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“Ditador”: Em entrevista, Dora Maria Tellez denuncia repressão de Ortega com intuito da cancelar eleições da Nicarágua

Pouco antes de ser presa pela polícia nicaraguense, a ex-guerrilheira da revolução Sandinista, Dora María Téllez falou com o La Jornada
J. Jaime Hernández
La Jornada

Tradução:

Pouco antes de ser presa pela polícia nicaraguense, a ex-guerrilheira e heroína da revolução Sandinista, Dora María Téllez – também conhecida como a “Comandante 2”–, falou com La Jornada para pedir ao governo de Andrés Manuel López Obrador seu apoio “a favor do povo nicaraguense, de eleições limpas, transparentes e competitivas na Nicarágua e a favor da libertação presos políticos  começando pelos pré-candidatos que estão detidos. 

“Eu espero que o México assuma uma posição contundente e direta contra a ditadura dos Ortega-Murillo nessa etapa de queda de máscaras como disse o presidente Andrés Manuel López Obrador”, apontou em entrevista e em alusão à reunião do Conselho Permanente da OEA que se reunirá no dia 15 de junho. 

“Porque se hoje alguém vem e me diz que a Nicarágua é um governo de esquerda, e que não temos que criticá-lo, então a que conclusão vamos chegar: que a esquerda tem que ter as mãos livres para assassinar? 

Pouco antes de ser presa pela polícia nicaraguense, a ex-guerrilheira da revolução Sandinista, Dora María Téllez falou com o La Jornada

Reprodução: Winkiemedia
a ex-guerrilheira e heroína da revolução Sandinista, Dora María Téllez.

“Isso não é esquerda, isso é uma forma de estalinismo” 

A mulher que, com apenas 22 anos, participou no comando no assalto ao Palácio de Manágua, para acelerar a queda da ditadura de Anastasio Somoza, se enfrenta hoje a um regime que têm empreendido a caçada de líderes opositores, jornalistas, empresários e religiosos para se manter no poder após as eleições do próximo 7 de novembro. 

“Ortega enlouqueceu em uma campanha de caça e repressão com o intuito da cancelar as eleições gerais que deveriam ser celebradas no próximo 7 de novembro”, agregou essa mulher que, aos 66 anos, foi detida em sua chácara localizada nas proximidades de Manágua.

La Jornada: Se pudesse definir Daniel Ortega, hoje, como o faria? 

Dora Maria Tellez: “Ditador…”

Simplesmente assim? 

“Bem, com tudo o que isso implica. Personagens sem escrúpulos que podem chegar a qualquer extremo. Desde reprimir a assassinar milhares de pessoas. É a característica de toda ditadura e a de Daniel Ortega a tem, sem dúvida algumas”.

Eu gostaria de perguntar: como se sente sob as atuais circunstâncias de perseguição e repressão? 

“Nós, desde 1995, vínhamos advertindo que Ortega estava dando todos os passos, primeiro para entronizar-se na Frente Sandinista e depois, desde 2007, para entronizar-se no poder e não o abandonar nunca. 

“Eu francamente não me sinto traída por Ortega. Porque eu não lutei, nem me meti na Frente Sandinista por Ortega. Eu entrei na luta contra a ditadura dos Somoza e por algumas mudanças revolucionárias na Nicarágua. 

“Ortega não apenas traiu a Frente Sandinista. A destruiu completamente. Precisamente por exercer uma ditadura a sangue a fogo contra o povo nicaraguense”

Faltam só cinco meses para as eleições gerais e o Senhor Ortega já se encarregou de aplainar o caminho para sua reeleição. Em que consistiu essa operação? 

“Bem, há uma semana eu advertia de uma fraude em câmara lenta que Daniel Ortega vinha executando há mais de um ano. Essa fraude consistia em ir enfraquecendo a oposição, tirando-lhe capacidades, eliminando suas vias de financiamento, entorpecendo suas reuniões, um assédio constante sobre os líderes, ameaças aos jornalistas e médios de comunicação. 

“O passo seguinte foi eliminar partidos políticos, entre eles, a Coalisão Nacional que podia aglutinar as forças principais da oposição. E agora isto se acelerou. Daniel Ortega já chegou à conclusão de que não podia seguir executando essa fraude em câmara lenta e, pois isso, enveredou pelo caminho mais radical. 

“Prendeu os pré-candidatos mais importantes da oposição e aposta pelo cancelamento das eleições. Ortega já não quer que haja eleições livres na Nicarágua. Só isso explica sua decisão de capturar ou pressionar a liderança política, econômica e social deste país. 

“Por isso também já começou a ameaçar os bispos e sacerdotes da Igreja Católica e à classe empresarial. Mais de 30 jornalistas foram citados pelo Ministério Público para ameaçá-los com a lei de cyber delitos e agora todos os dias desfilam por aí para ameaçá-los com a lei de traição à pátria. Com o intuito de cancelar as eleições gerais que deveriam ser celebradas no próximo 7 de novembro”.

Durante 2018 Ortega demonstrou que é capaz de sufocar a sangue a fogo toda tentativa de oposições ao seu governo. A pergunta é se, por acaso, estamos nos prolegômenos de uma nova guerra civil? 

“Eu diria que a nossa opção, e a de praticamente a imensa maioria dos cidadãos na Nicarágua é enfrentar a ditadura dos Ortega-Murillo mediante a luta cívica. Temos que terminar com o ciclo de guerras civis e ditaduras. Não podemos permitir que esse ciclo continue à custa de uma geração de jovens. Nós pagamos um altíssimo preço e sabemos como é duro. 

“Por isso respaldamos a posição da maioria dos jovens que apostam por uma luta cívica…”

Mas há quem diga que essa luta cívica não está dando resultados…

“Claro que tem dado resultados. E a prova disso é que Daniel Ortega tirou a máscara e se apresentou como ditador. Porque, até agora, Ortega manteve uma forma de ditadura suave, como um regime autoritário sem demasiados adjetivos. E isso lhe teria permitido realizar uma fraude elegante em novembro. Sofreria algumas críticas, nada mais que isso.

“Mas hoje, a estas alturas, Ortega decidiu optar pelo pior dos caminhos; para ele e para todo o país. Justamente porque a resistência popular é muito alta. Porque ele sabia que a imensa maioria dos nicaraguenses íamos votar contra a sua ditadura. Por isso já não pode se dar ao luxo de manobrar uma fraude elegante. 

“Então, foi a resistência cívica que levou Daniel Ortega até esta situação de crise. E, além disso, ele ficou isolado no nível nacional e internacional. Por isso, só se pode manter pela força. Não recuperou hegemonia política. Não recuperou alianças e perdeu uma parte importante de sua base social; 

“Um dos grandes problemas da ditadura Ortega-Murillo é que atualmente a base tradicional da Frente Sandinista, aproximadamente um terço, os abandonou porque sentem que a ditadura familiar dos Ortega-Murillo os afeta em seus princípios e em seus interesses”.

Como diria o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, nesta conjuntura é necessário tirar as máscaras…

“Assim é. E nós esperamos que esse descaramento completo da ditadura Ortega-Murillo possa contribuir para que a posição dos países da América Latina e do Continente americano, na próxima reunião do conselho permanente da OEA, seja de caráter contundente. 

“Eu espero que o México assuma uma posição contundente e direta contra a ditadura dos Ortega-Murillo nessa etapa de queda de máscaras. Esta reunião vai ser celebrada no próximo dia 15 e tenho muita esperança de que o governo mexicano se pronuncie a favor do povo nicaraguense, a favor de eleições limpas, transparentes e competitivas na Nicarágua e a favor da libertação de todos os presos políticos, começando pelos pré-candidatos que estão detidos”.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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