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Cannabrava | China espirra, o mundo inteiro pega resfriado

Ainda que a elevação de 4,5% de um PIB de US$ 17,3 tri seja uma enormidade, país está quase parando, pois crescia a ritmo alucinante de 10% ou mais ao ano
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Um espirro na China, o mundo se resfria, ou pior, fica de cama prestes a uma UTI. Isto, agravado pelas sanções que os Estados Unidos estão impondo a seus aliados europeus, com o pretexto de castigar a Rússia, a gerar uma das maiores crises da história. 

Estados Unidos, herdeiro da vocação belicista e expansionista dos europeus que colonizaram e povoaram a América do Norte, fizeram fama como sendo a grande potência das guerras e das mentiras. Fazem de tudo para ter uma guerra, sobretudo, mentem.

Crise na Ucrânia: 30 anos de geopolítica para entender atual relação Rússia X OTAN

Impressionante. Como só diminuir o ritmo de desenvolvimento, e crescer 4%, a economia no mundo ocidental e cristão despenca. A China botou o pé no freio devido às medidas profiláticas de controle da covid-19 e à guerra dos Estados Unidos que está a paralisar a economia na UE. Sem ter quem compre, tem que parar de produzir.

Ainda que a elevação de 4,5% de um PIB de US$ 17,3 trilhões seja uma enormidade, na China é um quase parando, pois crescia a ritmo alucinante de 10% ou mais ao ano. 

A crise que é permanente nos países centrais do capitalismo, notadamente sob o domínio do capital financeiro, agravada pela covid piora mais ainda com o decretado bloqueio à Federação Russa.

Me refiro ao modelo adotado após 1980, que utiliza o decálogo do Consenso de Washington como cartilha de gestão econômica. Conseguiram o feito de minar e derrubar o arcabouço da União Soviética, deixando a Rússia na ruína e nas mãos das máfias que se apropriaram das desestatizadas e dos especuladores. 

Sanções de Biden à Rússia têm potencial de levar Europa a crise terminal

Máfias e os agentes do capital financeiro quase destruíram o país. Salvo, lentamente vem recuperando o controle sobre os centros de decisão, e ocupando o lugar de destaque no cenário global, como potência econômica e militar de economia planificada. Não foi fácil. O êxito russo desesperou tio Sam e seus acólitos.

Quatro décadas de neoliberalismo aplicado nos países emergentes, que chamávamos de Terceiro Mundo, foram décadas perdidas. Está nos jornais, basta saber ler. Desestatização, desnacionalização, desindustrialização, Estado mínimo, precarização, desemprego… são as palavras chave do neoliberalismo predador.

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No Brasil, esse estancamento por décadas, mais incompetência na gestão e descontrole inflacionário, conduziram à atual situação que leva o nome de estagflação. Não tem como recuperar a economia com as regras desse jogo. 

A Cartilha do Pensamento Único, glamourizada como globalização e dada como inevitável, inclusive nas academias, está na raiz da crise. Concentração e transnacionalização são duas das sequelas. Fábricas fechadas para abrir filiais onde a mão-de-obra é mais barata, desregulamentação do trabalho, matrizes em paraísos fiscais, tudo no afã de otimizar lucro para os acionistas. 

Consequências: de um lado, gerou esse cassino global, a meca dos especuladores. Dinheiro para multiplicar dinheiro, abandono do ciclo de produção industrial. Por outro lado, os Tigres asiáticos são resultado dessa expansão das transnacionais. Em certa medida, também a China.

Ainda que a elevação de 4,5% de um PIB de US$ 17,3 tri seja uma enormidade, país está quase parando, pois crescia a ritmo alucinante de 10% ou mais ao ano

tomasdev

Potência sob todos os pontos de vista, principalmente pelo fato de ter eliminado a pobreza




Quem segura a China?

Maior mercado consumidor do mundo, todos quiseram ir para lá. Mas… três mil anos de civilização, chinês não é tonto, já foi maior potência comercial em outros tempos, transformou-se no que é hoje, a fábrica do mundo. Impressionante: tudo é feito na China. Das bugigangas aos microssatélites é a maior potência comercial e econômica do mundo. Potência sob todos os pontos de vista, principalmente pelo fato de ter eliminado a pobreza. 

A China só está atrás dos Estados Unidos em aparelhamento militar. Mas, também nesse aspecto, pronto terá superado. Em 20 anos, construiu uma frota naval maior que a dos ianques e está se posicionando para ser a líder na tecnologia de exploração do espaço sideral.

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Atingiram esse status apesar dos esforços contrários do mundo ocidental sob hegemonia estadunidense. Os ocupantes da Casa Branca não escondem a perplexidade. Precisamos barrar a China. A China é o inimigo real, a disputar a hegemonia. Para barrar a China, precisa primeiro acabar com a Rússia. Não tem como enfrentar a China e a Rússia. 

Só que já é um pouco tarde. Apareceu um Putin, que devolveu a autoestima do povo e está lá comemorando a vitória sobre o nazifascismo, na guerra de todas as guerras, por isso chamada de Guerra Mãe. 55 milhões de mortos, dos quais 27 milhões, russos, entre estes, 18 milhões, civis.

Na tentativa de levar Rússia à exaustão, EUA miram China, potência em franca ascensão

A Segunda Guerra terminou há exatos 77 anos, em maio de 1945. De lá para cá, assistimos a implementação da hegemonia dos Estados Unidos, ocupando a Europa Ocidental militar e economicamente e se expandindo por todas as latitudes. O pretexto era a reconstrução, a via foi a da guerra cultural e centenas de bases militares alimentadas por sete frotas navais. A maior potência militar do planeta impôs a economia do dólar e a estratégia do caos para dominar o planeta.

Não só a Europa é cenário dessa guerra. Os Estados Unidos querem levar a guerra também para todos os que consideram seus aliados. Como fez na guerra contra o Iraque, agora quer envolver os países asiáticos, como Japão, Coréia do Sul e Austrália. O Japão se ergueu dos escombros da Segunda Guerra, tornou-se uma grande potência econômica e tecnológica, mas não se livrou da ocupação militar e cultural dos Estados Unidos. 

Das quase 800 bases militares que os EUA mantêm em 45 países, umas 120 estão no Japão, a maioria (75%) em Okinawa, onde teve início um movimento de protesto a exigir expulsão dos ianques violadores da soberania e das mulheres. Outras 120 bases estão na Alemanha. Países perderam a noção de soberania. Quando começará o movimento contra essa dominação?


Otan é continuidade da Segunda Guerra

A expansão da Otan para o leste é continuação dessa guerra. Os Estados Unidos querem estender sua hegemonia. Usou das técnicas de guerra híbrida para incluir países que antes pertenciam à União Soviética ou que historicamente se mantinham neutros diante das disputas durante a Guerra Fria. A Ucrânia, caso típico, de golpe de estado que coloca governo títere, deu no que deu.

No dia 16, reuniu-se em Moscou a cúpula da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, que reúne Belarus, Armênia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Rússia. Na oportunidade, Alexander Lukashenko, presidente de Belarus, segundo despachos de Prensa Latina, declarou que “o sistema unipolar da ordem mundial é irremediavelmente coisa do passado, porém, o Ocidente Coletivo (leia-se Otan) luta ferozmente para manter suas posições. […] Nenhum país representa ameaça para a Europa, mas o Ocidente trava uma guerra híbrida em grande escala com o claro objetivo de estrangular a Rússia”. 

Crise na Ucrânia é produto da Segunda Guerra Mundial inacabada

Na segunda semana de maio, o Congresso estadunidense aprovou US$ 40 bilhões em ajuda militar e humanitária. Já tinham liberado US$ 1,3 bilhões. Muito humanitária! Quantos dólares foram utilizados para promover o golpe de 2014 que resultou no governo títere causante da atual guerra?


Rússia cautelosa preserva a Ucrânia

Quem quer essa guerra? A quem interessa essa guerra?

A Rússia está atuando com muita cautela e comedidamente nas ações bélicas na Ucrânia. Atuando, se pode dizer, cirurgicamente, procurando causar o menor dano possível para a população. Só tem atacado e destruído alvos militares. 

Se fossem os Estados Unidos e a coligação com que atacou o Iraque, já não restaria pedra sobre pedra em Kiev e outras cidades ucranianas. Vale lembrar que o Iraque foi totalmente destruído… tudo, pontes, rodovias, ferrovias, prédios públicos, tudo. Na Ucrânia, até o parlamento e o governo continuam funcionando. Os crimes de guerra são da parte ucraniana, maior parte pelos nazistas.

Na quarta-feira (18), as agências de notícias informavam que as tropas russas dominaram completamente a usina siderúrgica Azovstal, uma ocupação militar que resistiu duramente antes de capitular. Surpresa, nos subterrâneos da usina funcionava um comando com oficiais britânicos, canadenses, turcos e ianques, oficiais da Otan. Não dá mais para esconder seu envolvimento.  

A Rússia está sendo cautelosa também com relação ao suprimento de gás aos países europeus. Sabe que afeta gravemente a toda população de países que são vizinhos e/ou países com que, até agora, mantinham relações harmoniosas. 

Guerra econômica Rússia – EUA deixa mundo à beira de nova crise mundial por petróleo

No final de semana, Putin telefonou ao premiê alemão Olaf Scholz tentando acalmá-lo, posto que ainda não cortou o suprimento de gás. Se cortar, param as indústrias e geram milhões de desempregados. A quem interessa isso?


Negado ingresso da Finlândia e Suécia na Otan

Agora Suécia e Finlândia anunciam querer integrar a Aliança Atlântica, que já não é só Atlântica, pois inclui países como Japão e Austrália. Mas, Suécia e Finlândia têm mais de 1.500 km de fronteira com a Federação Russa. É muita provocação. 

O que leva um país como Suécia, depois de 200 anos de neutralidade, sujeitar-se aos desígnios de Washington? Dólares? 

Esses dois países dependem do gás, petróleo e energia elétrica da Rússia. Se negam a pagar o que devem aos bancos russos, e as dívidas estão crescendo. Isso dá aos russos todo o direito de cortar o suprimento. Eis a raiz da crise. Não pagam e pedem socorro à Otan. Realmente perderam o senso.

É uma jogada das mais perigosas. 

Hungria e Turquia perceberam a encrenca, disseram, formalmente, que não aprovam o ingresso da dupla de países bálticos à Otan. Quase que simultaneamente, a Áustria comunicou que descarta a hipótese de ingressar na Otan e manterá status de neutralidade. Os países membros têm poder de veto. Oxalá resulte, porque é muita ousadia cutucar o tigre siberiano com vara curta. Só a neutralidade dos países fronteiriços garante a paz na região. Paz e desenvolvimento com a Europa se integrando como Eurásia. Esse é o futuro de um novo mundo livre da hegemonia do imperialismo.

Crise no leste europeu coloca Europa frente a um renascimento livre do domínio dos EUA

Fato inédito: pela primeira vez, na sexta-feira (13), o chefe do Pentágono – o ministério da guerra – Lloyd Austin, chamou o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, para propor uma trégua e um canal de comunicação. Conversaram por uma hora sem resolver coisa alguma, segundo a Reuters. Quase que a mesma coisa disse à agência TASS. De qualquer forma, é positivo que haja um canal de comunicação que possa evitar um mal maior.


Estratégia do caos

Fica claro quando se vê que a guerra que anunciam contra a Rússia é na verdade contra seus próprios aliados da Otan, a União Europeia, basicamente. Uma União Europeia integrada à Eurásia, usufruindo dos ingentes recursos minerais da Rússia, caminho para o desenvolvimento integrado e assim livrar-se da dominação imperial, é o que mais temem os estrategistas do Pentágono, os senhores de todas as guerras que ocupam os centros de decisão.

As casas precisam de calefação – aquecimento central – para que as pessoas não morram de frio; as fábricas e escritórios precisam de energia elétrica; a vida e a economia se movem por meio de todo tipo de transporte. Estamos falando de energia elétrica, de combustão, petróleo, gás, carvão, redes de transmissão. 

A Hungria anunciou que não entra na conversa fiada dos Estados Unidos porque 60% do gás e petróleo que movem o país vêm da Rússia. Na Alemanha, o parque industrial depende de 40% até 90% da fonte energética russa.


Não é só energia o problema 

Sobe o preço do combustível, desencadeia alta em tudo. A Europa se tornou dependente em trigo, açúcar, carnes, insumos agrícolas e industriais, bens de consumo. Tudo ficou mais caro e a comida começa a escassear nas prateleiras dos armazéns. Inclusive produtos de consumo já estão mais caros e custam a chegar devido ao bloqueio. É de se esperar que a população desperte do que parece uma hipnose coletiva e se levante contra essa realidade de ser colônia, submissa aos Estados Unidos. 

Inflação oficial, na zona do euro, nos últimos 12 meses, admitida oficialmente, em torno de 7%, 8%. A inflação real, para dona de casa, chega a 30% em alguns produtos, como trigo, milho e soja. No Brasil, o pãozinho já está 20% mais caro. Isso porque não há política agrícola no país. 

Por conta do trigo, os países do G7 se reuniram por dois dias em Stuttgart, Alemanha, preocupados com o que fazer. China, Índia e Rússia são os maiores produtores de trigo do mundo; Ucrânia é um dos grandes fornecedores de trigo para Europa, está bloqueada pela guerra; Índia, segunda maior produtora do cereal, proibiu a exportação. G7 – Alemanha, Itália, França, Reino Unido, Canadá, Japão e Estados Unidos – pediu que a Índia atue com responsabilidade e instou a Rússia a suspender o bloqueio do trigo ucraniano. Assim de simples, eles penalizam e não querem ser penalizados.

Do outro lado da anacrônica cortina de ferro, agora mais estreita, apesar do esforço de guerra, as sequelas do bloqueio decretado pelos Estados Unidos e seus sequazes da Otan são menores, porque são compensadas com o incremento do plano de integração e cooperação asiática que tem a China como locomotiva. Ademais, a Rússia não foi pega de surpresa. Já vinha sofrendo sanções desde o governo Trump e se preparou.

A crise na cadeia de suprimentos nos EUA vai se agravar? Sim. E a inflação, também

McDonald ‘s fecha as portas em toda a Rússia. Um símbolo a menos do triste período da debacle soviética. Voltar a comer chachlik melhora a autoestima. A Renault fechou, as fábricas foram reestatizadas e voltaram a produzir sem provocar desemprego.

Agora propriedade do Instituto Central de Pesquisa e Desenvolvimento de Automóveis e Motores (Nami), estatal, seguirá produzindo o Lada, um Fiat da era soviética, e peças de reposição para manutenção dos Renault produzidos para o mercado russo.

Petróleo e gás que deixaram de fluir para alguns países da Europa já estão fluindo em dobro para a Índia. Novas rotas e dutos incrementarão, no curto prazo, o fluxo das fontes de energia russas entre os dois países vizinhos que se complementam e entre os demais países asiáticos.  

Confisco de reservas russas prova como dólar e euro são moedas políticas e inseguras

O dólar já desapareceu há algum tempo nas transações entre os países asiáticos. China, Rússia e Índia estão desenhando a nova geopolítica do mundo. Até a Arábia Saudita está aceitando rublos e ienes. 

Os ministros de Relações Exteriores dos Brics estiveram reunidos virtualmente na quinta-feira (19) para preparar a reunião de cúpula que transcorrerá em junho, em Pequim. A China, maior potência, com a maior população do planeta, 1,2 bilhão, logo será superada pela Índia, hoje perto de um bilhão de habitantes. Integradas com a Rússia, são as bases para os Brics – que a essa aliança somam o Brasil e a África do Sul – e determinam hoje a nova geopolítica do mundo. Um mundo multipolar, sem hegemonias, sem guerra, preocupado em preservar a vida com qualidade.

Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul



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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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