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ToggleTem gente que chama esse tipo de situação de coincidência. Outras pessoas, mais sofisticadas, apelam para Carl Jung e falam em sincronicidade. Enfim, o fato que nos interessa reter no momento é que quase nada acontece por acaso. Ainda mais nesses tempos difíceis do bolsonarismo e da noite de trevas do neoliberalismo em que as forças do conservadorismo pretendem nos enfiar.
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Pois então, parte da agenda política esse mês pode ser lida por essa ótica. Enquanto o Itamaraty de Ernesto Araújo comandava uma triste operação de descrédito e inviabilização de avanços necessários na reunião da COP 25, os tucanos e seus aliados articulavam no Congresso Nacional um movimento que pode provocar um retrocesso secular em termos de um bem essencial também para o futuro do planeta.
A postura da diplomacia brasileira na Conferência do Clima da ONU em Madrid foi lamentável. Promoveram alianças com os setores que mais dificultam a busca de consensos para o cumprimento dos acordos para redução dos efeitos da poluição, do desmatamento e de outras ações sobre o processo de aquecimento global. As consequências dessa postura irresponsável para o futuro da humanidade são trágicas.
Estudos e pesquisas comprovam que alguns dos problemas associados a esse processo descontrolado de comprometimento do meio ambiente são os eventos climáticos extremos no plano global. Em particular, os períodos de grande seca e estiagem, onde a falta de chuvas pode aprofundar ainda mais a ausência de água para uso humano no planeta.
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A grande maioria dos estudos prospectivos realizados no mundo são unânimes em apontar a água como bem essencial
Tucanos em prol da privatização.
Pois, enquanto os representantes da diplomacia bolsonarista nos faziam passar vergonha e isolamento no plano internacional, aqui no Congresso Nacional seguia a passos rápidos a tramitação de um Projeto de Lei de autoria do Senador Tasso Jereissati (PSDB/CE). Trata-se do PL 3.261/2019, que foi votado rapidamente na casa comandada por David Alcolumbre (DEM/AP). O projeto promove uma mudança profunda no sistema brasileiro de água e esgotos. Tanto que recebeu o apelido de “marco regulatório do saneamento”.
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Essa aliança entre os membros do antigo PFL e os tucanos conseguiu a impressionante marca de promover a aprovação de um documento tão complexo como esse em apenas uma semana no Senado Federal. Ele foi apresentado pelo autor em 30 de maio e aprovado de forma definitiva em 6 de junho. Uma loucura. O projeto passou como um bólido pela comissão de infraestrutura e foi aprovado pelo plenário em ritmo de urgência.
Na sequência, o texto foi encaminhado à Câmara dos Deputados, também presidida por um parlamentar do Democratas. Mas a condução de Rodrigo Maia não foi inspirada na rapidez de seu par no Senado. O Presidente da Câmara constituiu uma Comissão Especial para tratar da matéria em agosto. Foram realizadas diversas audiências públicas para debater o tema e outros projetos já existentes foram apensados ao texto de Jereissati. Porém, a atenção acabou recaindo ao longo do ano para os assuntos mais urgentes, a exemplo da Reforma da Previdência, Reforma Tributária e Reforma Administrativa.
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Com isso, o PL foi avançando sem muito alarde e a primeira votação no plenário da Câmara acabou ocorrendo a toque de caixa no dia 11 de dezembro. Naquela sessão foi aprovado o texto base, mas ainda estão pendentes de apreciação e votação as emendas apresentadas pelos deputados. A estratégia para angariar apoios nas diferentes bancadas conta com a pressão dos próprios governadores da oposição. A exemplo do ocorrido com temas como as reformas da previdência e administrativa, parte dos chefes de executivo estadual contam com a aprovação das mesmas pelo Congresso Nacional para implementar essas ações nos seus espaços de atuação.
Marco regulatório ou todo poder ao capital?
A espinha dorsal do novo marco regulatório passa pelo aproveitamento da já existente Agência Nacional de Águas (ANA) e com a intenção de ampliar seu escopo de atribuições. Assim, ela se transforma em Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, com a competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico.
Além disso, o texto abre espaço para estimular a privatização das empresas públicas ou estatais de saneamento já existentes pelo país. Por outro lado, o novo ordenamento jurídico cria as bases para a transformação dos serviços de saneamento público em mais uma mercadoria a ser comercializada pelas empresas privadas. No caso, caberia à agência reguladora as funções de determinação de preços e condições de operação nesse mercado.
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Apesar do discurso pró liberalização e contra a presença do Estado no setor, o fato concreto é que as condições técnicas e operacionais no sistema não admitem a possibilidade da tão abençoada “livre concorrência”, como tanto perseguem os liberais. Imagine o cidadão/consumidor decidindo qual das torneiras da cozinha ele vai abrir em determinado dia para obter a menor tarifa de água. Ou então, por qual dos canos de esgoto ele vai lançar seus dejetos para a rede de saneamento, também para “maximizar” seus interesses econômicos.
O modelo das agências reguladoras e a forma como têm sido conduzidas desde sua criação torna evidentes os verdadeiros interesses por trás do discurso de concorrência e eficiência. Os cidadãos e consumidores sempre foram deixados para trás no que se refere a prioridades nas respectivas agendas. Banco Central, ANEEL, ANATEL, ANS, ANVISA, ANAC e outras agências converteram-se em fiéis defensoras dos interesses das empresas que atuam nos setores que elas deveriam regular. Preços, qualidade dos serviços, defesa dos consumidores e temas semelhantes são sistematicamente esquecidos.
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Ora, todos sabemos que esse blablablá é mera fantasia idealizada para justificar a transferência de mais esse ramo da atividade econômica para a maximização da acumulação de capital privado. Não existe concorrência possível nesse mercado. Trata-se de um modelo que só admite o monopólio como ofertante do bem. Cabe à sociedade decidir se prefere uma empresa pública ou privada.
Tampouco é mera casualidade que essa mudança no marco regulatório ocorra no momento em que os grandes conglomerados internacionais do setor estejam se reposicionando estrategicamente. Nestlé e Coca-Cola, por exemplo, começam a se preparar para o domínio de fontes de água por todos os continentes. Isso significa que o processo de mercantilização de mais esse bem da natureza avança rapidamente em escala global.
Água é fator estratégico para Humanidade.
A grande maioria dos estudos prospectivos realizados no mundo são unânimes em apontar a água como bem essencial e cada vez ameaçado em sua disponibilidade. Assim como ocorreu com o petróleo e outras fontes energéticas no passado, a tendência no tempo presente é de considerar as fontes de água como reservas estratégicas de sobrevivência das nações. Fala-se inclusive que ela (ou melhor, a ausência dela) pode converter-se em elemento detonador de conflitos bélicos regionais.
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E nessa matéria, o Brasil apresenta uma posição também de destaque. Temos uma costa oceânica de milhares de quilômetros. Apresentamos uma rede fluvial das mais importantes do planeta, com bacias estratégicas como a amazônica. Nosso território está localizado sobre uma das mais importantes reservas de água subterrânea, o Aquífero Guarani.
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Os dirigentes dos grandes negócios em escala global não se cansam de pressionar governos para que as fontes de água também sejam submetidas a processo de liberalização e privatização. Não nos esqueçamos de que nosso subsolo foi entregue à exploração privada, depois de décadas de propriedade e monopólio de exploração pela União. Assim foi com minérios e petróleo. A exploração da energia também seguiu o mesmo caminho. Agora, a fonte de maior valor estratégico no futuro é a água.
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Essa é a razão pela intensa movimentação nos últimos tempos. O interesse é um só. Trata-se da busca pela apropriação privada dos rendimentos derivados do consumo da água. Cabe às forças democráticas e progressistas em nosso País exercer seu papel e impedir que esse caminho da privatização seja viabilizado por meio desse marco regulatório desvirtuado.
*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal
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