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Economia| As finanças crescem como um câncer

Roberto Sávio

Tradução:

Roberto Savio*

propina1Não obstante os catastróficos efeitos da crise iniciada em 2008, e as denúncias e sanções adotadas contra os bancos responsáveis por ações ilegais, esses mesmos bancos e fundos de investimento voltaram às suas. Segundo Roberto Savio, uma das razões é o bônus (prêmio) outorgada a cada ano para os funcionários do setor financeiro, que equivale praticamente a um suborno pelo silêncio ou a cumplicidade com atividades especulativas desenfreadas que se estendem como um câncer.

É assombroso como a cada semana são apresentadas ações judiciais em várias partes do mundo contra o setor financeiro por delitos e irregularidades, sem que se registre uma reação considerável por parte da opinião pública.

É surpreendente, porque isso ocorre em meio de uma crise muito grave, com altos índices de desemprego, trabalho precário e um aumento sem precedentes das desigualdades, o que em boa medida pode ser atribuído à especulação financeira.

Tudo começou em 2008 com a crise hipotecária e a explosão da bolha dos derivados financeiros nos Estados Unidos, seguido pelo desencadeamento da crise da dívida soberana na Europa.

Calcula-se que se terá que esperar pelo menos até 2020 para regressar aos níveis econômicos existentes em 2008. Isso significa uma década perdida.

Para resgatar os bancos, o mundo gastou, em conjunto, em torno de quatro trilhões de dólares retirados dos contribuintes.

A título de exemplo: para resgatar o setor bancário, Espanha destinou mais dinheiro que o dedicado à educação e saúde em seu orçamento anual. E a história continua.

Em 20 de maio, cinco grandes bancos aceitaram pagar uma multa de 5.700 milhões de dólares às autoridades de Estados Unidos por sua manipulações no mercado de divisas. Os bancos são os mais conhecidos: os estadunidenses JP Morgan Chase y Citigroup, os britânicos Barclays e Royal Bank of Scotland e o suíço UBS.

No caso do UBS, o Departamento (ministério) de Justiça dos Estados Unidos adotou a inusual medida de anular um acordo de não acusação que tinham pactuado anteriormente, justificando que isso é devido aos reiterados escândalos do banco. “O UBS tem um prontuário que não pode ser ignorado”, disse o promotor geral adjunto, Leslie Caldwell.

Trata-se de um desvio significativo das diretrizes que o Departamento de Justiça emitiu em 2008, segundo as quais as consequências colaterais devem ser levadas em conta as acusações contra instituições financeiras.

“Considerar as consequências colaterais foi concebida para encarar o risco de que uma acusação particular cause um dano desproporcional aos acionistas, os titulares de pensões e os empregados que não são sequer presumíveis  culpados”, disse Mark Filip, o funcionário do Departamento de Justiça que redigiu o memorando de 2008.

Com relação ao caso da gigantesca companhia de auditoria Arthur Andersen, que avalizou as falsificadas contas da corporação de energia Enron, que posteriormente se declarou em quebra, Filip disse que “em última instância, Arthur Andersen nunca foi condenada como culpada de nada, mas o mero fato de ser acusada a destruiu”.

Sob o revelador título de “Demasiado grande para cair”, esta foi de fato uma garantia de impunidade que não escapou aos administradores do sistema financeiro.

Em 11 de maio, Denise L. Cote, juíza da Corte Federal do distrito de Manhattan, condenou a dois grandes bancos, o japonês Nomuro Holdings e o britânico Royal Bank of Scotland, por estafar a duas instituições públicas de hipotecas, conhecidas como FannieMae e Freddie Mac, através da venda de bônus hipotecários que continham inúmeros erros e tergiversações.

Nomura Holdings e Royal Bank of Scotland são só dois dos 18 bancos acusados de manipular o mercado imobiliário. Os outros 16 conseguiram um acordo extra judicial para pagar quase 18 bilhões de dólares em multas e assim evitar que suas falcatruas fossem reveladas publicamente.

O Royal Bank of Scotland e Nomura Holdings recusaram um arresto similar e demandaram ao governo dos Estados Unidos nos tribunais com o argumento de que foi a crise imobiliário o que provocou o colapso de seus bônus hipotecários.

Não obstante, a juíza Cote sentenciou que foi precisamente o comportamento delituoso dos bancos o que tinha acentuado o derrube do mercado hipotecário.

Cabe destacar que até agora, as multas acumuladas impostas desde 2008 pelo governo dos EUA somente aos cinco grandes bancos ascendem a 250 bilhões de dólares. Porém nenhum banqueiro foi pra cadeia, as multas foram pagas e o problema foi sepultado. Cabe perguntar se tudo isso se deve à má conduta de alguns administradores cobiçoso, ou à nova “‘ética” do setor financeiro.

É necessário recordar que recentemente se revelou que 25 administradores de fundos de cobertura (hedge funds) cobraram no ano passado cerca de 14 bilhões de dólares e que o que menos recebe entre eles atribuiu a si mesmo a astronômica cifra de 1.3 bilhões de dólares, equivalente à soma dos salários médios de 200 mil profissionais estadunidenses.

A respeitável Universidade de Notre Dame divulgou, em 20 de maio, um informe alarmante, com base em uma enquete a mais de 1.200 executivos de fundos de cobertura, de bancos de investimento e outras áreas de negócios financeiros dos Estados Unidos e Grã Bretanha, em que cerca de um terço dos que ganham mais de 500 mil dólares por ano admitiram que “foram testemunhas ou têm conhecimento direto sobre as irregularidades em seus locais de trabalho”.

O informe da universidade estadunidense inclusive assegura que “que um de cada cinco entrevistados sentem que as vezes os profissionais de serviços financeiros devem se envolver em atividades pouco éticas ou ilegais para ter êxito no universo financeiro atual”.

A esse respeito, quase a metade dos profissionais de altos ingressos entrevistados consideram que as autoridades são “ineficazes em detectar, investigar e processar infrações relacionadas aos lucros”.

Uma quarta parte dos entrevistados afirmou que, sim, consideravam não haver possibilidade alguma de serem presos por tráfico de informação privilegiada para ganhar uns dez milhões de dólares passariam essa informação.
Quase um terço entre eles “acredita que as estruturas de remuneração ou planos bonificados em vigor em suas empresas poderiam incentivar os empregados a quebrar a ética ou violar a lei”.

Também cabe destacar que a maioria demonstra temor diante de seu empregador, que provavelmente optaria por “aplicar represarias contra os que informem sobre irregularidades em sua empresa”. Portanto, o bônus outorgada a cada ano aos funcionários do setor financeiro equivale praticamente a um suborno pelo silêncio sobre à má conduta.

Os exemplos de Wall Street e da City de Londres serão cada vez mais comuns na medida em que se projetem no sistema financeiro.

Uma nova “ética” esta se instaurando e se propagará caso não se a interrompa… e não é isto o que está sucedendo.
Uma nota final. Na mesma terceira semana de maio (quantas coisas superam no curto espaço de tempo!), a estadunidense Comissão Federal de Comercio apresentou acusações a quatro respeitadas associações estadunidenses dedicadas ao combate do câncer, pelo uso indevido de milhões de dólares de doações.

Uma delas, do Fundo para o Câncer de Estados Unidos, declarou que gastou cem por cento dos fundos arrecadados em atendimento médico, transporte de pacientes a sessões de quimioterapia e compra de medicamentos para crianças. A Comissão descobriu que na realidade, menos de três por cento das doações se destinou a enfermos de câncer.

A “nova ética” é na realidade um câncer de metástase muito rápida.

*Roberto Savio, fundador da agência IPS e editor de Other News colabora com Diálogos do Sul. De Roma, Itália, maio de 2015. Editado por Pablo Piacentini


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Roberto Sávio

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