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Toggle“Há que se comemorar, mas não há muito o que comemorar” em mais um 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres. Por um lado, elas celebram a vitória eleitoral do campo democrático e popular, representada na figura do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Evento que vem depois de, especialmente nos últimos oito anos, as mulheres protagonizarem mobilizações de massa nas ruas de todo o país, ao lado de movimentos negros, indígenas, LGBTQIAP+, sindicais e sociais no enfrentamento à ofensiva totalitária. Por outro, há também muito a lamentar, considerando os retrocessos em direitos de gênero que haviam sido conquistados.
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Os dados, de fato, confirmam o pior: no Brasil, uma mulher é vítima de violência a cada quatro horas, de acordo com levantamento da Rede Observatórios de Segurança. No terceiro trimestre do ano passado, elas também representavam 44% da força de trabalho, segundo boletim do Dieese, com base em dados do IBGE. Mas eram 55,5% da população desempregada do país.
São famílias chefiadas por mulheres que respondem por 60% do déficit habitacional brasileiro que, em 2019, era de quase 5,9 milhões de casas, conforme cálculos da Fundação João Pinheiro (FJP). Ainda citando apenas dados econômicos, quase 80% das brasileiras estão endividadas, revela a Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Não à toa, a psicóloga e ativista da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) Isabel Luiza Piragibe avalia que “o contexto deste 8 de Março continua sendo a luta pela democracia”, resume. Prestes a completar 74 anos neste mês, o da mulher, Isabel integra uma geração que sabe que o passado pode ser “teimoso”, se não for reparado.
Ela passou parte da adolescência até as primeiras três décadas da vida adulta sob o regime da ditadura civil-militar (1964-1985). “Ali eu lembro da ditadura, o capitalismo e o patriarcado se imbricando para caber direitinho nesses retrocessos e na servidão da mulher”, comenta.
PNUD Brasil/Flickr
Marcha das Mulheres Negras contra o racismo, a violência e pelo bem viver, 2015
Marcha das Margaridas
Sem a devida justiça de transição, Isabel afirma ter revivido um dos capítulos mais “vergonhosos” da história brasileira quando a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) passou a responder por um processo de impeachment, em 2 de dezembro de 2015. O procedimento foi autorizado pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB), em vingança à recusa do PT de compactuar com irregularidades de sua gestão.
“A Dilma não conseguia governar por conta daquele Congresso. E eu lembro que a mulherada se uniu e fomos para as ruas lutar pelo ‘Fica Dilma’ e o ‘Fora Cunha’”, recorda Isabel. A lembrança de 2015 ainda é fresca também na memória da secretária de Mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Mazé Morais, coordenadora geral da Marcha das Margaridas.
Fim da opressão às mulheres começa pela construção de uma sociedade socialista
Acostumadas desde 2000 a ocupar a frente do Congresso Nacional em homenagem à sindicalista rural Margarida Maria Alves, assassinada em agosto de 1983, – a mando de latifundiários de Alagoa Grande, na Paraíba –, camponesas, ribeirinhas, quilombolas, agricultoras e marisqueiras somaram 100 mil, na mobilização de agosto daquele ano, para a defesa de um “desenvolvimento sustentável com autonomia, igualdade e liberdade”.
“Fora Cunha”, Mulheres Negras e direitos
Dali saiu pela primeira vez o grito por “Fora Cunha”. De acordo com Mazé, a figura do ex-presidente da Câmara “representava o início dessa onda conservadora, que se instalou nos últimos anos”. Cunha antecipava o “embate dos evangélicos, conservadores e extremistas contra toda a população pobre, LGBTQIA+, mulheres. Enfim, era o início desse embate contra uma visão de mundo que a gente estava pleiteando e de certa forma implantando no país. Estávamos conseguindo grandes conquistas”, observa a secretária.
“Lembro de um momento muito simbólico em que viramos as costas para o Congresso Nacional com o grito ‘Fora Cunha’, ‘não vai ter golpe’”. O grito ecoou pelo Brasil e foi amplamente repetido por mulheres em atos de luta, ao longo de outubro e novembro daquele ano, para não perderem direitos. Uma das conquistas de mulheres vítimas de violência sexual estava em ameaçada com o Projeto de Lei (PL) 5.069, do próprio Cunha, que pretendia dificultar o acesso ao aborto legal em casos de gravidez após estupro.
As manifestações, que conseguiram barrar o PL, impressionaram a opinião pública ao ponto de veículos, como a revista Época, batizarem a mobilização como “primavera das mulheres brasileiras”. Ainda em novembro, depois de dois anos de preparação, a Marcha das Mulheres Negras também levou mais de 50 mil mulheres negras para Brasília. Na pauta, a luta “contra o racismo, a violência e pelo bem viver”.
2015, um ano divisor de águas
Para Mazé, 2015 foi “um ano divisor de águas” na luta das mulheres pela democracia. Ainda que, a partir de então, elas passaram a acumular retrocessos. Em agosto de 2016, apesar da mobilização popular pela permanência de Dilma, a presidenta acabou sendo deposta.
Dois anos depois, contudo, elas protagonizaram o que é considerada a “maior manifestação de mulheres da história do Brasil”, que foi batizada como #EleNão. O movimento virou um slogan aglutinador de outras maiorias minorizadas, como o movimento negro e LGBTQIA+, todos contrários ao então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (na época no PSL, hoje no PL).
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Apesar de ter sido uma das maiores e mais abrangentes manifestações populares da década, para algumas avaliações a máquina de notícias falsas da campanha do ex-capitão teria aplicado um “contragolpe” na repercussão. Com isso, o protesto levou o país ao segundo turno das eleições, mas não impediu a vitória no pleito de Bolsonaro contra o candidato progressista, Fernando Haddad (PT).
No ano passado, a ativista Sônia Coelho, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) também ponderou, em entrevista à RBA, que faltou tornar a luta permanente no período. Minimizar o #EleNão à reação da máquina bolsonarista de ‘fake news’ é desvalorizar a luta das mulheres.
Não há derrotas
Olhando para trás, contudo, a diretora da Contag não considera que as mulheres foram derrotadas nos últimos processos da história recente, ao contrário. Mesmo sob a ameaça real de violência pelo governo Bolsonaro, a Marcha das Margaridas voltou às ruas em 2019.
No mesmo ano, cerca de 5 mil mulheres indígenas de 172 povos marcharam em Brasília sob o mote de “reflorestar mentes para a cura da nossa Terra”. Em 2022, elas também voltaram a protestar pelo país de forma mais robusta, após o início da vacinação contra a covid-19, para cobrar “Bolsonaro Nunca Mais”.
“Não foi derrota, mas vitória, porque não desistimos e continuamos na resistência lutando por dias melhores”, destaca Mazé. “Hoje estamos inclusive com um governo do campo democrático e popular porque nós não desistimos. Sabendo da força e da coragem das mulheres, nós sempre estivemos na linha de frente, mesmo não conseguindo avançar em alguns pontos. (…) Por mais que a gente gritou ‘Fora Cunha’, e ele ficou. Por mais que a gente disse ‘Ele Não’ e ele estava. Ainda assim nós conseguimos. Então essa é a grande vitória nossa, de permanecer na resistência, na luta de não baixar a cabeça e dizer ‘nós vamos conseguir’”, prossegue.
“Seguimos aquela fala de Margarida Alves. Ela sempre dizia, ‘dá luta não fujo, nós não fugimos de forma alguma, podemos ter medo, mas não o usamos’. A fala de Margarida nos inspira muito para continuar firmes na luta. Isso é muito importante para a gente”, conclui a coordenadora da Marcha das Margaridas, que prepara nova edição do ato para agosto deste ano.
Contexto deste #8M
Passadas essas situações, a ativista da Marcha Mundial das Mulheres completa que os últimos 8 anos reforçam que “democracia sem as mulheres não é democracia”.
“A Dilma no poder foi uma vitória das mulheres e, ao mesmo tempo, uma conquista. Porque, paralelo a isso, vinha-se encaminhando no processo democrático as mulheres. Elas estavam conseguindo ter mais visibilidade para suas reivindicações. (…) Tivemos por volta de 2010 a 2015, as Casas da Mulher Brasileira, leis contra a violência de gênero, a titularidade do Minha Casa, Minha Vida para as mulheres”, menciona Isabel.
Dia Internacional das Mulheres: entre o mito e a verdadeira origem socialista da celebração
Com o governo Lula, ela explica ser necessária a luta contra a democracia porque ela precisa ser conciliada com o direito das mulheres ao próprio “corpo, aborto, ao direito de viver sem violência, de não sermos submissas, por igualdade e para ter dignidade para todas e todes, principalmente às mulheres das periferias”. Além disso, a tentativa de golpe de bolsonaristas, em 8 de janeiro deste ano, mostrou que, mesmo após a derrota do ex-presidente, a ameaça totalitária segue presente.
“Pela minha história, eu tenho a visão de que o passado se repete e vai se repetir novamente se anistiarmos os fascistas (do 8 de janeiro) e não colocarmos na cadeia o infeliz do genocida (Bolsonaro). A história vai se repetir pela terceira vez, infelizmente. Mas nós precisamos continuar lutando para não perpetuar a história dos opressões que, nunca no Brasil, foi feita a justiça contra eles. Eu sinceramente não sei como será a luta daqui muitos anos, com os jovens e as jovens principalmente. Mas eu sei que vai ter luta sim”, reivindica Isabel.
Futuro da luta feminista
A perspectiva de futuro fica por conta da estudante do terceiro ano do ensino médio Sofia Nascimento do Souto que, aos 17 anos, faz parte da Marcha Mundial das Mulheres na zona Leste da cidade de São Paulo.
“Aliviada” pela derrota de Bolsonaro, que a assustava, e ainda celebrando a eleição de Lula, seu primeiro voto, Sofia acredita que os jovens e as mulheres terão um lugar de escuta e participação social com o novo governo federal. Mas os desafios para elas ainda serão inúmeros. “Eu sempre pensava ‘como a esposa dele aguenta isso’. Eram sempre frases misóginas. Ele agredindo uma jornalista me assustou muito e me atingiu diretamente. Por ser uma menina, eu pensava ‘até quando vai durar isso?. Porque se essas pessoas que aplaudem isso que ele (Bolsonaro) faz se multiplicam, quando eu virar uma mulher é isso que eu vou sofrer no futuro’. E isso me assustava muito”, descreve ela.
“E com o atual presidente eu sinto que a gente vai participar. Terão barreiras, que o governo anterior deixou, tanto econômicas ou limitações devido a grande onda de corrupção que deixaram. Há carga e está longe de resolver tudo o que foi feito nesses quatro anos, tudo o que foi destruído. Mas até reconstruir de novo para ter inovações eu tenho esperanças”, reforça a jovem feminista.
Clara Assunção | Rede Brasil Atual
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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