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A importância geopolítica do mega-gasoduto construído para interligar China e Rússia

A ampliação das parcerias articuladas entre os países constitui um desafio às pretensões hegemônicas dos Estados Unidos
Antonio Rondón
Prensa Latina
Moscou

Tradução:

O gasoduto Força da Sibéria, entre a Rússia e a China, coloca hoje um tijolo na casa geoestratégica construída por ambos os países em benefício mútuo de suas economias e em detrimento de planos hegemônicos defendidos pelos Estados Unidos.

A inauguração do trecho entre a jazida de Chaindisk, em Yakutia, e a localidade fronteiriça com a China de Blagovenshesk, com uma extensão de 2200 quilômetros, tem crucial significado econômico, tecnológico, social e geopolítico.

No aspecto econômico, trata-se do maior contrato na história da Rússia, quando se cumpre o documento firmado nesse sentido em maio de 2014 entre a gigante Gazprom e a Companhia Chinesa de Hidrocarbonetos (CNPC) por 400 bilhões de dólares, para 30 anos.

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Além do mais, a realização do gasoduto a um custo de um trilhão de rublos (15 bilhões e 450 milhões de dólares), beneficiou a economia nacional ao empregar em suas obras 10 mil trabalhadores, com o uso de 130 mil tubos, com um peso de quase dois milhões de toneladas. 

O trecho obrigou a construir um centro de produção, compressão e envio de gás natural em Chaindisk, uma zona muito menos explorada até o momento pela Rússia para a produção de uma parte de suas reservas, calculadas entre 47 trilhões e 800 bilhões e 73 trilhões de metros cúbicos. 

A construção de passagens por 10 grandes rios e ouros 100 riachos e zonas pantanosas, obrigou a criar uma via de comunicação, na qual tiveram que empregar ou estrear tecnologias específicas que ficam prontas para experiências similares no futuro. 

O gasoduto em seu trecho até a fronteiro chinesa necessitou do trabalho de pelo menos quatro mil unidades técnicas especializadas como escavadeiras, gruas, tratores, maquinarias para a fundição e transporte de tubulações, entre outras.

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Embora tenha demorado cinco anos para sua conclusão, a ideia de construir o gasoduto foi sugerida pelo presidente russo, Vladimir Putin, em 2012, em um momento em que talvez houvesse mais dúvidas que agora sobre a necessidade de sua existência, mas com o tempo seu valor geoestratégico só aumentou.

A ampliação das parcerias articuladas entre os países constitui um desafio às pretensões hegemônicas dos Estados Unidos

Prensa Latina
O gasoduto Força da Sibéria, entre a Rússia e a China

Diversificação e independência da Europa

A Rússia, além de diversificar seus fornecimentos, para sair da dependência do principal destino de seu gás natural, ou seja, a Europa, também abre passagem para um dos mercados de grandes perspectivas de consumo do referido combustível.

De acordo com o diário Izvestia, nos últimos anos o consumo de gás natural no gigante asiático aumentou 33%, enquanto o volume do gás importado superou  os 43%. 

Rússia, com uma quarta parte das reservas provadas de gás do mundo e uma produção anual média próxima aos 725 bilhões de metros cúbicos, pode cobrir as necessidades da China, em especial em sua zona norte, onde o gás desse país carece de competência. 

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Na região norte da China, diferentemente da ocidental onde funciona um gasoduto com o Turcomenistão, na Ásia Central, ou a costa do Pacífico, repleta de estações para receber gás comprimido, prevalece a produção de carvão, um combustível cujo uso se reduz visivelmente. 

Os parâmetros e compromissos ecológicos de Beijing levam a um maior emprego do gás natural, para o que resulta insuficiente sua produção nacional de pouco mais de 108 bilhões e 400 milhões de metros cúbicos anuais. 

O diário digital Vzgliad recorda que nestes momentos, três quintas partes do total do consumo do referido combustível do gigante asiático chegam através de fornecimento de navios com gás comprimido. 

Mas recorda que a passagem dessas embarcações pelo estreito de Málaca, onde os Estados Unidos frequentemente realizam manobras para supostamente praticar ações antipirataria, com o que assegura aí sua presença, é um grande risco para a economia chinesa. 

Agora, do ponto de vista social, a Força da Sibéria contribui para a formação de uma rede de distribuição que beneficiará pelo menos 38 mil empresas e residências do Longínquo oriente russo e contribuirá para uma maior gaseificação da república de Yakutia e da região de Amur.

De igual forma, em uma segunda etapa, deve ser terminado um trecho de 800 quilômetros entre o referido depósito de Yakutia e a localidade de Kavitmisk, nas jazidas de Irkutsk, que se unirão para produzir 38 bilhões de metros cúbicos. 

Além disso, espera-se que o funcionamento do gasoduto garanta emprego por vários anos para umas três mil pessoas, enquanto em sua construção estiveram envolvidas empresas metalúrgicas, construtoras, tecnológicas e de fabricação de máquinas. 

Após concluídos os três mil quilômetros da Força da Sibéria, espera-se a edificação na zona siberiana de uma planta de processamento de gás, cuja primeira etapa deverá estar pronta em 2021, enquanto sua plena capacidade será alcançada em 2025. 

Nessa obra participam 16 mil trabalhadores e seu término deixará pronto a caminho para a Rússia se converter em produtor e exportador de etanol, propanol e butano, entre outras substâncias, para a zona asiática.

A isso se une a criação de uma subestação para distribuir gás que garantirá o fornecimento ininterrupto de combustível ao novo Cosmódromo Vostochni (Oriental), na região de Amur.

Considerações geopolíticas

A entrada em funcionamento da Força da Sibéria reforma a armação de sócios estratégicos construída por Moscou e Beijing, que se estende à defesa de posições comuns em política internacional e no reforço da colaboração militar, sem chegar a ser uma aliança. 

O fornecimento de 38 bilhões de metros cúbicos à China reduz consideravelmente as possibilidades de venda de gás comprimido estadunidense a esse gigante asiático. 

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Além disso, uma maior aproximação da China e da Rússia em vários parâmetros, inclusive na ideia de criar alternativas à prevalência do dólar nas ações financeiras mundiais, constitui um desafio às pretensões hegemônicas de Washington.

O diário The Wall Street Journal, que cita uma antiga agente da Agência Central de Inteligência, apresentada agora como especialista econômica, reconhece a existência desse desafio, em meio à deterioração crescente dos nexos entre Beijing e Washington.

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Por outro lado, o gasoduto abre perspectivas de reconhecimento da Rússia como potencial fornecedor de gás na zona asiática. De fato, já se discute a possível construção do gasoduto Força da Sibéria 2, para unir jazidas russas com a zona ocidental chinesa. 

Logo que foram conhecidas essas possibilidades, Cazaquistão e Mongólia anunciaram seu interesse em participar desse novo esquema. Embora sua negociação seja mais difícil, pois no flanco ocidental, a Rússia enfrenta o Turcomenistão como rival, espera-se que as negociações frutifiquem. 

Na cosa da Força da Sibéria, embora seja mantida reserva sobre as tarifas, o diário digital Vzgliad calcula que o preço negociado é similar ao abonado pelos europeus, ou seja, pouco mais de 220 dólares por cada mil metros cúbicos. 

A Rússia fornecerá em 30 anos mais de trilhão de metros cúbicos de gás à China em um contrato fixo, o que significará para esse país asiático um reforço de sua segurança energética, ao evitar com isso instabilidade nos fornecimentos ou oscilação dos preços. 

Tudo isso parece apontar a uma construção paulatina, com peças cada vez mais sólidas e justificadas, de uma associação estratégica entre a Rússia e a China, algo que em todo momento os Estados Unidos temeram, recordam analistas.

 

*Antonio Rondón, Correspondente chefe do Escritório de Moscou

**Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

***Tradução: Beatriz Cannabrava

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Antonio Rondón

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