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Donald Trump conseguiu a simpatia de setores antagônicos: uma Esquerda fundamentalmente anti-imperialista (não aquela formada por jovens afetados e que só se importam com Obama segurando um guarda-chuva ou dando as mãos para a primeira dama) e uma Direita essencialmente politicamente incorreta. Com um discurso e propostas totalmente contrárias ao establishment atual, cercado pela mídia e demonizado pelas principais estrelas de Hollywood (e com uma oposição que o subestimou profundamente), Trump deixou de ser uma simples piada para se tornar uma realidade: ele é o novo presidente os Estados Unidos.
Jean A. G. S. Carvalho*
Seu discurso, entretanto, é algo complexo para uma análise externa (e mesmo para a conjuntura interna dos EUA): ele mesclou pontos de uma Esquerda desenvolvimentista e uma Direita cultural – a síntese que chamamos de Esquerda do Trabalho e Direita dos Valores. Trump assumidamente defendeu práticas protecionistas totalmente contrárias aos ideais de livre mercado e “Estado mínimo”: sua pauta pode ser resumida em criar empregos para americanos nos Estados Unidos com empresas dos Estados Unidos. E, no processo, adotar medidas de contenção de mercados concorrentes será algo inevitável.
Donald Trump não criou nada essencialmente novo no mundo, mas adotou uma tendência atual para a política dos EUA: foco nos problemas internos, maior independência em relação a estruturas estrangeiras e internacionais e promoção do nacionalismo. Marine Le Pen, candidata mais provável a assumir a presidência da França nas próximas eleições, adota a mesma linha de nacionalismo + protecionismo; Viktor Orbán (na Hungria), Vladimir Putin (na Rússia), Lukashenko (em Belarus), Bashar (na Síria) e tantos outros líderes que têm despontado no cenário mundial seguem, mesmo que de maneiras diferentes, essa receita.
A compreensão é bem clara: a ideia de anular todas as fronteiras e abrir irremediavelmente e sem qualquer controle todos os setores econômicos de um país é a receita perfeita para o imperialismo global, o terrorismo financeiro e a submissão aos desmandos externos. É a receita para aniquilar a soberania de qualquer nação – mesmo grandes potências, que sofrem com os efeitos de médio e longo prazos dessas políticas.
Trump adotou em seu discurso (e já colocou em prática) vários pontos que, por aqui, seriam denunciados pelos “nacionalistas” como “esquerdismo”: medidas efetivas para criar e proteger empregos, dirigismo de Estado sobre a economia, retorno dos investimentos para o país e controle da atuação das empresas, tudo em benefício dos Estados Unidos da América.
A tendência mundial de ruptura para com o globalismo é essa: negar os preceitos de livre mercado e de destruição das soberanias em nome de um ideal abstrato de “globalismo” e “sociedade global”. O nacionalismo autêntico, em todo o mundo, adota cada vez mais expressamente essa forma. No Brasil, percebemos justamente um curso que vai na contramão dessa tendência: o “nacionalismo” que implora pela entrega de patrimônios e recursos nacionais, que clama pela anulação do Estado e que rejeita qualquer medida protecionista em benefício do próprio Brasil.
Em suma, os “nacionalistas” e liberais brasileiros que se dizem tão admirados com Trump e com o rumo dos Estados Unidos recusam, para o Brasil, justamente os pontos que fizeram dos EUA uma nação forte e, de Trump, um homem tão popular – seja por uma base realmente leal a ele, seja pela difamação constante da mídia que, para isso, utiliza o próprio filho de Trump como alvo.
Não existe soberania nem reforço nacional sem o incentivo à produção e ao mercado internos, sem o resguardo aos recursos estratégicos e sem a defesa ativa (contando com a forte participação do Estado e de um projeto-nação) dos interesses nacionais no cenário global. Qualquer retórica “nacionalista” que rejeite esses pontos não passa de utilitarismo ao regime de unipolaridade global (um regime que já começa a ruir).
Enquanto permanecermos na contramão da verdadeira tendência mundial anti-globalista, continuaremos prescrevendo como medicamento aquilo que, na verdade, apenas reforça a doença: o livre mercado, o liberalismo – que só reforça o sistema global.
Esses pontos não fazem de Trump um homem perfeito e, certamente, ele cometerá erros. E é justamente por reconhecê-lo como figura útil contra o globalismo é que devemos estar atentos e nos manter críticos a esses erros, sejam eles intencionais ou não. Entretanto, sendo o primeiro candidato estadunidense a enfrentar o establishment global frente a frente e a confrontar abertamente toda a estrutura de mídia são feitos que fazem de Trump alguém digno ao menos de um gesto de cordialidade.
*Original da revista Avante