Pesquisar
Pesquisar
Foto: Cyril Ramaphosa / Facebook

Eleições na África do Sul: partido de Ramaphosa leva maioria, mas articula aliança para garantir reeleição

Novo presidente da África do Sul deve ser nomeado duas semanas após as eleições, quando o Congresso Nacional Africano deverá ter decidido com quem formará governo
David Soler Crespo
elDiario.es
Madri

Tradução:

Guilherme Ribeiro

A África do Sul votou por mudança. Daqui a duas semanas, quando o Congresso votar para eleger o presidente, é provável que seja o mesmo, Cyril Ramaphosa, mas isso nem está claro. Pela primeira vez na democracia, o Congresso Nacional Africano (CNA) terá que negociar após perder a maioria absoluta no país, e a continuidade de Ramaphosa, após perder quinze pontos, está em dúvida.

Ainda assim, o CNA obteve 40%, quase o dobro de seu rival mais próximo, a Aliança Democrática (AD) liberal, com 21%. Em terceiro ficou o uMkhonto weSizwe (MK), partido do ex-presidente Jacob Zuma, com cerca de 15%, e em quarto os Lutadores pela Liberdade Econômica (EFF, na sigla em inglês), de Julius Malema, que, embora tenha perdido votos, ficando com 9,5%, poderia ser o próximo vice-presidente.

O partido de Nelson Mandela, que sempre defendeu a união de todos os sul-africanos após o apartheid e fez de seu partido um símbolo nacional, acabou perdendo a maioria justamente por sua desunião. Com o nome do braço armado que Mandela fundou para lutar contra o apartheid, uMkhonto weSizwe (MK), o ex-presidente Jacob Zuma acabou por dinamitar seu antigo partido. Obrigado a renunciar em 2018 diante da ameaça de uma moção de censura de seu próprio partido por causa da corrupção que danificava a imagem do CNA, Zuma acabou se unindo este ano ao partido recém-criado.

O MK arrasou na região de KwaZulu Natal, onde Zuma tinha seu bastião, com 4X% dos votos na província, o que o levou ao terceiro lugar a nível nacional. Com uma agenda mais radical de esquerda que o CNA, de tradição socialista mas amigável com o livre mercado, o MK tirou votos do partido Lutadores pela Liberdade Econômica, que não esperava perder apoio.

Seu candidato a presidente, Julius Malema, é o ex-líder das juventudes do CNA e defende políticas marxistas, nacionalizar empresas em setores-chave e expropriar terras privadas de brancos para compensar as que a população negra perdeu durante o apartheid.

Na oposição, a AD, o tradicional partido dos afrikâners brancos, conseguiu manter a maioria absoluta no Cabo Ocidental, mas perdeu votos para partidos de extrema-direita como a Aliança Patriótica ou a Frente para a Liberdade (FFP). O primeiro centrou sua campanha contra a imigração irregular de africanos, e o segundo, que nasceu em 1994 buscando continuar com o apartheid, defende a autodeterminação dos brancos afrikâners em um Estado separado.

Alianças definirão o rumo do governo

A legislação indica que o novo presidente da África do Sul deve ser nomeado duas semanas após as eleições, então começa uma corrida contra o tempo para ver quem formará governo com o CNA. Uma opção é que o partido de Ramaphosa tente governar sozinho se não chegar a um acordo, mas o mais provável é que ele faça alianças.

As duas opções mais plausíveis são se unir ao EFF de Malema ou ao MK de Zuma. Afinal, ambos os dirigentes vêm do CNA e representam antigos eleitores descontentes do partido com o governo e atraídos por novas formas políticas.

Agora, ambos já mencionaram expressamente que não entrariam em coalizão com um governo liderado por Ramaphosa. Enfraquecido pelos resultados, ele mesmo poderia ceder o lugar ao vice-presidente Paul Mashatile. A outra opção é que seu partido o force a sair contra sua vontade, uma manobra semelhante ao que ocorreu com Zuma, que de fora lhe devolveria a moeda. Agora, como se viu com o ex-presidente, isso corre o risco de dividir ainda mais o partido e pode ser um tiro no pé.

Se acabar pactuando com o EFF ou o MK, a África do Sul empreenderia uma virada à esquerda na economia. Ambos apostam em aumentar o Estado com a nacionalização de setores-chave como energia ou mineração. Enquanto o EFF defende políticas marxistas, o MK se baseia mais no tradicionalismo zulu e buscaria concessões para a região de KwaZulu-Natal e reivindicações históricas para reconhecer a importância dos zulus, o grupo étnico majoritário do país, para a África do Sul.

No plano internacional, isso confirmaria a virada para o Sul Global com o apoio do BRICS+ à África do Sul. Na época de Zuma como presidente, a África do Sul já começou a virar para o Oriente, e isso se confirmou com a guerra da Ucrânia, com os Estados Unidos acusando o governo de Ramaphosa de fornecer armas a Vladimir Putin. Malema do EFF apoia a invasão russa como uma “guerra contra o imperialismo”, e isso pode afastar o Ocidente de um parceiro histórico na África.

Outra opção seria formar uma grande coalizão com a Aliança Democrática

Embora seja menos provável por vários motivos. Primeiro, porque o Congresso Nacional Africano teria como parceiro o segundo partido do país e teria que ceder mais peso em suas decisões no Executivo do que com os outros partidos. Segundo, porque se o CNA perdeu votos, foi precisamente por causa de sua esquerda com o aparecimento do EFF e do MK, enquanto a AD se manteve em um nível de votos semelhante nas últimas eleições.

Ou seja, se o CNA quer recuperar o eleitorado que lhe dava a maioria absoluta, deve olhar para sua esquerda e não para os liberais da AD. Fazer alianças com eles poderia melhorar a previsão econômica e a visão do país por parte dos investidores, mas significaria perder ainda mais sua essência e provavelmente cair ainda mais em futuras eleições.

Seja com quem for, a África do Sul enfrenta uma situação inédita em sua curta história democrática. Ramaphosa terá que sentar-se para negociar e ceder pela primeira vez para poder ser reeleito presidente. O legado do apartheid já não pesa tanto em um país com uma idade média de 28 anos e uma geração nascida já na democracia que anseia por empregos e um futuro econômico próspero.

elDiario.es


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Soler Crespo

LEIA tAMBÉM

Tomada de Vuhledar pela Rússia “é uma séria derrota para a Ucrânia”
Tomada de Vuhledar é "grande triunfo para Rússia" e "séria derrota para Ucrânia"
As crises globais, a construção de um novo multilateralismo e o esgotamento da ONU
As crises globais, a construção de um novo multilateralismo e o papel da ONU
Repressão transnacional dos EUA contra o jornalismo não pode virar regra, aponta Assange
Repressão dos EUA contra jornalismo global não pode virar regra, aponta Assange
Terrorismo israelense no Líbano reflete debilidade, não força
Terrorismo de Israel no Líbano reflete debilidade, não força