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Nesse momento em que a Petrobrás e as imensas reservas de petróleo do país estão ameaçadas Diálogos do Sul oferece um dossiê completo no entendimento de que e é necessário conhecer a história e as verdadeiras intenções de seus protagonistas. A hora é de defender a qualquer custo essa ‘joia da coroa’ foi capaz de resistir à sanha privatista que escancarou a porta da corrupção.
Amaro Augusto Dornelles*
Na medida em que a tecnologia da informação avança, o poder de persuasão dos meios de comunicação social para condicionar o pensamento do cidadão se sofistica.
O Brasil vive uma legítima comoção social diante da corrupção na Petrobrás, mas qualquer cobertura pretensamente jornalística é obrigada a divulgar fatos notoriamente relevantes. No começo de fevereiro, por exemplo, a Petrobrás recebeu pela terceira vez, o OTC Distinguished Achievement Award, o maior prêmio concedido a uma empresa de petróleo por seu desenvolvimento científico*. A mídia fez que não viu. Simplesmente ignorou, ou escondeu a notícia em breves notas. A confirmação da pujança tecnológica nacional na produção de petróleo e gás natural passou despercebida do brasileiro, assim como os sucessivos recordes de produção no país, foram encobertos pelo ‘mar de lama’ midiático. O dia a dia do noticiário alimenta a “revolta contra a corrupção” dentro da quarta maior petrolífera do planeta, induzindo desavisados a colocar corruptos, profissionais notáveis e a própria Petrobrás no mesmo saco. Não é acaso. Desde sua criação – por Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954, governou o país de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954), em 1953 (leia na terceira parte da reportagem) – a empresa luta contra os poderosos interesses econômicos do capital internacional, com respaldo de políticos influentes e da imprensa nativa. Como a própria história demonstra, o papel geopolítico da petroleira verde-amarela aguça o cada vez mais voraz apetite do cartel do setor, leia-se Shell, Exxon, Enron & Cia. Até hoje, os EUA não engolem o fato de suas empresas terem perdido o leilão do pré sal em 2014. Ainda tiveram de assistir passivamente a consórcio chinês conquistar seu quinhão nas ricas jazidas do ouro negro ao sul do equador. Sem contar os empréstimos de Pequim à Petrobrás. Pois a capacidade técnica da Petrobrás prova ser maior do que a corrupção e o que dela se noticia. Que o diga Fernando Siqueira, 74 anos – 23 dos quais na condição de engenheiro da estatal, cinco vezes presidente e atual vice da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet) – que entre os colegas de estatal é conhecido como a memória viva da Petrobrás. O especialista garante: a atual desvalorização da empresa não afeta suas condições de explorar as gigantescas e promissoras reservas do pré sal. Ele traça um breve histórico da exploração do petróleo no país para esclarecer o que existe por trás do furor da indignada mídia nacional.
Corporatocracia
O enredo começa março de 1938, no México, quando Lázaro Cárdenas del Rio (1895-1970), presidente de 1934 a 1940, nacionalizou as reservas de petróleo no país. Um mês depois, Vargas criou o Conselho Nacional de Petróleo (CNP), colocando o general Horta Barbosa para presidi-lo. Barbosa deu início à exploração de petróleo no país a partir da pequena Monteiro Lobato, na Bahia. Em 1939 começaram as pesquisas e em 42 a Standard Oil passou a pressionar o presidente Vargas contra o general, que acabou induzido a pedir demissão do CNP. A 29 de janeiro de 44, ele foi sucedido pelo general João Costa Bueno. Em seguida Vargas assinou o decreto 6.230 – contrariando o artigo 143, parágrafo 1º da Constituição de 1937 – para permitir que empresas estrangeiras tivessem 50% do capital das mineradoras. Em abril do mesmo ano, o CNP resolveu contratar geólogos estrangeiros: “Houve um relaxamento na exploração e o começo da derrocada da indústria de petróleo nacional” ressalta Fernando Soqueira, acrescentando que a 17/1/45, o presidente do CNP, o general Carlos Barreto criou um Grupo de Trabalho para estudar a entrada de empresas estrangeiras na produção de petróleo e nomeou o engenheiro Aloísio de Lima Campos – ferrenho defensor da ideia – para coordená-lo. “Em 6/5/45 o presidente do CNP enviou exposição de motivos ao Presidente Vargas propondo a vinda de capital externo para o setor de petróleo. No ano seguinte, o Departamento de Defesa do EUA passou formalmente a ajudar companhias americanas na obtenção de concessões no estrangeiro.
“Outros meios’
O Departamento de Estado nomeou de 13 a 14 conselheiros distribuídos nos mais importantes pontos do mundo. Já existia, portanto, o que John Perkins, em seu livro “Confissões de um Assassino Econômico”(2004), chamou de Corporatocracia – a junção do Governo com empresas de armamento, petróleo, sistema financeiro e Comunicação – para explorar riquezas naturais dos países (periféricos) detentores desses recursos. Há autores que incluem o tráfico mundial de drogas. Para o presidente da Aepec, o descaramento dos norte americanos ao tratar o país chegou ao paroxismo. Em 1946, Edward Johnson — presidente da Standard Oil – reconheceu o interesse nas grandes quantidades de petróleo encontradas no Brasil: “O Departamento de Estado coopera muito, no sentido de remover obstáculos que impedem companhias americanas de participar na exploração do petróleo brasileiro. Para isto, estamos usando ‘outros meios’, sem a necessidade de utilização da força.”, recorda Siqueira. Desde de 1945 o decreto-lei 766 de Vargas vedava o acesso das transnacionais ao petróleo brasileiro. Vargas, o ‘Pai dos Pobres e da Petrobrás” foi deposto na sequência e assumiu o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) José Linhares (1886-1957), ficou menos de um ano no poder e, em novembro, emitiu novo Decreto-Lei revogando o 766. Era o fim da lei antitruste. Em dezembro de 45 o General Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) foi eleito presidente, era ministro da Guerra de Vargas e governou até 1951. Foi instaurada a Assembleia Constituinte, que sob a maioria dos partidos das oligarquias conservadoras UDN e PSD (PSDB e DEM de hoje) passou a defender interesses estrangeiros no País. Em 1947, o general ex nacionalista Juarez Távora – autor do Código de Minérios – agora candidato pela UDN, fez uma palestra no Clube Militar do Rio de Janeiro e defendeu que o Brasil não tinha do condições de explorar seu petróleo: era preciso entregar a tarefa às empresas estrangeiras, como a Exxon, que à época chamava-se Standard Oil. Os nacionalistas do Clube Militar teriam ido buscar Horta Barbosa em casa para fazer o contraponto: “O general fez uma brilhante apresentação e desmontou a argumentação de Juarez Távora”, conta Siqueira. Fora da estatal, Barbosa teve tempo de sobra para percorrer o país fazendo palestras sobre o tema. Entre 1947 e 1948 liderou um grande movimento nacional que culminou com a que talvez tenha sido a maior manifestação cívica da história do Brasil: “O Petróleo é Nosso”, que defendia o monopólio estatal do petróleo e, para exercê-lo uma empresa genuinamente brasileira , a Petrobrás. Até que em 1953, o deputado Eusébio Rocha, do Partido Trabalhista de Vargas, (PTB) apresentou Projeto de Lei – substitutivo ao projeto de Vargas – que previa participação de empresas estrangeiras em livre concorrência com a Petrobrás. O udenista Bilac Pinto surpreendeu seus pares ao apresentar uma proposta radical, monopólio total: importação, exploração, refino e comercialização.
Nacionalistas além da conta
Historiadores como Maria Augusta Tibiriçá – participante da campanha “O petróleo é nosso” – Mario Victor e Lobo Carneiro, garantem que a jogada era induzir Vargas a sancionar a lei para expô-lo a pressões internacionais até ser derrubado. Por outro lado, se o velho caudilho não a sancionasse, seria fácil desmoralizá-lo nacionalmente perante a opinião pública. Vargas assinou a lei e as pressões chagaram violentas ao ponto de levá-lo ao gesto extremo. Era a única saída naquele momento. Ele estava só, contra tudo e contra todas as forças do capital internacional no país. Sua saída foi a tentativa final para virar o jogo. E virou, apesar de até hoje muita gente não se conformar. Dono da maior cadeia de médios de comunicação na época, Diários e Emissoras Associados, Assis Chateaubriand era senador da República e fez um projeto de lei para tirar a Petrobrás da execução do monopólio. Durante a ditadura militar (1964-1981), o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) investiu na Petrobrás, para decepção do Tio Sam. O governo dos militares não conseguiu reverter a tendência nacionalista ao executar o projeto de industrialização que vinha desde os tempos de Vargas. Em 1969, com um injeção inicial de 140 mil dólares da Fundação Ford, criou-se em São Paulo o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Cebrap, para o sociólogo Fernando Henrique Cardoso que no Chile, também financiado pela Fundação Ford, lançara em livro a teoria da dependência – pregando a submissão ao Império como condição para o desenvolvimento. Leia boxe 2. A Petrobrás voltou a ser objeto da cobiça estrangeira no governo Fernando Collor de Mello (governou de 1990 a1992, hoje é senador da República), que trouxe consigo a proposta de privatização do Credit Suisse First Boston – o mesmo banco estadunidense que comandara a privatização da petroleira estatal da Argentina, a YPF entre 1990 e 1991, a preços absurdamente baixos. Vale registar que, segundo levantamentos do governo platino, as reservas chegavam 2,4 bilhões de barris. Os ‘irmãozinhos do norte’ fizeram nova auditagem, concluindo que o cálculo estava errado: as reservas reais, afirmaram, eram de 1,6 bilhões de barris. E pagaram ao país baseados nesta conveniente estimativa. Naquela época o barril custava 20 dólares no mercado. As reservas argentinas acabaram privatizadas a 60 centavos de dólar o barril. Quem comprou foi a Repsol, estatal espanhola, adquirida pelo Santander – o mesmo que levou o Banespa praticamente de graça no final da década de 1980, por sua vez comprado pelo Royal Bank of Scotland, da família Rotshild, dona da Shell, da British Petroleum e sócio, nos EUA, das gigantes petrolíferas – ou seja, praticamente a dona das chamadas sete irmãs do petróleo.
Privatização fatiada
Segundo o engenheiro Fernando Siqueira, diretor da Aepet, a Repsol entrou na Argentina para combater as petroleiras latino-americanas. Depois veio para o Brasil fomentar a privatização da Petrobrás: “No Peru, comprou as reservas do campo da Camisea, responsável pela construção do gasoduto Bolívia-Brasil.” O cartel das petroleiras teria forçado o lobby para a Petrobrás construir o gasoduto, com enorme prejuízo à estatal (leia boxe 3). Hoje a Repsol paga ao Peru oito por cento de royalties, enquanto no mundo os países exportadores recebem em média 80 por cento do petróleo produzido. Na Bolívia, informa o perito, Evo Morales recebia 18 por cento do óleo extraído, mas depois da intervenção, passou para 80 por cento. “Espernearam, gritaram, mas todo mundo ficou lá.” A Repsol atua na Argentina, Peru, participando da privatização da Pemex, do México, na Colômbia, ou seja, em toda a América Latina. – Quando Collor de Mello recebeu a proposta do Credit Suisse para privatizar a Petrobrás, a estratégia era vender as subsidiárias – como ocorreu com as petroquímicas Petrofértil e Petroquisa, entre outras – para depois dividir a holding em unidades de negócios com o objetivo de privatizar uma a uma, fatiada. A Associação combateu muito esse negócio, obtivemos algumas vitórias, bloqueando o negócio até 1997. Quando Itamar Franco (1930-2011) assumiu a presidência (era vice do Collor quando este sofreu impeachment) a tal privatização fatiada gorou. O presidente fazia questão que a Petrobrás mandasse engenheiros a Brasília a fim de fornecer informações técnicas precisas aos congressistas, o que permitiu o bloqueio da revisão Constitucional que acabava com o monopólio. Ainda como ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso manipulou a estrutura de preços dos derivamos do petróleo coma ajuda do diretor de Departamento Nacional de Combustíveis, informa Fernando Siqueira. Assim, seis meses antes do plano de estabilização econômica que criou nova moeda, o Plano Real, a Petrobrás passou a ter aumentos de oito por cento abaixo da inflação. De acordo com o engenheiro, as distribuidoras do cartel internacional foram autorizadas a majorar seus preços 32 por cento acima da inflação. Pelos cálculos da Aepet, a manobra significou uma transferência anual de três bilhões de dólares do faturamento da Petrobrás para o cartel:
Greve e sabotagem
– Tudo acontecia através dos aumentos mensais dos derivados do petróleo. A Petrobrás comprava em dólares no exterior e vendia no mercado em moeda nacional, inclusive para o cartel, que ainda podia pagar com prazos de 30 a 50 dias. Com a inflação galopante da época, os grupos internacionais aplicavam os recursos no mercado financeiro, obtendo lucros estratosféricos. Quando o Plano Real foi implantado, o cartel reivindicou aumentos maiores para compensar aquele duplo e absurdo lucro. E levou, é claro. Em dezembro de 1994, depois da eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República, os petroleiros entraram greve por aumento de salário. No acordo coletivo, chegaram ao índice de 13,8 por cento de reajuste. Em janeiro de 1995, ao tomar posse, o sociólogo que chegou ao poder determinou que o acerto não valeria, pois o presidente da Petrobrás não o havia assinado. Melou o acordo já assinado pelos então ministros Maurício Correa, da Justiça, Ciro Gomes, da Fazenda, Alexis Stepenenko, de Minas e Energia, e pelo representante do presidente da Petrobrás, autor justamente da proposta aprovada. “Ou seja, uma desculpa estapafúrdia para provocar os petroleiros. Depois de uma série de sacanagens, a categoria entrou em greve, que durou 32 dias,” recorda o engenheiro. Siqueira redigiu então uma carta ao coordenador da Federação Única dos Petroleiros, FUP, advertindo para que não fizessem greve, por tratar-se de uma armadilha. Dito e feito: Cardoso botou as Forças Armadas nas refinarias assim que o movimento foi deflagrado. “O Jornal do Brasil publicou que foi encontrada uma Van da TV Globo com explosivos, que seriam usados para sabotar a refinaria Repar e culpar nos petroleiros”. Ao final da greve, o Tribunal Superior do Trabalho multou o sindicato de alguns milhões por dia. Assim, o Sindicato dos Petroleiros – à época o segundo mais forte do país – foi inviabilizado. Objetivo? Anular o poder de pressão dos trabalhadores: “Os demais sindicatos se intimidaram e a partir daí Cardoso nadou de braçada para fazer o que queria”.
Leia a íntegra do Dossiê clicando nos links abaixo
Dossiê Petrobrás: O petróleo ainda é nosso I
*Da equipe de colaboradores de Diálogos do Sul