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Dossiê Petrobrás: A doação do subsolo

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Dossiê-Petrobras-INeste segundo artigo do dossier Petrobrás se verá como depois de quebrar a espinha dorsal do movimento sindical dos petroleiros, o presidente Fernando Henrique Cardoso abriu não só o monopólio da petroleira como também entregou a empresas estrangeiras a navegação de cabotagem. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa navegação só pode ser realizada por cidadãos estadunidenses em barcos do próprio país.

Amaro Augusto Dornelles*

A doação do subsolo

fhc-mudou-o-nome-da-petrobras-para-petrobrax-para-tentar-vender-a-empresa-foto-nelson-peres FHC mudou o nome da Petrobras para Petrobrax para tentar vender a empresa foto Nelson Peres

O vice-presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás, o engenheiro Fernando Siqueira, esclarece que depois de se livrar da pressão dos petroleiros, o presidente Cardoso começou sua “reforma econômica” por eliminar a diferença entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro. Até então o capital externo tinha restrições. Não podia, por exemplo, ter 100 por cento de uma mineradora. As grandes corporações internacionais tomaram conta do subsolo brasileiro. Foi tudo escancarado para elas, que tinham muito mais poder econômico e político do que as nossas. Hoje o maior item de nossa pauta de exportação são os minérios. Mas o Brasil fica com o incomensurável percentual de um por cento de tudo o que vende: “Agora estamos lutando para passar este percentual para dois por cento, só que enfrentamos uma resistência inacreditável. O Brasil detém 96 por cento das reservas mundiais de nióbio, o mineral mais importante para a indústria espacial e aeronáutica. Dói no coração ver nosso minério ser entregue de mão beijada a esta escumalha”.

Depois Cardoso abriu a navegação de cabotagem, permitindo que empresas estrangeiras navegassem livremente no país. Para dar uma ideia do absurdo, ele cita o exemplo dos EUA, onde a navegação de cabotagem só pode ser feita por cidadão estadunidense nato, em embarcação do próprio país. Nem naturalizado tem permissão. Se já não bastasse abertura do setor mineral, as embarcações estrangeiras ainda podem se dar ao luxo de subfaturar e escoar minérios impunemente. Cardoso instituiu também a quebra do monopólio de gás canalizado, entregando a distribuição de gás para distribuidoras estrangeiras. Enron e Shell compraram a Comgás – a maior distribuidora de São Paulo – a troco de banana. Depois quebrou o monopólio das comunicações, vendeu a Eletrobrás e as teles por valores irrisórios.

Cardoso teria investido 20 bilhões de reais na Eletrobrás antes da privatização, vendendo-a por 13 bilhões de reais, pagos em moedas podres, ou seja, títulos da dívida desvalorizados. O chamado “Príncipe dos sociólogos’ tanto fez que acabou quebrando o monopólio da Petrobrás. Em 1988 – recorda o especialista – a Aepet conseguiu elevar o capítulo da Lei do Petróleo para o nível Constitucional. Com suporte do historiador jornalista Barbosa Lima Sobrinho, foi criado o artigo 177, estabelecendo que o monopólio estatal só seria quebrado com 2/3 de votação: “Mas em 1995, através da compra de votos e barganha política, Cardoso conseguiu a proeza de mudar a Constituição” – isso pra não falar em reeleição, que é outra tragédia. O parágrafo primeiro do artigo 177 estabelecia que o Brasil não poderia colocar seu petróleo como garantia de dívida, como fizera o México, que ‘doara” seu petróleo para o cartel:

“O petróleo é vosso”

– Este parágrafo Cardoso retirou e colocou no lugar a determinação de que a execução do monopólio poderia ser feito por empresas estatais ou privadas. A Petrobrás deixava de ser a executora do monopólio. Para regulamentar tudo, apresentou a lei 9478, de novembro de 1997, em vigor até hoje. O terceiro artigo diz que as jazidas do petróleo pertencem à União. No artigo 21, que os direitos de exploração do petróleo pertencem à União. Tudo em perfeita consonância com a constituição. Aí vem o artigo 26 que determina: quem produzir o petróleo é dono.

Pela nova lei, o petróleo passou a ser da união enquanto permanecesse no subsolo. Depois de extraído, passaria a ser de quem o produzisse. Desde então, o Brasil fica com 10 por cento de royalties em dinheiro e 20 por cento em impostos, aproximadamente 30 por cento do rendimento do petróleo produzido no país. Esta lei vigora até hoje. Lembrando: no mundo, o usual é o país produtor ficar com 80 por cento, a Noruega fica com 84 por cento. “E a gente ainda é obrigado a escutar débeis mentais dizer que o importante é entregar tudo para os Estados Unidos, que sabem o que fazer”,desabafa.

Aprovada a lei 9.478, Cardoso criou a Agência Nacional do Petróleo, ANP, e colocou seu genro, David Zilberstejn para presidi-la (pelo menos enquanto durou o casório: a demissão veio junto com a separação). A legislação brasileira reconhece genro como parente. Cardoso praticou nepotismo no exercício da Presidência da República, mas é como se fosse tudo legal (leia box 4 com tabela da lei). No dia de sua posse, recorda Fernando Siqueira, com o auditório lotado de lobistas e empresários estrangeiros, o então marido da filha do presidente ironizou com estilo: ”O petróleo agora é vosso”. Tudo gravado e documentado.

De acordo com Fernando Siqueira, no afã de entregar o mais rápido possível o ouro negro do país, Zilberstejn estabeleceu áreas a serem licitados 220 vezes maiores do que as oferecidas no Golfo do México: “Ele nem esconde isso, é só ver as declarações na imprensa. Ao sair a licitação entramos na Justiça, pois não tinham cumprido o ritual, que exigia audiência pública e outros atos normativos. Mas tudo foi negado até que acabamos desistindo. Não havia mais condição de anular o leilão”.

Entranhas da Petrobrás

Em 1988, segue o nacionalista, a Petrobrás foi impedida pelo governo Cardoso de obter empréstimos no exterior – a juros de seis por cento ao ano – e de emitir debêntures para seus investimentos. Em seguida, através do decreto 3.161/98, liberou empresas estrangeiras do pagamento de impostos por seus produtos importados, sem dar o mesmo tratamento empresas nacionais: “Isto somado à abertura do mercado nacional iniciada por Collor, liquidou cinco mil empresas fornecedoras de equipamentos para a Petrobrás, gerando brutal desemprego e grande perda de tecnologias para o país,” insurge-se o dirigente da Aepet, acrescentando que tais empresas tinham sido criadas por meio de repasse de tecnologia que a Petrobrás gerava ou absorvia.

Naquele ano, seis multinacionais – entre elas MerrylL inch e afines Cline, que haviam comandado a privatização na Argentina – passaram a ocupar o 12.o andar do prédio da Petrobrás a fim de examinar minuciosamente todos os dados da Companhia. A desculpa era a de fazer uma avaliação técnica e econômica para venda de ações da empresa, em poder do governo. Dessa forma, durante dois anos tais empresas receberam todas as informações que quiseram dos gerentes da empresa. Inclusive as mais confidenciais e estratégicas. “Reviraram as estranhas da Petrobrás de uma forma jamais realizada em qualquer empresa do mundo”, desabafa.

Henri Philippe Reichstul foi nomeado presidente da Petrobrás no ’fatídico’ 1998. Seu primeiro ato foi cancelar o contrato de fornecimento de seis plataformas para perfuração exploratória com a Marítima. Detalhe: isto aconteceu um mês antes de a empresa cair em grave inadimplência. “Até hoje me pergunto se houve incompetência ou má fé”, confidencia Siqueira. Pois o cancelamento salvou a Marítima de pesadas multas e ainda deu a ela argumentos para processar a Petrobrás, pedindo dois bilhões de reais de indenização pelo providencial cancelamento. Ganharam em primeira instância.

Nepotismo e corrupção

A missão de Reichstul era desnacionalizar a Petrobrás: “Ele acabou com a equipe de planejamento estratégico da empresa, com mais de 20 anos de experiência, para contratar sem licitação uma empresa estadunidense, a Arthur de Little – presidida pelo amigo pessoal, Paulo Abstein – a fim de fazer o mesmo trabalho”. E logo tratou de ampliar os poderes e dobrar a gratificação dos gerentes da Companhia, que passaram a ter poderes ilimitados para contratar empresas e pessoas. O resultado desta ‘arquitetura’ foi um festival de desmandos administrativos, que resultou numa série de desastres econômicos.Destaque especial para a compra de ativos obsoletos na Argentina, Bolívia e outros países.

Os gerentes cooptados se fartaram de contratar empresas e pessoas sem controle. “A terceirização atingiu o escandaloso número de 120 mil contratados, à base de nepotismo e corrupção”, revolta-se o diretor da Aepet, lembrando que à época, o efetivo da Companhia caiu pela metade: de 60 mil para 30 mil contratados. A mesma estratégia aplicada na Argentina de enxugar para desnacionalizar:

– Nesse ambiente, o engenheiro não tinha mais coragem de defender a empresa e sim a opinião do chefe. A partir daí todas as barbaridades que Cardoso fazia, contavam com o apoio das chefias. Reichstul ainda pagou para mudar o nome da Petrobrás para Petrobrax. Ele me convidou, como presidente da Aepet, para comunicar a mudança, mostrou um estudo maravilhoso. Argumentava que era difícil para um estrangeiro pronunciar Petrobras. Quando terminou, perguntei se ele tinha clareza de estar rasgando a segunda bandeira do Brasil. Ele respondeu dizendo que me chamara para comunicar, não para pedir opinião. Respondi que ele deveria arcar com as consequências e avisei que daria uma entrevista coletiva para denunciar a medida.

Denúncia de sabotagem

No dia seguinte, Siqueira convocou uma coletiva de grande repercussão, deixando claro para o Brasil que o governo estava desnacionalizando a empresa. Reichstul voltou atrás, para logo em seguida ser substituído por Francisco Gros. Ele conseguiu fazer 62 acidentes graves em dois anos de gestão: “Se você vê o histórico da Petrobras, é menos de um acidente por ano. De 1973 a 1997, foram 17 em 25 anos. Ele conseguiu alcançar a marca de 62 em dois anos.”

Depois de denunciar uma provável sabotagem, incluindo o afundamento da P 36, o diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobras pediu que Marinha e Ministério Público investigassem o caso. Ninguém fez nada. Mas a partir da denúncia os acidentes “milagrosamente” pararam.    

Siqueira dá um salto no tempo para comparar esta situação com a descoberta do pré sal. Em 2007, junto com a direção da Aepet, foi a Brasília alertar o presidente Luis Inácio Lula da Silva (foi presidente de 2003 até 2011) de que a lei vigente daria 100 por cento daquele petróleo a empresas estrangeiras, ficando o país apenas com 30 por cento de royalties e impostos: ”Este foi um mérito muito grande de Lula, que peitou todos os interesses contrários e fez uma nova legislação, com avanços extraordinários”. O petróleo, por exemplo, já não é mais de quem produz, é da União, que remunera os custos de produção e uma parte do lucro:

Fraude recorrente

– O presidente Lula trouxe outro grande avanço, o principal motivo da guerra do cartel contra o PT e o Brasil: no pré sal, a Petrobrás é a operadora única. Todos os campos têm de ser operados pela estatal, com no mínimo 30 por cento de participação. O cartel não aceita isso porque os dois maiores focos de corrupção mundial do petróleo ocorrem no superdimensionamento dos custos de produção. Por exemplo, a empresa compra uma plataforma por um bilhão de dólares e contabiliza 1,5 bilhões de dólares na certeza de que vai receber isso em petróleo. O custo de produção é ressarcido em petróleo. Então, tudo o que ele superfaturar ele ganha em petróleo. não contabilizado sem pagar imposto. É uma fraude recorrente na produção mundial.

Outra forma de lograr a nação seria a medição fraudulenta. Exemplo: quando alguém produz 200 mil barris, contabiliza 130, ficando com 70 mil livre de tudo. Tendo a Petrobras como operadora, a fraude seria muito mais difícil: “Estão aproveitando estas denúncias de corrupção – que todo mundo já sabia mas não tinha prova – e estão carregando na mídia com tudo na tentativa de desmoralizar e acabar com a empresa. Para Siqueira, a grande mídia e boa parte dos políticos está a favor do capital externo desde Getúlio Vargas. Roberto Marinho, dono da rede Globo, grande conglomerado de meios de abrangência nacional, e seus herdeiros seriam os sucessores de Assis Chateaubriand:

– O Globo chegou a publicar que a Petrobrás não tem condições de operar o pré sal. No dia seguinte defenderam a abertura do mercado de engenharia para empresas estrangeiras, pois as nacionais são corruptas. Merval Pereira, Waak, Sardenberg…, a maioria dos comentaristas das organizações Globo, editoriais de O Globo, CBN, todos defendem abertamente a vinda de empresas estrangeiras. Omitem descaradamente que em São Paulo sete empresas estrangeiras estão comprovadamente envolvidas em corrupção no caso dos trens do Metrô. Omitem que as maiores corruptoras do mundo são as sete, que derrubam presidentes, corrompem compram. Elas hoje se chamam agora Big Oil, se fundiram para poder sobreviver, pois não tem reservas. Elas já dominaram 95 por cento das reservas mundiais, hoje têm menos de cinco por cento, estão absolutamente vulneráveis.

Na avaliação do especialista, este é o principal motivo da pressão sobre a Petrobrás e o Brasil. De um lado países desenvolvidos que não têm petróleo e dependem fundamentalmente dele. Mais de 80 por cento da energia deles vem do petróleo. Os EUA, segundo seus dados, tem uma reserva de 30 bilhões de barris e gastando 10 bilhões por ano. A Europa estaria pior, assim como a Ásia. A saída seria buscar reservas onde tiver. Estatísticas oficiais estimam que hoje, o pré sal representa mais de 20 por cento das reservas mundiais de petróleo, como seus 300 milhões de barris.

A empresa ganha prêmios

*O prêmio foi concedido pelo comitê da Offshore Technology Conference de Houston, no Texas, Estados Unidos, em reconhecimento ao conjunto de tecnologias desenvolvidas para produção de petróleo e gás natural na camada do pré-sal, no litoral brasileiro, onde, em 21 de dezembro passado, a empresa bateu recorde de produção, extraindo 713 mil barris de petróleo. A láurea será entregue em maio, na sede do comitê.

Em 1992, a Petrobras recebeu o prêmio por conquistas técnicas, referentes ao desenvolvimento de sistemas de produção em águas profundas no campo de Marlim, na Bacia de Campos, litoral fluminense.

Em 2001, o prêmio foi concedido por avanços nas tecnologias e na economicidade de projetos de águas profundas, no desenvolvimento do Campo de Roncador, também na mesma bacia.

*Do núcleo de colaboradores de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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