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Diretrizes voluntárias para posse da terra na AL

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Directrices sobre la tierra dan primeros pasos en América LatinaUma reunião para discutir a restituição de terras na Colômbia aos camponeses vítimas de seu despojo durante o longo conflito armado, uma realidade que as diretrizes voluntárias sobre a governança da posse da terra podem contribuir para solucionar.

Os mapuches Luis Aillapán e sua mulher, Catalina Marileo, foram condenados por uma lei antiterrorista por reclamarem a construção de um caminho em meio às suas terras, o que desrespeita seus direitos de posse.
Marianela Jarroud*

Para enfrentar a crescente concentração da propriedade da terra, a comunidade internacional impulsionou as diretrizes voluntárias sobre a posse da terra, que começou sua marcha na América Latina, região líder no combate à fome e que transita para a plena segurança alimentar. As diretrizes são “um documento absolutamente político, que ajuda a emparelhar o campo”, impulsionando o diálogo e a negociação, explicou Sergio Gómez, consultor do escritório regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), com sede na capital chilena.

A dinâmica que do mercado de terras e os processos de concentração e estrangeirização “levavam a uma questão incontrolável e a FAO a abordou, porque, se isso não se enquadrar nos limites razoáveis, a segurança alimentar estará em xeque”, afirmou Gómez à IPS. As diretrizes voluntárias sobre a governança responsável da posse da terra, a pesca e as florestas, no contexto da segurança alimentar nacional, portanto,“não se entenderiam sem os níveis de monopólio existentes”, acrescentou.
Um estudo realizado pela FAO em 17 países da região mostra que os níveis de monopólio da terra e dos recursos aumentaram notavelmente em relação ao século passado. Argentina e Brasil sofrem a dimensão maior da concentração e estrangeirização na região, seguidos por México, Chile, Colômbia, Nicarágua, República Dominicana e Uruguai. Bolívia, Equador, Paraguai e Peru apresentam níveis médios altos, enquanto os países da América Central e do Caribe de língua inglesa registram níveis baixos.
“A realidade da posse hoje em dia não tem precedentes na história, porque ocorre em uma conjuntura muito especial, onde se junta uma crise alimentar que pressiona brutalmente sobre os recursos, uma crise energética e uma financeira. Tudo isso leva a uma pressão sem precedentes sobre a questão da terra”, ressaltou Gómez.
Nesse novo contexto, as diretrizes, aprovadas em 2012 pelo intergovernamental Comitê de Segurança Alimentar Mundial, têm como propósito servir como referência e proporcionar orientação para melhorar a governança da posse da terra, da pesca e das florestas.Segundo Gómez, “as diretrizes são um instrumento de negociação que não tem receitas, mas que, diante de uma quantidade enorme de situações, possibilita que os grupos afetados se sentem e dialoguem para buscar acordos”.
O documento estabelece regras que os atores devem aceitar antes de iniciarem o diálogo, “que são obrigatórias e deveriam orientar esse tipo de discussão”. Trata-se de dez princípios de aplicação, que vão desde o respeito pela dignidade humana e às leis vigentes até a igualdade de gênero e a transparência, entre outros.Na América Latina e no Caribe, todos os países assinaram o acordo, e, embora não seja vinculante, “se entende que existe uma disposição”para acatá-lo, pontuou Gómez.
Mas a caminhada na região ainda é incipiente, e até agora há experiências concretas em três países: Guatemala, Colômbia e Chile, que por sua vez representam diferentes formas de abordagem.A experiência na Guatemala surgiu a partir de um pedido do governo, que em 2013 solicitou à FAO o acompanhamento e a assistência técnica para o fortalecimento da institucionalidade agrária. Ali se realizou “o mais significativo do que fazemos na região”, afirmou o especialista da FAO.
Nesse país centro-americano de 15,8 milhões de habitantes, dos quais 53,71% se situam abaixo da linha de pobreza e 42% pertencem aos povos indígenas, o tema da terra é conflituoso e desigual.A pobreza se concentra em 75% na área rural e seis em cada dez pessoas nessas condições vivem em estado de indigência. Além disso, dos pequenos produtores, 92% ocupam 22% da terra, enquanto 2% dos produtores comerciais representam 57%.
Os avanços foram concretos e permitiram que 80% dos elementos abordados no diálogo fossem incorporados ao plano nacional de Política Agrária, estabelecido em 2014. Entretanto, a crise política de 2015 provocou uma paralisação do processo, que a FAO espera reverter.Na Colômbia, porém, o foco principal do conflito armado que vive o país é constituído pela questão da terra e, portanto, sua solução é fundamental para garantir a paz, a reparação das vítimas e para dar cumprimento aos acordos alcançados na matéria no dia 15 de dezembro, em Havana.
Calcula-se que nesse país 6,6 milhões de hectares foram despojados pela violência nas últimas duas décadas, equivalente a 15% da superfície agropecuária do país, com 48 milhões de pessoas. Atualmente, 77% da terra está em mãos de 13% de proprietários, mas 3,6% destes possuem 30% da terra.
“Na Colômbia, o tema da terra é um tema quente e crucial no acordo de paz”, que o governo e a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) negociam na capital cubana, apontou Gómez. As autoridades “criaram algumas leis para restituir terras às pessoas das quais foram tiradas à força, que são dezenas de milhares, mas agora estamos entrando em outra etapa, a partir de um projeto de cooperação com a União Europeia, como parte do processo de paz”, acrescentou.
No caminho para a implantação das diretrizes, as ações adiantadas pela FAO consideraram painéis regionais e a interlocução com os atores locais.Para a dirigente camponesa Nury Martínez, da Federação Nacional Sindical Unitária Agropecuária (Fensuagro) – cujo movimento acompanhou com aportes o processo até as diretrizes, iniciado em 2002 –, alguns pontos incluídos nas diretrizes “são muito importantes para nós como camponesas e camponeses”, e por isso são valorizados como uma “ferramenta de luta”.
Mas, para manejar uma ferramenta, é preciso conhecê-la. Por isso a continental Aliança pela Soberania Alimentar criou o Manual Popular sobre as Diretrizes, que permite “entendê-las melhor e que camponeses, camponesas e indígenas se apropriem delas”, destacouMartínez, também líder regional da internacional Via Camponesa.
Já no Chile, a FAO trabalhou na região de La Araucanía, onde se concentra o chamado “conflito mapuche”. Nesse país de 17,2 milhões de habitantes, as empresas florestais possuem 2,8 milhões de hectares de terras e duas empresas concentram 1,8 milhão de hectares. José Aylwin, codiretor do não governamental Observatório Cidadão, afirmou à IPS que no Chile “não há outro caso, salvo os projetos de conservação privada, de tanta concentração da terra em poucas mãos”.
Aylwin acrescentou que o contexto do conflito nessa área “é o de um povo que vivia e tinha a propriedade dessas terras e dos recursos naturais e um Estado e privados que se estabeleceram posteriormente e que despojaram os mapuches de parte importante de seu território.Apesar da polarização dos grupos na região, a FAO conseguiu reunir, em maio de 2015, 67 pessoas, incluídos dirigentes mapuches e empresariais.
Aylwin explicou que naquela oportunidade se evidenciou “a atualidade que adquirem as diretrizes” diante dos conflitos gerados pela concentração da propriedade por empresas florestais. “A situação de conflito em La Araucanía não serve a ninguém, por isso é necessário reverter essa situação e as diretrizes estabelecem orientações que são fundamentais”, assegurou.
Apesar das dificuldades, Gómez prevê muitos casos mais de aplicação das diretrizes na região. “Acredito que terão uma vigência de longo prazo. Por isso, embora possa haver angústia por não se avançar mais rápido, teremos diretrizes para várias décadas”, concluiu. Envolverde/IPS
*IPS de Santiago do Chile, especial para Diálogos do Sul – Com a colaboração de Constanza Vieira, de Bogotá – Editado por Estrella Gutiérrez
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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