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Foto: José Raúl Mulino / X

Eleição no Panamá simboliza crise sistêmica que atinge democracia “representativa”

Problema de fundo está na estrutura do modelo capitalista, em que as demandas de transformação popular obtêm no máximo uma sentença favorável
Geraldina Colotti
Resumen LatinoAmericano

Tradução:

Ana Corbisier

Neste ano eleitoral, em que mais da metade do mundo foi ou está indo às urnas, 5 de maio foi a vez do Panamá, país que ocupa o último trecho da América Central e onde vivem quase 4,5 milhões de pessoas. Mais de 3 milhões de eleitores habilitados foram chamados a votar para eleger, entre os 885 candidatos, um presidente e um deputado, 71 deputados à Assembleia Nacional, 20 ao Parlamento Centro-americano, 81 prefeitos, 701 representantes de distritos e 11 vereadores, cada um dos quais com seu suplente, para o período 2024-2029.

O vencedor das eleições presidenciais, em um só turno, foi o advogado José Raúl Mulino, candidato de centro-direita pela aliança Salvar Panamá, que obteve mais de 738 mil preferências (34,41%) sobre o segundo lugar, Ricardo Lombana, do Movimento Outro Caminho (Moca), que somou mais de 536 mil (24,96%), e que se caracterizou como um partido justicialista, “anticorrupção”.

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É difícil buscar um candidato para a mudança entre os favoritos, a menos que se queira considerar o ex-presidente social-democrata Martín Torrijos (2004-2009), que faz parte do Clube de Madri, organização que reúne mais de 100 ex-chefes de Estado e de governo, da Internacional Socialista, e que teve 16% dos votos, postulando-se pelo Partido Popular. Torrijos é filho do falecido general Omar Torrijos, que viveu em um contexto em que a existência do campo socialista determinava políticas e filiações, em busca de soberania combinada com reformas sociais. E nesse quadro se inseriram as posições de Omar Torrijos, admirador do líder iugoslavo Tito e do nacionalismo de Nasser, que o inspirou para obter com o Canal do Panamá um resultado similar ao que Nasser obteve com o Canal de Suez. Em política exterior, o general apoiou o presidente socialista chileno, Salvador Allende, acolhendo refugiados depois do golpe de Pinochet, apoiou as guerrilhas sandinistas na Nicarágua e as de El Salvador e Guatemala, renovando relações com Cuba.

O partido que fundou, o PRD, mostrou suas divisões internas, começando pelo fato de que Martín Torrijos, fazendo críticas éticas e morais, separou-se dele e se postulou pelo Partido Popular. E outra integrante do PRD, a deputada Zulay Leyset, também representou outra corrente, candidatando-se como independente e obtendo 6,1% dos votos.

Crise da Democracia Representativa

Os resultados eleitorais indicam, também no Panamá, a crise sistêmica que enfrenta o modelo de democracia “representativa”. Uma crise de legitimidade do sistema de partidos tradicional que, como em muitos outros países, é um capítulo da crise estrutural do modelo capitalista, em que as demandas de transformação popular obtêm no máximo uma sentença favorável, como ocorreu no final de 2023.

Assim, os 40 dias de protestos (e 1.274 detenções e 4 mortos) resultaram em uma sentença de inconstitucionalidade sobre o contrato de vinte anos outorgado pelo governo de Laurentino Cortizo à empresa Minera Panamá, filial da canadense First Quantum Minerals, para a exploração de um grande canteiro de cobre a céu aberto. Também por isso, o candidato oficialista, o ex vice-presidente Gabriel Carrizo obteve menos de 6% das preferências, finalizando também atrás de Zulay Leyset, e de Rómulo Roux, da Mudança Democrática (Cd), que foi chanceler do ex presidente Ricardo Martinelli e obteve 12% dos votos.

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No conjunto de 8 candidatos, seis homens e duas mulheres, seis advogados e duas economistas, uma das duas economistas, Maribel Gordón, era a única candidata dos movimentos populares, e com posições abertamente a favor do socialismo bolivariano e da integração latino-americana; mas acabou no final da lista, com menos de 1%.

A votação premiou em mudança o delfim de Martinelli, este incapacitado devido a uma condenação de mais de 10 anos de prisão por lavagem de dinheiro e atualmente refugiado na embaixada da Nicarágua. E ali mesmo o novo presidente correu a abraçá-lo, assegurando que com sua eleição “acabou-se a era da perseguição política”.

Política anti-imigrantes, Assembleia Constituinte e crescimento econômico

Mulino referiu-se explicitamente às políticas anti-imigrantes de Donald Trump e ao muro de separação. Há mais de meio milhão de imigrantes no país. Mulino prometeu fechar o Darién, uma faixa de mata de 266 quilômetros que conecta Colômbia e Panamá, utilizada como rota migratória da América do Sul para a América do Norte. Também promete criar uma Assembleia Constituinte para mudar a Constituição do país, medida que permitiria destituir o Congresso e a Corte Suprema.

Também prometeu dar ao Panamá os níveis de crescimento que, na época de Martinelli, segundo o Fundo Monetário Internacional, era o terceiro país mais competitivo da América Latina e o de maior nível de crescimento econômico em relação ao produto interno bruto, apesar de ser uma das nações mais desiguais da região. O modelo econômico neoliberal, imposto durante a década de 1990 e depois da invasão estadunidense de 1989, inseriu plenamente o país no sistema globalizado e dolarizado.

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Um modelo bem representado pelo empresário Martinelli, que governou de 2009 a 2014 e que, com suas políticas neoliberais, transformou o país em um centro financeiro, provocando uma longa greve geral dos trabalhadores da construção. O governo de Martinelli também aprovou um tratado de livre comércio com outros países da região e com a União Europeia, e terminou sob investigação da justiça italiana por um escândalo de manipulação de contratos no valor de 25 milhões de dólares. Em 2014 destacou-se pelos ataques à revolução bolivariana dentro da OEA, o que levou o presidente Maduro a romper relações com o Panamá, devido às conspirações de Martinelli contra a Venezuela.

O panorama que oferecem os resultados eleitorais quanto ao parlamento – a eleição de 21 candidatos “independentes” frente a 16 tradicionais – é por sua vez um sintoma da crise institucional em um país governado por um pacto entre elites econômicas e políticas para dividir o poder e os benefícios gerados em torno do Canal do Panamá, um ponto estratégico do comércio mundial, inaugurado em 1914, motor da economia panamenha. Uma obra faraônica que permite encurtar em 12.700 quilômetros a circunavegação da América do Sul, conectando o Pacífico e o Atlântico, por onde passa 5% do comércio mundial, e que sofreu as repercussões da seca, devido à mudança climática e ao fenômeno El Niño.

Papel da China

No entanto, desde 2017, quando o Panamá pôs fim a suas relações com Taiwan e se somou à política de “uma só China” solicitada por Pequim, o canal também esteve no centro da mudança nas relações geopolíticas afetadas pela Iniciativa Chinesa do Cinturão e Rota. Em 2018, o Panamá foi o primeiro país latino-americano a aderir à Rota da Seda. Desde então, os investimentos chineses no país multiplicaram-se e as exportações para a China superaram um bilhão. 

Em janeiro de 2022, a China e a Nicarágua assinaram um memorando de entendimento para a cooperação na Nova Rota da Seda, às vésperas da cerimônia de posse do presidente Daniel Ortega para um quinto mandato, que os Estados Unidos não conseguiram impedir, apesar das tentativas de desestabilização em 2018.

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Para os Estados Unidos, manter o controle do Panamá significa evitar que se crave outro espinho em uma zona considerada de aliança estratégica, duzentos anos depois da Doutrina Monroe.

E enquanto os opositores venezuelanos enviavam convites e felicitações ao novo presidente, Mulino se apressava em expressar “preocupação com a democracia na Venezuela”, esperando “eleições justas” em 28 de julho.

* Atualizado em 28/05/2024 às 11h25.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Geraldina Colotti

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