem há pessoas lutando pela vida. Nesta segunda-feira, a Prefeitura de São Paulo abriu 20 leitos para tratamento de casos graves da Covid-19 no Hospital Municipal da Brasilândia. Ainda não há número oficial de internados.
O prédio ainda está em obras. Enquanto a fachada tem fios soltos na guarita, a entrada de serviço ainda tem chão feito de terra e entrada e saída de caminhões.
Havia ao menos 30 funcionários trabalhando na conclusão do hospital na manhã desta terça-feira. Era possível ouvir o som dos trabalhos no ponto de ônibus que fica no lado oposto da Avenida Michihisa Murata, onde fica a unidade.
No entorno, movimentação nas ruas e alguns comércios abertos. Ao menos dois salões de cabeleireiros, incluídos como serviço essencial pelo presidente Jair Bolsonaro, funcionavam.
Um deles é o de Jaimilton da Silva Rosena, 54 anos, que depois de 14 dias parado, reabriu o espaço para atender. “Tenho que pagar o aluguel do salão e de casa. Perdi 60% da renda nesses dias”, detalha.
Até o meio-dia já tinha atendido quatro clientes. O barbeiro faz o trabalho de máscara e usa álcool em gel como proteção. “Tem que ser assim, lavar tudo, estar protegido”, aponta.
Ainda na Estrada do Sabão, duas quadras adiante, Jaimo Muniz da Silva aguardava clientes em seu comércio. Ele não fechou as portas, mesmo com o decreto do governador João Doria (PSDB).
“Se depender deles… Tenho que abrir. Como vou comprar comida?”, procura justificar. Ele mora com a mulher e duas filhas. Uma faz faculdade, a outra, ensino fundamental. Nenhuma pegou o vírus.
Simone Gonçalves, 67 anos, fazia marmitas em seu comércio metros antes. Manteve a renda, apesar da pandemia. “Não diminuiu nem aumentou, sigo vendendo o mesmo”, diz.
Nascida e criada na Brasilândia, conta também não ter tido ninguém da família ou amigos contaminados. “Ainda bem”, diz, aliviada. Ao seu lado está Sidney Francisco, 70 anos. Ambos são do grupo de risco por serem idosos.
Sidney segue a linha de raciocínio de José Amorim: de máscara, toma uma bebida destilada pela manhã. “Já vivi muito bem minha vida”, afirma, ao ser perguntado se teme o vírus.
Um grupo de cinco pessoas permanecia em um bar na avenida Elísio Teixeira Leite. Dois deles, os pedreiros Crispiniano Paixão dos Santos, 39 anos, e Thiago de Oliveira, 33, lamentavam a falta de serviços.
Crispiniano sustenta quatro filhos, a companheira e a sogra. Havia acabado de voltar do Limão, bairro vizinho, onde fez um orçamento. Não sabe se a saída renderá trabalho e dinheiro.
Sem renda garantida, só o emprego da mulher tem sustentado sete que vivem na casa. “Comida é o importante”.
Thiago tem conseguido trabalhar um dia sim, outro não. Na semana, sai três vezes, o que garante a comida e as contas dele e da mãe. “A gente tem conseguido viver”, diz.
O dono do bar, Inácio Paulo, está ali a contragosto. Aos 88 anos, levou bronca da esposa, de 72, por abrir o bar em meio à pandemia. Afinal, ambos são grupo de risco.
O senhor, que não quis ser fotografado, explica: “Pago aluguel do bar e de casa. Meu enteado trabalha, mas recebe pouco, mal dá para ele. Ou é isso ou fico sem comer”, queixa-se. Naquele momento, próximo do meio-dia, havia seis pessoas na porta do bar.
Antes, no meio da manhã, o vendedor ambulante Adilson Cândido terminava de preparar a sua banquinha. Na esquina da Estrada do Sabão com a avenida Michihisa Murata, vende café, bolo e salgado para quem passa.
O isolamento fez a renda cair, porque seu outro negócio é um buffet. “Não tem festa, como vai fazer?”, lamenta. Sua esposa conseguiu receber os R$ 600 do auxílio emergencial dado pelo governo. Ele não teve acesso ao benefício.
“Meu pedido está em análise até agora”, detalha, antes de atender um cliente. Vende um café, oferece um bolo, mas ele fica só na bebida. “Não tenho do que reclamar. Diferente de muita gente, tenho conseguido me virar”, diz Adilson, pai de duas garotas de 7 e 9 anos.
A Ponte solicitou à Prefeitura de São Paulo e à Secretaria Municipal de Saúde dados atualizados de mortos por Covid-19 na Brasilândia e nos demais bairros da cidade. Não obtivemos resposta até a publicação.
Para a pasta, a reportagem também questionou a quantidade de pessoas já atendidas no Hospital da Brasilândia e sobre as obras ainda em execução. A secretaria não respondeu até a publicação desta reportagem.
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