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Vanessa Silva*
Em abril de 2013, poucos dias após a morte de Hugo Chávez, o colunista de O Globo, Rodrigo Constantino, publicou um artigo intitulado “O risco bolivariano” em que compara petistas a chavistas, afirma que o socialismo está ligado ao “caos e à opressão” e que os bolivarianos brasileiros “se inspiram no falecido Hugo Chávez, cujo ‘socialismo do século 21’ é exatamente igual ao do século 20”. Será?
Constantino diz ainda que “como não temos uma oposição política organizada que valha o nome, resta como obstáculo a esse golpe bolivariano basicamente a força de quatro instituições: família, igreja, imprensa e Judiciário”. Mas o que realmente é o bolivarianismo pregado por Chávez? Por que, apesar da campanha midiática, o ex-presidente venezuelano é um dos poucos consensos entre a esquerda brasileira? Para aportar elementos a este debate, o Diferente, Pero no Mucho realizou uma série de entrevistas com intelectuais e militantes a respeito do bolivarianismo e seu alcance no Brasil e publica duas matérias como resultado desta investigação.
Leia a primeira matéria: A um ano da morte de Chávez, como definir o bolivarianismo?
O mesmo tom é verificado no artigo de Arnaldo Jabour de outubro de 2013 que alerta para “uma eventual reeleição da Dilma que, ao que tudo indica, vai partir para o ‘bolivarianismo’ explícito, como já declara o site do PT”. E diz ainda que “é nosso destino, em um governo dividido entre o ‘bolivarianismo’ e as necessidades óbvias, reais do país”.
Questionado sobre o motivo do processo de demonização do bolivarianismo e da figura de Hugo Chávez no Brasil, o jornalista e escritor, autor de livros como A Ilha, Olga, Chatô eOs Últimos Soldados da Guerra Fria, Fernando Morais, considerou que os que o fazem “têm medo de transformação. Nos anos 1960 os presidentes eram insultados como reformistas. Hoje o crime é ser bolivariano. (…) Qual é o medo deles? Desde 1960 até agora temem perder a capacidade de explorar os povos”.
Para o professor da Universidade Federal Fluminense e autor do livro Mídia, Poder e Contrapoder, que acaba de ser lançado na Argentina, Dênis de Moraes, este processo está relacionado aos papéis “estratégicos desempenhados pelos grandes grupos midiáticos: o de agentes ideológicos e retóricos a favor do ideário neoliberal e da hegemonia dos mercados”.
No caso, as “corporações querem preservar a qualquer custo suas ambições monopólicas e de poder. Os governos bolivarianos afetam seus interesses políticos e econômicos, na medida em que estão comprometidos — cada qual com suas ênfases, estilos e intensidades — com transformações socioeconômicas e culturais capazes de democratizar a vida social, distribuindo renda e riqueza, defendendo a soberania nacional e promovendo a diversidade informativa”.
Na Argentina, processo de divisão do Grupo Clarín para a implantação da Lei de Meios provocou duras críticas por parte da imprensa brasileira.
Como parte deste processo de deslegitimação, na América Latina, quando um governo se contrapõe às medidas neoliberais ele é caracterizado com o bolivariano. Segundo Dênis de Morais, “a mídia corporativa sabe que as medidas [adotadas por estas gestões] representam uma guinada histórica na tradição de subserviência de sucessivos governos, sobretudo os neoliberais, a suas conveniências políticas e econômicas. E não se conformam de perder as posições ilegitimamente conquistadas em décadas de ditaduras militares e governos neoliberais”.
O professor da UFF ressalta ainda que “as violentas campanhas opositoras e difamatórias por parte da mídia latino-americana têm dois alvos centrais: de um lado, fragilizar e desestabilizar os governos de esquerda, em sintonia com os interesses estratégicos do imperialismo norte-americano na região; e impedir que as fundamentais mudanças na radiodifusão prosperem”, o que explica o constante ataque sofrido por tais países ao tentarem implementar leis que regulamentem a radiodifusão, como pode ser observado na Argentina, com a Lei de Medios.
Ato em apoio ao presidente Hugo Chávez e à Revolução Bolivariana na Casa de Portugal em São Paulo em setembro de 2012, reuniu diversos setores da esquerda brasileira| Foto: Campanha Brasil Está com Chávez
É possível ser bolivariano no Brasil?
Diante deste cenário e apesar das insinuações da imprensa hegemônica de que há um movimento bolivariano no Brasil, não há um ponto pacífico dentro da esquerda sobre isso.
O escritor Fernando Morais sempre que é convidado a dar entrevista para qualquer programa de televisão, vai com uma bandeira da Venezuela. “Faço isso porque eu sou bolivariano. Na verdade, procuro excomungar estes demônios que a direita tenta pregar em nós, sobretudo nos presidente mais progressistas. Dizem que Lula e Dilma são bolivarianos, que estão levando o Brasil para o caminho da Venezuela. E eu digo: ‘quem dera! Antes fosse’”. Questionado sobre o motivo da autodeclaração, é taxativo: “porque ser bolivariano é ser revolucionário e anti-imperialista”.
Já o sociólogo e cientista político Emir Sader, considera que “o bolivarianismo não tem raízes no Brasil, porque não tivemos guerra de independência e, portanto, não temos próceres que tenham sido contemporâneos à analogia a Bolívar”.
O líder do MST concorda que não há grande expressão da corrente no Brasil, mas avalia que o bolivarianismo se expressa na integração popular. “Na América do Sul temos outras formas de expressar esta integração, acho que é reduzir a integração popular nos fixando apenas nestas expressões como ‘chavismo’ e ‘bolivarianismo’. O mais importante é defender o espírito da integração popular”, disse Stédile.
Exilado pela ditadura brasileira, Paulo Cannabrava morou em vários países latino-americanos, testemunhando diversos processos de revoluções e golpes. Para ele, o bolivarianismo é “uma utopia válida, e temos que persegui-la, dotá-la de um arcabouço ideológico, cultural, para que não se esfume como se esvaiu o sonho do próprio Bolívar”. E defende o resgate “do pensamento dos próceres latino-americanos como [José] Martí, [José Carlos] Mariátegui, [Anibal] Quijano e Darcy [Ribeiro]. Esta, inclusive, é uma das propostas do Diálogos do Sul”.
Na mesma linha, Nildo Ouriques, que defende um pensamento autônomo e integracionista nas universidades brasileiras, em contraponto ao eurocentrismo que as domina e que criou há dez anos as Jornadas Bolivarianas na UFSC, conclui que não somente é possível, como “absolutamente necessário ser bolivariano no Brasil. (…) Já não estamos mais de costas para a América Latina, mas ainda temos uma ignorância com relação a ela”.
*Vanessa Silva é colaboradora de Diálogos do Sul