Pesquisar
Pesquisar

Eleição na Espanha aponta giro à esquerda e derrota histórica da direita tradicional

Mesmo assessorada por Steve Bannon, extrema-direita não foi suficiente para derrotar a união dos partidos de esquerda espanhóis
Antonio Baylos
Sul 21
Porto Alegre

Tradução:

Os resultados das eleições de domingo (28) na Espanha foram muito importantes. Estavam em jogo dois elementos muito perigosos. De uma parte, a emergência de uma força de extrema-direita, Vox, que elaborou um discurso bolsonariano, irracional e repleto de falsidades que excitava um voto reativo emocional na base da exaltação dos símbolos nacionais e da unidade da Espanha frente às pretensões de soberania catalãs e do pensamento reacionário mais pronunciado, pelo qual prometia a “eliminação da ditadura dos partidos” e sua substituição por uma “soberania nacional do povo”, atacando ainda seus dois inimigos principais: a ideologia de gênero e a imigração.

Esta extrema-direita, assessorada por Steve Bannon, que foi assessor de Trump, foi promovida a extremos impensáveis por todos os meios de comunicação, que dedicaram a ela continuamente amplos espaços para difundir seu ideário e, ao longo da campanha, demonstrou forte capacidade convocatória em seus comícios. De outra parte, esse discurso agressivo da extrema-direita conseguiu atrair pra si as duas formações de direita, centrado principalmente em atacar o nacionalismo independentista catalão, exigindo a derrogação permanente da autonomia política desta Comunidade Autônoma e querendo confinar o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e a UP (Unidas Podemos, coalizão de esquerda) em um espaço de irrelevância política como forças “não constitucionais”, acusando-as de ter pactuado com “golpistas” e “terroristas”. Este apelo à unidade nacional em uma linha de recentralização do Estado que confrontava com a estrutura territorial do mesmo prevista na Constituição, permitia colocar em segundo plano um programa econômico claramente neoliberal de baixa de impostos e privatizações, compartilhado tanto pelo PP (Partido Popular) como pelos Cidadãos como pelo Vox.

Mesmo assessorada por Steve Bannon, extrema-direita não foi suficiente para derrotar a união dos partidos de esquerda espanhóis

Foto: PSOE/Divulgação
Pedro Sanchez (PSOE) celebra com partidários, na noite de domingo, resultado da eleição

A direita se apresentava assim como uma frente tripartite que estava em condições de produzir uma importante mobilização de voto em todos os setores da população. Frente a isso, o PSOE e a UP, com uma presença pública muito ativa dos sindicatos e dos movimentos culturais, impulsionaram a necessidade de uma alta participação cidadã na eleição para bloquear essa ofensiva direitista. O PSOE tinha ao seu favor o fato de ter conseguido fazer, com o apoio da UP, um programa de reformas sociais relativamente modesto, no qual a principal medida foi o aumento do salário mínimo para 900 euros, embora outras iniciativas fundamentais, promovidas pelos sindicatos e acordadas com o governo, não tenham se efetivado.

A UP partia de pesquisas enormemente desfavoráveis, provocadas fundamentalmente por disputas internas e divisões nas confluências políticas que tinham impulsionado uma aceitação eleitoral em 2015 e 2016 desconhecida para as forças de esquerda do PSOE, além de não ter conseguido muitas de suas reivindicações sociais ante o descumprimento pelo governo de uma boa parte do que tinha sido acordado. Assim, a direita e as pesquisas de opinião prognosticavam que, mesmo que o PSOE obtivesse a primeira posição, a queda da UP impediria que pudesse reeditar o acordo com esta formação e a direita poderia obter maioria para formar o novo governo.

Os resultados, porém, não confirmaram essa tese. A participação foi muito alta em comparação com as eleições anteriores – cerca de 76% – e se produziu uma concentração de votos no PSOE como forma de rechaço à proposta das três forças de direita. Obteve quase 7,5 milhões de votos (28,7%), contra 4,3 milhões do PP (16,7%) e 4,1 milhões de Cidadãos (15,9%). Unidas Podemos perdeu as extraordinárias posições de 2015, mas não caiu como a direita esperava, obtendo 3,75 milhões de votos (14,3%). A extrema-direita, com pouco mais de 2,5 milhões de votos, chegou a 10,3%. Em função do sistema eleitoral de base provincial vigente na Espanha, a soma de deputados obtida pelo PSOE (123) e UP (42) é superior à obtida pelas três forças de direita: PP (66, o maior descalabro de sua história, pois tinha 137 nas eleições de 2016), Cidadãos (57, o que o converte em um partido em concorrência direta com o PP, pelo campo da direita) e a extrema-direita de Vox (24 cadeiras), o que dá um total de 147 deputados frente aos 165 do bloco de esquerda. Uma derrota que também se manifesta no Senado, que tem um sistema de composição majoritário.

O mais importante é apontar que as forças de esquerda não se limitam às duas formações principais. As formações políticas da esquerda soberanista obtiveram um resultado espetacular na Catalunha e no País Basco. O EH Bildu (coalizão basca) duplicou sua representação parlamentar e, na Catalunha, ERC, a esquerda republicana da Catalunha, superou seu parceiro e até então hegemônico Junts per Catalunya, do ex-presidente Puigdemont, exilado na Bélgica, convertendo-se na força decisiva do catalanismo soberanista com 15 deputados no Congresso de Madri. A estratégia de estigmatização adotada pelas forças de direita contra as autonomias políticas da Catalunha e País Basco torna impossível que estas forças possam se alinhar contra a previsível coalizão de esquerda. Somando todas as cadeiras e os votos, o giro à esquerda nestas eleições é evidente e a derrota da direita, histórica.

Agora, é preciso verificar a possibilidade de um governo progressista das esquerdas. A UP é chave para conseguir, como parceiro do PSOE, esta possibilidade, unindo outros partidos de centro esquerda e nacionalistas. No dia 1° de maio, os sindicatos que desfilarão pelas ruas da Espanha exigirão este modelo de governo que permita abrir um espaço de reformas que revertam a degradação de direitos implementada desde 2010 até 2016 principalmente. Será uma boa notícia para o país, mas também uma advertência para a Europa. O modelo português poderia encontrar uma confirmação no caso da Espanha, além do que a derrota da extrema-direita permite mostrar que sua ascensão não é impossível de ser bloqueada.

(*) Doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid; Professor Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidad de Castilla La Mancha – Madrid; Diretor do Departamento de Ciência Jurídica da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real; Diretor do Centro Europeu e Latino-americano para o Diálogo Social (CELDS).  

Tradução: Marco Weissheimer 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Antonio Baylos

LEIA tAMBÉM

Base dos EUA no Equador, que Noboa quer retomar, deixou rastro de crimes no país
Base dos EUA no Equador, que Noboa quer retomar, deixou rastro de crimes no país
Em luta contra genocídio e apartheid palestino, FEPAL realiza 11º Congresso a partir desta sexta (19)
Em luta contra genocídio e apartheid palestino, FEPAL realiza 11º Congresso a partir desta sexta (19)
Casa de las Américas Nosso total apoio à Internacional Antifascista - Doutrina Monroe
Casa de las Américas | Nosso total apoio à Internacional Antifascista
Argentina juízes que forjaram processo sobre Cristina Kirchner preparam acusação contra Maduro (1)
Argentina: juízes que forjaram processo sobre Cristina Kirchner preparam acusação contra Maduro