As palavras de Pedro Sánchez qualificando de “bem resolvida” a operação policial, cujo saldo foi pelo menos 37 migrantes mortos, despertaram uma onda de indignação em partidos de esquerda, ONGs e organizações sociais.
Neste 27 de junho, sete partidos políticos —EH Bildu, ERC, Junts, Más País, CUP, BNG e Compromís—apresentaram ao Congresso uma petição conjunta para exigir os “comparecimentos urgentes” de Pedro Sánchez e Grande-Marlaska pelos fatos ocorridos em Melilla. Estes sete partidos apontam os dois políticos como “responsáveis” pelo massacre e afirmam que as mortes são “consequência das políticas migratórias da União Europeia e do novo acordo” entre o Governo Espanhol e o Governo do Marrocos. Os partidos também condenaram as palavras de Sánchez quando disse que “cerrava fileiras” com as forças marroquinas por sua atuação na jornada de 24 de junho.
“Quão miserável é falar de boa atuação quando nas imagens vê-se o horror de um massacre. Nossas vidas importam e estão acima dos interesses políticos”, dizia o deputado da Assembleia de Madri por Unidas Podemos, Serigne Mbaye. “‘Bem resolvido’. O que se transformou em uma matança com dezenas de mortos na vala de Melilla não recebeu esta qualificação de um líder da ultradireita. Foi Pedro Sánchez. Que infâmia. Que grandíssima vergonha”, acusava o porta-voz da associação de consumidores Facua, Rubén Sánchez.
A Ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, expressou nas redes uma visão semelhante à do presidente, mas com palavras mais suaves: “Muito impactada com as imagens da fronteira de Melilla. Minhas condolências aos seres queridos de todas as pessoas que perderam injustamente a vida. Cabe esclarecer já o sucedido. Apostarei sempre em uma política migratória que respeite os direitos humanos. Ninguém deve morrer assim”. A ministra de Direitos Sociais, Ione Belarra, expressou-se em termos similares, sem entrar em confronto com o Governo. Confessou-se “comovida” e enviou suas “condolências às famílias dos mortos”. Assim como Díaz, defendeu uma política de migração baseada nos direitos humanos.
“Quão miserável é falar de boa atuação quando nas imagens vê-se o horror de um massacre. Nossas vidas importam e estão acima dos interesses políticos”, dizia o deputado da Assembleia de Madri por Unidas Podemos, Serigne Mbaye
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A Rede de Migrações de Esquerda Unida exige uma “investigação no nível máximo” em ambos os países para “esclarecer o ocorrido e evitar que possam repetir-se situações de tão extrema gravidade”. A federação mostrou em um comunicado seu “profundo repúdio e indignação” com as declarações de Pedro Sánchez felicitando “reiteradamente a polícia marroquina por ‘empenhar-se a fundo’ em sua ação”. Segundo a IU, “felicitar uma atuação repressiva com estas características, que teve como resultado a perda de dezenas de vidas humanas, é o contrário do que se espera do presidente de um país democrático”. O líder de Más País, Íñigo Errejón, perguntava-se se “isto é o que se comprou com o abandono do povo saharaui”.
O centro de direitos humanos Iridia aprofunda nas violações dos direitos humanos e nas vulnerabilizações legais cometidas nos sucessos de 24 de junho. Os vídeos do dia mostram dezenas de devoluções no calor do momento “sem respeito às garantias que impõe a jurisprudência do Tribunal Constitucional”. Os relatos falam inclusive de efetivos marroquinos entrando no território de Melilla para reprimir e levar migrantes que tinham conseguido cruzar a vala. “Por que se permitiu que agentes marroquinos utilizassem a força para agredir pessoas que se encontravam ao lado da vala, no lado espanhol?”, pergunta-se esta organização. Que gases e armas foram utilizados? Quantas pessoas foram devolvidas naquele momento? Estas são algumas das perguntas que tornam “necessária uma investigação rigorosa e exaustiva da operação policial dos dois lados da vala”, afirma Iridia.
Hola @interiorgob @DelegGobMl
Algunas preguntas por responder de la #MasacreEnMelilla en relación con el operativo de @guardiacivil y @policia
1.¿Cuántas personas fueron devueltas en caliente (sin respetar las garantías que impone la jurisprudencia del Tribunal Constitucional)? pic.twitter.com/lGH6NygHZ2— IRIDIA (@centre_IRIDIA) June 26, 2022
Ecologistas em Ação mostram sua repulsa frente à reação do Governo espanhol e do presidente Sánchez, “que justificou os assassinatos, felicitou aqueles que os praticaram e se nega a fazer uma investigação para esclarecer as circunstâncias que levaram a isso e depurar responsabilidades, o que deveria ser o primeiro passo a dar”. Para esta organização ecologista, isto é só o princípio: a seca, a inflação, a crise alimentar e o aumento do preço dos alimentos só podem aumentar a pressão migratória. “Quantas pessoas mais vão tentar iniciar a rota do Mediterrâneo oeste para chegar à vala de Melilla em sua tentativa de alcançar a Europa quando não haja grãos em seus países dentro de uns poucos meses?”, pergunta-se a organização ecologista.
O massacre de Melilla é para Ecologistas em Ação um exemplo das novas relações entre Espanha e Marrocos e “põe em questão a posição espanhola na cúpula da OTAN no que diz respeito ao pedido de reforço da segurança no flanco sul europeu”. Estes fatos fazem parte da política migratória da UE que busca uma crescente militarização das fronteiras e acordos com seus países limítrofes “sabendo que implicam violações de direitos humanos”, continuam. “Opor aos deslocamentos forçados de pessoas o poder da violência como política de segurança e dar solução militar a problemas sociais não é admissível, nem humano”, finalizam.
Álvaro Minguito – El Salto
Segundo CEAR, houve um “uso indiscriminado da violência” para gerir as migrações e controlar as fronteiras
Em suas declarações, o presidente espanhol estendeu sua solidariedade à polícia marroquina que “trabalhou coordenadamente com as forças de segurança do Estado para deter este assalto” a Melilla
Do outro lado da fronteira, a organização de direitos humanos AMDH Nador denunciava: os migrantes assassinados estavam sendo enterrados em fossas comuns no cemitério de Sidi Salem sem investigação, sem identificação e sem autópsia. “As autoridades buscam ocultar o desastre. Um verdadeiro escândalo”, denuncia.
Em suas declarações, o presidente espanhol estendeu sua solidariedade à polícia marroquina que “trabalhou coordenadamente com as forças de segurança do Estado para reter este assalto” a Melilla, um ataque “violento e organizado por parte de máfias que traficam com seres humanos a uma cidade que é território espanhol”. Para Pedro Sánchez, foi um “ataque à integridade territorial de nosso país”.
Segundo CEAR, houve um “uso indiscriminado da violência” para gerir as migrações e controlar as fronteiras, evitando que cheguem ao território espanhol pessoas que “poderiam ser susceptíveis de proteção internacional”. Como denunciam, entre as pessoas que tentaram cruzar a vala de Melilla muitas procedem do Sudão, um país que sofre um conflito armado, que foram “impedidas de acessar de forma legal e segura” o escritório de Melilla para solicitar asilo. “Este é o custo da externalização de fronteiras e de por em mãos de um país que não respeita os direitos humanos como o Marrocos a responsabilidade de controlá-las”, afirmam. “Lamentavelmente, não é nem a primeira vez, nem será a última, enquanto continuem com estas políticas migratórias desumanas. Hoje recordamos com dor as vítimas de Tarajal e de outras tentativas de entrada que acabaram com mortes evitáveis nas fronteiras”, conclui Estrella Galán, diretora geral do CEAR.
Muito mais tíbia é a posição da organização das Nações Unidas para as pessoas refugiadas (Acnur) e da Organização Internacional para as Migrações (OIM), que “pedem às autoridades para priorizar a segurança dos migrantes e refugiados, abster-se do uso excessivo da força e defender seus direitos humanos”. Ao mesmo tempo, estas duas organizações internacionais exigem que seja reforçado o acesso a vias alternativas seguras “para evitar que refugiados e migrantes tenham que recorrer a rotas perigosas reduzindo o risco de que estes trágicos sucessos se repitam no futuro”.
Redação El Salto
Tradução de Ana Corbisier
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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