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É possível evitar nova onda de mentiras nas eleições? Especialista avalia que não

Sérgio Amadeu avalia que extrema-direita vai fazer de tudo para vencer eleições e defende campanha educativa para prevenir oceano de fake news
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

As mensagens do candidato são enviadas “sob medida” para o usuário. Se ele se teme a nova variante da pandemia, o vídeo usa imagens do postulante emocionado, ajudando a campanha de vacinação, mesmo sendo negacionista. Artigos e mensagens políticas combinam interesses de cada um em busca de impacto. 

Com a venda do Twitter para o multibilionário Elon Musk, o receio de que a arena política de 2022 se torne ainda mais contaminada do que a de 2016 volta à tona. O fato de ele flertar abertamente com a alt right (direita alternativa) dos Estados Unidos não emite bons sinais do que esperar.

O que esperar de compra do Twitter por Elon Musk? Rede vai se tornar menos democrática?

Entre informações verídicas, consultorias fazem circular boatos e acusações contra adversários políticos de seus clientes. Estamos a seis meses da eleição para escolher um presidente eleito pelo voto — não pela manipulação eletrônica de algoritmos, redes sociais e interesses da Casa Branca, como em 2018. 

Só para refrescar a memória, em dezembro passado, os ‘FaceBook Papers’ — documentos vazados para um consórcio mundial de veículos da mídia, como Le Monde Diplomatique, The Guardian e O Estado de S. Paulo, entre outros — mostrou, por exemplo, que no dia da votação do segundo turno da eleição de Bolsonaro, 6,4 milhões de posts políticos (35% de todo o conteúdo) foram gerados por apenas 201 mil contas (3%).

Ora, a receita do logro segue a mesma: com as informações coletadas a partir das opções de navegação do usuário, empresas criam algoritmos — aptos a direcionar, de forma personalizada, a publicidade subliminar.

A população brasileira — assim como os partidos políticos — não parece preocupada em cair no mesmo golpe. Ao que se saiba, há um projeto de lei para combater fake news’no Congresso, cujo relator é Orlando Silva, do PCdoB: “Trabalho por um ambiente menos tóxico na internet”, define ele, ao completar “…não trabalho para afetar nenhuma empresa, aplicativo ou liderança política”.

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Como tecnologia e estratégias de manipulação em massa evoluem sempre, o risco de nova fraude é ainda maior. Não é à toa que “perfil do usuário de rede social tenha virado moeda valiosa na guerra do marketing eleitoral”, como relata a BBC. As operações, principalmente no Facebook, revelam muito sobre a personalidade do usuário, seus interesses, medos e opiniões.

Sérgio Amadeu avalia que extrema-direita vai fazer de tudo para vencer eleições e defende campanha educativa para prevenir oceano de fake news

Pt.org
Sergio Amadeu




Capital X Direitos Humanos

Em entrevista concedida em novembro passado à Diálogos do Sul, o professor Sérgio Amadeu, da Universidade Federal do ABC e do Comitê Científico Deliberativo da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura, falou da importância de tratados internacionais sobre o fluxo mundial de dados que respeitem a soberania dos povos no controle das suas populações — principalmente das parcelas mais fragilizadas, que são as crianças.

“Em 2022 teremos uma das eleições mais sujas da história”, avalia Sergio Amadeu

Enfatizou a necessidade de acordos globais para viabilizar mais transparência, além de uma supervisão democrática das plataformas digitais — que se tornaram gigantes, com poder superior a muitos estados nacionais.

Não demorou muito e a União Europeia, em relatório da comissão de proteção de dados da Irlanda, em fevereiro, exigiu que fossem tomadas medidas sobre as empresas do grupo Meta, dona de Facebook, WhatsUp e Instagram, exatamente por captar e armazenar dados de cidadãos europeus nos Estados Unidos.

Como seria de se esperar, o grupo do novo milionário Mark Zuckerberg não segue as leis de proteção de dados da Comunidade Europeia. Precedente aberto, problema criado. “O próprio Facebook respondeu de pronto, nas comissões de valores mobiliários, articulando seus investidores a fazer pressão contra a União Europeia, dizendo que vai tirar o serviço da rede social da Europa”, observa Amadeu, ao interpretar que, na verdade, a contenda mascara um jogo do capital contra os direitos humanos.

Seja o direito à privacidade, seja o direito humano a não ter dados sobre a vida de indivíduos manipulados e publicados de forma que ele não saiba o que está sendo realizado.

A incompatibilidade da legislação dos Estados Unidos – que dá completa supremacia ao capital no tratamento e na modulação dos dados do mundo inteiro – já estaria no radar da União Europeia há tempos. “O fato é que estamos caminhando pra ter de construir uma solução a respeito das dimensões econômica e civil dos direitos que os dados envolvem”, ressalta o entrevistado. Os dados são expressões das pessoas. E não seria legal permitir a realização de indiscriminadas correlações nocivas a pessoas espalhadas por todo o planeta.


Vacina Contra Desinformação

Infelizmente, a Europa continua muito longe do Brasil. Observador atento das redes sociais e da comunicação eletrônica, Sérgio Amadeu diz que os partidos de esquerda não estão preparados para enfrentar a desinformação em massa.

A descontextualização de fatos, a invenção de mentiras, distorção de informações, isso que se chama de ‘fake news’, seria a principal estratégia da extrema-direita mundial. E no Brasil vai ser igual de novo, aposta: tática da desinformação com discurso de ódio. “Eles têm muito dinheiro para fazer disparos, distribuição massiva e segmentada, muitas vezes micro segmentada — e de desinformação a partir dos dutos do WhatsApp e do Telegram ou outra rede”, observa ele.

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O bolsonarismo, em sua avaliação, combina uma técnica centralizada na própria família Bolsonaro e no gabinete do ódio, com grupos de ponta, distribuídos pela rede.

Como em 2018, muita gente fora do Brasil vai fazer disparos com conteúdos nefastos, por se basearem na mentira. Será que a estratégia é aquela do cachorro correndo atrás do rabo? Para o especialista, está na hora de aplicar nova vacinação em massa da população: “É preciso mostrar que a extrema-direita e o bolsonarismo só têm um jeito para tentar vencer a eleição: a desinformação”, destaca, ao sugerir uma enorme campanha antes da eleição para mostrar que vai ter um oceano de mentiras divulgadas circulando pelas ondas magnéticas.

Precisaríamos criar “anticorpos” contra a desinformação. Tudo para habilitar a população a bloquear algumas mentiras e denunciá-las. Em sua análise, todavia, não seria possível evitar aquele movimento de onda que a extrema-direita habitualmente faz.

Tais grupos soltam uma mentira pela manhã, em 15 minutos outra, sobre outro fato. “Os grupos de ódio, que ruminam mentiras, distribuem tais conteúdos em vários grupos”, exemplifica. Portanto, não seria possível correr atrás disso. Até porque, ressalta, é preciso formar uma maioria no país a favor da distribuição de renda, da reconstrução de direitos civis, defesa do meio ambiente e de uma sociedade inclusiva e não baseada na morte.


Sociedade Organizada

De acordo com o pesquisador em Cibercultura, há diversos projetos em vários países, inclusive no Brasil, que tentam restringir a distribuição de informações desvirtuadas, que ele chama desinformação.

Tem também projetos em muitos lugares que querem regular essas redes de relacionamento social que estão se tornando o polo, a esfera onde se trabalha agressão, violência, valores retrógrados e a desinformação, principalmente.

Por outro lado, ele não acredita que só legislação vá resolver esse problema. Seria necessário combinar a legislação com o controle democrático sobre plataformas, que não esteja só a cargo do Estado.

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Mas também, destaca, é preciso que se possa contar com a sociedade civil organizada — com seus representantes eleitos democraticamente. Isso é fundamental quando se fala em garantia de direitos. Ele defende que a própria sociedade se envolva no processo. Mas só isso só ainda não bastaria. É preciso ter uma grande campanha de educação.

“É vital mostrar as técnicas de desvirtuamento, os absurdos feitos pra matar a verdade a fim de construir regimes com base na mentira, nos valores retrógrados, do ataque à ciência, à educação. Isso requer ação política ampla em nossa sociedade.”

Para o estudioso, as redes digitais, a internet e a tecnologia da informação, são em geral ambivalentes. Tanto servem ao crescimento democrático, quanto à lógica fascista. Segundo ele, o bolsonarismo se tornou fenômeno, organizando, ampliando digitalmente e dando legitimidade a uma extrema-direita que estava encolhida no Brasil.

Sinal verde a defensores da tortura e tipos como homofóbicos, misóginos, favoráveis à destruição dos ecossistemas, entrega da Amazônia aos EUA, coisas que Bolsonaro sempre falou. O mundo em rede, no entanto, não é necessariamente ruim. “As tecnologias digitais também permitem que se façam articulações em favor de Julian Assange, que se desmonte a farsa da LavaJato, que se traga a educação e diálogo acima da agressão e da violência”, lembra ele.


Antropofagia à Direita

Isso estaria ocorrendo agora, com o embate entre o fascismo em sua versão digital — que ele nomeia como neofascismo — e a democracia, defendida pela esquerda. Mas quem armou o Brasil, quem assentou terreno para o Brasil ser submetido à desinformação em massa foi o PSDB, uma parte do PMDB, e Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República do Brasil de 2013 a 2017, com o desvirtuamento das funções essenciais da Justiça cometidas por alguns juízes.

O professor destaca que o movimento se deu, “principalmente, por Sérgio Moro, juiz muito limitado, que foi elevado à condição de líder pela rede Globo. Hoje vemos que ele era um operador de interesses não democráticos nem nacionais e que têm pouco a ver com combate à corrupção”. A missão dele seria destruir a esquerda e reforçar a tônica neoliberal no governo.

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“Quando eles abrem a porta do inferno, desvirtuando tanto as instituições com desinformação, eles, na verdade, abrem o caminho para um movimento que já existia no mundo, a extrema-direita, para encontrar aqui o seu ‘cavalo encilhado’, que é Jair Bolsonaro”, segue o professor.

Isso já aconteceu e teríamos a necessidade de nos precaver contra o tipo de avaliação, segundo a qual, a esquerda equivale ao bolsonarismo. “Não! A esquerda está defendendo a democracia. O bolsonarismo é o fascismo que engoliu a direita. Pessoas que falam não ser de esquerda nem de direita — e em geral, são de direita — querem defender a democracia? Pois se juntem à esquerda, que realmente está hoje defendendo os valores democráticos, o debate, a tolerância”, desabafa.

Em sua avaliação, a direita desapareceu, se encontra sob direção da extrema-direita: antropofagia. Estariam hegemonizados pelos extremistas. O docente pergunta: o que fazer com os colunistas tucanos que criaram o golpe no País, como Eliane Cantanhede e apresentam a eleição como embate entre os radicais Lula e Bolsonaro’?

Não daria sequer para comparar: “o petista foi presidente do Brasil, não destruiu as instituições, não destruiu o sistema ambiental, não quebrou regras na universidade. Pelo contrário, ampliou o número de universidades no Brasil. Já o Bolsonaro nem precisa falar: ele é o fascismo. E só está indo para a eleição por que não conseguiu dar um golpe”.

Amaro Augusto Dornelles é colaborador da Diálogos do Sul.



As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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