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Carey L. Biron*
As emissões humanas de gases que provocam o efeito estufa cresceram mais rapidamente entre 2000 e 2010 do que nas três décadas anteriores, apesar da adoção simultânea de leis nacionais para reduzi-las em diferentes lugares do planeta, afirmam os principais cientistas do clima.
As conclusões constam do terceiro volume do Quinto Informe de Avaliação divulgado ontem pelo Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), dedicado à mitigação ou, em outras palavras, à redução das emissões de gases que causam o aquecimento global.
O informe, de quase 500 páginas e assinado por 235 autores de 58 países, alerta que “apenas grandes mudanças institucionais e tecnológicas podem tornar possível que o aquecimento global não exceda” os dois graus centígrados até o final deste século, o limite que, segundo a ciência, não se deve cruzar para evitar transformações catastróficas. Antes da divulgação, no dia 13, em Berlim, de um resumo desse informe para os governos, houve uma semana de acaloradas negociações entre seus representantes.
O informe diz que ainda é possível limitar o aquecimento global a dois graus em relação às temperaturas anteriores à era industrial. “Mas não estamos no caminho de conseguir isso”, pontuou à IPS a especialista Kelly Levin, do World Resources Institute, um centro de pensamento com sede em Washington.
“Outros estudos concluíram que não estaríamos nesse caminho nem mesmo se os países tivessem cumprido seus compromissos anteriores (de redução nas emissões). E há vários que não estão nem perto de cumpri-los”, acrescentou Levin, lembrando que “uma mensagem fundamental é que devemos fazer um esforço muito maior em mitigação, e esta é uma década crucial para tais ações”.
O primeiro volume do Quinto Informe, publicado em 2013, se foca na ciência da mudança climática. O segundo, divulgado em 31 de março, analisa os impactos da mudança climática que já são sentidos em quase todos os países do mundo. O novo documento examina o que fazer para enfrentar e deter o fenômeno.
“É um fortíssimo chamado à ação internacional, centrado especialmente na noção de que é um problema de bens comuns”, ressaltou Levin. “Cada país deve participar da solução, o que é complexo porque os países têm capacidades muito diferentes de reduzir as emissões e de se adaptar à mudança climática. Agora se espera muito debate sobre o grau em que devem crescer a cooperação e a ação coletiva para serem equitativas”, acrescentou.
O informe expõe o atual consenso científico sobre a mudança climática e o potencial para responder a ele. Seu conteúdo é polarizador. Os três volumes já publicados serão apresentados em uma obra conjunta em outubro, que constituirá a base para as negociações que deveriam levar, em 2015, a um novo tratado para enfrentar esse problema ambiental global, sob patrocínio da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática.
Enormes investimentos
A mitigação é o assunto mais polêmico das negociações: como pagar as custosas transformações necessárias para adotar um modelo produtivo e energético que emita pouquíssimo dióxido de carbono, o principal gás-estufa. O informe examina 1.200 cenários possíveis e determina que as emissões deverão diminuir entre 40% e 70% nos próximos 35 anos para conter o aquecimento em dois graus. E, a partir daí, deverão chegar a quase zero no final do século.
“Muitas vias diferentes conduzem a um futuro onde se sustenta a fronteira dos dois graus”, disse no dia 13 um dos vice-presidentes do grupo de trabalho do IPCC encarregado do informe, Ottmar Edenhofer. “Todas requerem grandes investimentos”, completou. Não há quantias especificadas. Mas se esclarece que teriam um impacto relativamente baixo no crescimento econômico e que os “esforços de mitigação ambiciosos” reduziriam o aumento do consumo em apenas 0,06%. Mas os autores advertem que “a redução substancial de emissões exigirá grandes mudanças nos modelos de investimentos”.
O IPCC estima que os investimentos na geração elétrica convencional com combustíveis fósseis – a mais contaminante – diminuam possivelmente em 20% nas próximas duas décadas. Ao mesmo tempo, o financiamento do fornecimento elétrico de “baixo custo”, incluindo fontes renováveis mas também energia nuclear, gás natural e técnicas para “capturar carbono”, duplicará.
“O informe deixa claro que para evitar uma mudança climática catastrófica devemos deixar de investir em combustíveis fósseis”, disse à IPS o membro associado do centro de pensamento Instituto de Estudos Políticos Oscar Reyes. “Porém, a forma como o IPCC enfrenta esse assunto é problemática e reflete a situação atual das dinâmicas energéticas”, acrescentou.
“É positivo os autores assinalarem que as fontes renováveis são possíveis em grande escala, mas também se referem ao gás como um combustível de transição, quando muitos modelos indicam que esse passo desestimula os investimentos em renováveis”, pontuou Reyes. Acrescentou que “também há problemas com os tremendos custos de muitas das soluções tecnológicas que estão impulsionando”.
Ingressos e equidade
O resumo para governantes é um documento de consenso, o que implica que os 195 países membros do IPCC aceitaram estampar sua assinatura debaixo de suas descobertas. Ao que parece, as discussões prévias em Berlim foram agitadas, sobretudo porque os países buscam se colocar na posição mais favorável para as negociações do próximo ano. A discussão sobre como se repartirá o custo financeiro da mitigação e da adaptação ficou patente entre os países de renda média e as potências industriais. Estas são as principais responsáveis pelas grandes emissões de gases no passado. Entretanto, o cenário atual não é o mesmo.
Os informes anteriores do IPCC, seguindo a linguagem da Convenção, qualificavam os países como “desenvolvidos” e “em desenvolvimento”. Mas várias potências ricas reclamaram uma diferenciação mais precisa para os países de renda média e a responsabilidade que lhes cabe nas emissões atuais. E, no que parece uma resposta a essa reclamação, o último documento do IPCC caracteriza as economias nacionais em quatro estágios. No entanto, várias potências emergentes rechaçaram semelhante caracterização.
Em uma nota formal de “reservas substantivas” à qual à IPS teve acesso, a delegação da Arábia Saudita adverte que “agrupar os países segundo seus níveis de renda” é especialmente vago já que estes podem passar de um grupo a outro “sem levar em conta suas verdadeiras emissões por habitante”. Outros nove países se somaram à nota dos sauditas, entre eles Egito, Malásia, Catar e Venezuela.
A Bolívia apresentou uma objeção em separado que rechaça a mesma classificação dos países segundo sua renda. Contudo, também deplora que o IPCC tenha ignorado “enfoques não baseados no mercado, mas de cooperação internacional em mudança climática mediante o financiamento e a transferência de tecnologia dos países desenvolvidos para os que estão em desenvolvimento”.
*IPS de Washington para Diálogos do Sul