As comédias costumam ter finais hilariantes. A que finalizou no último dia 15 na Guatemala, em troca, é o epílogo de um dos períodos presidenciais mais catastróficos nesse país e provoca um sentimento de amargura e decepção. Encerra-se um período durante o qual se consolidaram as organizações narco-criminosas, e cortou-se o melhor e maior esforço para erradicar a corrupção no seio das instituições com o fechamento da Comissão das Nações Unidas contra a Impunidade na Guatemala (Cicig), fortaleceram-se os pactos sinistros entre o setor privado, o exército e os mandos políticos e aprofundou-se a brecha entre ricos e pobres, cobrando-se muitas vidas humanas de líderes comunitários e ambientalistas e condenando a infância a uma desapiedada vida de miséria.
Todas as instituições – incluindo as de maior credibilidade, como o Tribunal Supremo Eleitoral, TSE – foram sistematicamente permeadas por efeitos do clientelismo, pelas pressões políticas e por um conflito de interesses capazes de danificar a própria essência de sua natureza, ao extremo de haver perdido a confiança da cidadania e criado um ambiente de incerteza sobre o futuro do sistema democrático. A isso somou-se a preeminência de interesses particulares no trabalho legislativo de uma das assembleias mais questionadas das últimas décadas e a obscura ingerência do exército nas decisões do Executivo.
Aliança de Fundos de Águas da América Latina
Cidade da Guatemala
O que vem não parece se diferenciar do que vai, em termos de respeito pelos direitos humanos e uma visão de nação. Pelo contrário, o novo discurso se assemelha demasiado à dura marca das ditaduras militares de tempos passados, com um autoritarismo divorciado do marco democrático e a promessa de mais repressão a partir das instituições armadas. A isso se acrescenta uma atitude messiânica do novo mandatário, que apesar de haver alcançado a meta de eleger-se depois de várias tentativas, conseguiu seu objetivo em um processo duvidoso e opaco, o que resta solidez ao seu futuro desempenho.
Mesmo nessas condições, a cidadania espera algo melhor para os próximos quatro anos porque a administração que abandona o palácio de governo deixou um sentimento de frustração sem precedentes, ao ter derrubado alguns dos modestos avanços conseguidos nas distintas dependências do estado e ter-se erigido como o maior dos obstáculos contra o desenvolvimento do país. O mais inepto dos presidentes se destacou ao destruir a integridade de sua investidura submetendo-se sem vacilações a pactos nefastos – locais e internacionais – cujo propósito é regressar o país aos tempos do humilhante colonialismo do qual começa a ressurgir.
Não é possível terminar o “panegírico” sem mencionar as meninas do Lar Seguro Virgem da Assunção assassinadas por este governo que termina. Esse episódio sinistro tirou definitivamente a máscara daqueles que detêm o poder e evidenciou que a vida humana – para políticos, empresários e juízes – é descartável quando vem dos estratos onde não existe nem sequer sombra de justiça. O retrocesso marcado pelo governo que agora sai não poderá remontar-se nos próximos quatro anos, a menos que o novo governo comece por reparar as fissuras que põem em perigo todo o sistema democrático, algo que não se percebe no novo discurso e se reafirma no modo de celebrar a transmissão de mando proibindo a presença da imprensa, como se fosse um evento privado, longe do olhar dos verdadeiros donos da festa. Se assim sucede, fica claro que governar não é mais nem menos que um negócio sumamente produtivo.
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