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ToggleNa Argentina já não se discute quem vai ganhar as eleições, mas o que Alberto Fernández (Partido Justicialista – PJ) vai fazer quando chegar à Casa Rosada. Após o contundente triunfo nas primárias, aqui chamadas de PASO (Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias), é praticamente impossível que o atual mandatário, Mauricio Macri (Proposta Republicana – PRO), consiga a façanha de levar o pleito para um segundo turno.
O mérito de Fernández está, dizem os analistas, na frente ampla que ele e sua vice, a ex-presidenta Cristina Kirchner, conseguiram aglutinar em torno de sua candidatura, reagrupando os setores peronistas e de esquerda, alguns críticos do kirchnerismo, como Sergio Massa, que foi candidato à presidência no último pleito. No total, a Frente de Todos agrupa 20 partidos e movimentos.
Para o presidente do Partido Justicialista Portenho, Victor Santa María, foi o próprio Mauricio Macri o responsável pela união da esquerda. “Se ele tivesse conduzindo bem o país, se a economia estivesse bem e os trabalhadores estivessem melhores, os movimentos não estariam nas ruas. A verdade é que Macri não tomou nenhuma medida a favor do povo argentino”.
Santa María, que também é sindicalista e dirige o sindicato SUTERH (de porteiros e trabalhadores de edifícios), destaca o valor das mobilizações sociais neste processo a observa: se os peronistas seguissem divididos, o país seria destruído, por isso a unidade começou a ser construída já nas eleições legislativas de 2017.
“Quando muitos acreditávamos que teríamos o macrismo até 2023, Alberto Rodríguez Saá [que atualmente é governador da província de San Luís] colocou a consigna ‘há 2019’” e isso incentivou a unidade”, lembra Santa María, que é apontado pela imprensa argentina como um dos principais articuladores peronistas.
Vanessa Martina Silva
Victor Santa María é político, empresário, sindicalista, responsável por diversos meios de comunicação progressistas e dirigente esportivo
Ele destaca também o papel desempenhado por Cristina que, ao não sair na cabeça da chapa, está “disputando sem disputar”, o que permitiu que “muitos dos que não simpatizavam com ela se somassem”, como é o caso de Matías Lammens (sem partido, integrante da Frente de Todos), que vai disputar o governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires (CABA). “A diferença com ela é de metodologia, não de política”, conclui.
Vitória ampla
O fruto desse processo é que a Frente de Todos pode ganhar as eleições para presidente, para governador da Província de Buenos Aires (algo impensável há alguns meses) e — ainda mais surpreendente — chegar ao comando da CABA, uma vez que a possibilidade de um segundo turno entre Horacio Rodríguez Larreta (atual chefe de governo da cidade, do PRO) e Lammens é grande.
“Na CABA as pessoas começaram a ver que Larreta é Macri e que todas as medidas tomadas por Horacio não foram para beneficiar os portenhos, mas Macri. A cidade de Buenos Aires vota para chefe de governo junto com o presidente. Isso é para beneficiar Macri, não a nossa discussão na cidade”, diz categoricamente Santa María.
Quem conhece a cidade de Buenos Aires pode se surpreender com a situação atual em que ela se encontra. A Avenida Corrientes, por exemplo, agora tem metade de suas faixas fechada para trânsito exclusivo de pedestres, há obras por várias partes da cidade, ciclofaixas e muito verde. Por outro lado, é visível (e sustentado por estatísticas) o aumento da população que está vivendo na rua e a pauperização social já atinge 20% dos cidadãos.
“Apesar de ter a maior renda da América Latina, Buenos Aires tem sete mil pessoas vivendo nas ruas, faltam mais de mil vagas para as crianças que precisam de educação. Tem muitos hospitais que estão fechando os leitos. O governo se dedicou mais ao concreto, à construção, do que às pessoas”, destaca.
E se ganham?
Apesar do otimismo nas filas peronistas, resta uma questão importante. O país está quebrado, a pobreza aumentou, como já observamos, a dívida com o FMI é impagável — todos concordam com isso —, o dólar está nas alturas e o desemprego é um dos temas que mais preocupam os argentinos. Diante desse cenário: e se a Frente de Todos ganhar? Como vão resolver essa crise?
Santa María tem a resposta na ponta da língua: trabalho. É preciso gerar emprego e renda para que o consumo interno seja motor de crescimento econômico — mesma receita adotada pelo ex-presidente Lula, no Brasil.
Para isso, o primeiro é negociar a dívida. “Alberto está capacitado e tem uma equipe para resolver”, diz otimista. O segundo é tratar de incentivar o setor produtivo do país, fazendo com que os bancos paguem pela crise financeira e, por fim, atrair dólares com a exploração de petróleo no campo de Vaca Morta, a produção agropecuária e a mineração (principalmente de lítio).
E então, continua, atrair capital de investidores estrangeiros ao demonstrar que o país é confiável e vai honrar os compromissos. “Argentina não é Fernández, nem Cristina ou Macri, é muito mais que isso e vamos cumprir os acordos realizados, ao contrário do que fez Macri”.
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* A editora da Diálogos do Sul, Vanessa Martina Silva viajou para a Argentina para integrar o Coletivo de Comunicação Colaborativa ComunicaSul, que está cobrindo as eleições em Bolívia, Argentina e Uruguai com o apoio das seguintes entidades: Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Hora do Povo; Diálogos do Sul; SaibaMais; 6 três comunicação; Jaya Dharma Audiovisual; Fundação Perseu Abramo; Fundação Mauricio Grabois; Apeoesp, CTB; CUT; Adurn-Sindicato; Contee; CNTE; Sinasefe-Natal; Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região; Sindsep-SP e Sinpro MG
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