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Na Colômbia, igrejas católicas e evangélicas sempre estiveram ao lado do sistema opressor

Segundo reverendo Luis Fernando Sanmiguel, estrutura de ultra injustiça não valoriza vida das pessoas e valores de Deus quanto ao respeito e à dignidade
Leonardo Severo
ComunicaSul
São Paulo (SP)

Tradução:

“Nos somamos ao Pacto Histórico, com Gustavo Petro e Francia Márquez, por uma proposta de vida, por um instrumento de mudança social, política e econômica”, afirmou o reverendo Luis Fernando Sanmiguel, pastor da Igreja Comunidade Esperança, de Bogotá.

Nesta entrevista, o coordenador do programa Comunidades de Fé Teusaquillo Território de Paz, espaço que trabalha pela pacificação integral na Colômbia, Sanmiguel denunciou o “sistema de morte excludente, que é preciso confrontar e extirpar”. “Para quê? Para fazer em justiça e liberdade uma proposta de vida que é mais próxima do que a conclamamos como o reino de Deus”, enfatizou. O reverendo organiza para a próxima semana um encontro dos religiosos com Petro e Francia, em que debaterá temas como industrialização, emprego, renda, direitos, saúde e educação.

Confira:

ComunicaSul: Como é trabalhar em um território de fé e de paz em um momento de tanta agressividade e violência em que o governo descumpre acordos e que militares e milícias impõem injustiças, multiplicando os mortos?
Luis Fernando Sanmiguel: Precisamos dizer que a única razão de qualquer espiritualidade sã é levar o evangelho de paz para onde quer que se vá. Essa é a obrigação de todos: o cumprimento moral e espiritual de todos os que professam uma espiritualidade desde o Deus da vida, para que falem sobre uma mensagem transformadora e a defendam. Isso é necessário para gerarmos bons seres humanos, a fim de que se façam bons seres sociais.

Diante dos desafios que a Colômbia nos apresenta, é preciso encará-los com alto grau de responsabilidade, tornando possível a paz integral a fim de que beneficie a todos os seres vivos, humanos, flora e fauna, a todos.

A atual conjuntura é particularmente difícil, mas se vislumbra uma esperança.
Há um segundo momento que é que as comunidades de fé e as espiritualidades, todos os que promovemos o nome de Deus, caminhamos sempre com esperança, desde a utopia. Vemos a utopia como um sonho e nunca deixamos de caminhar em direção a ele. Nós manifestamos que o reino de Deus está presente entre vocês e está na Terra.

Segundo reverendo Luis Fernando Sanmiguel, estrutura de ultra injustiça não valoriza vida das pessoas e valores de Deus quanto ao respeito e à dignidade

Reprodução / Facebook
Reverendo Luis Fernando Sanmiguel, pastor da Igreja Comunidade Esperança, de Bogotá

É claro que as coisas são complexas, são difíceis, temos sistemas de morte que não nos dão nenhuma esperança. São sistemas de morte a nível econômico, social, trabalhista, educacional, espiritual e, também, religioso. Há estruturas que são sistemas de morte, mas somos conscientes de que, a partir da visão que temos, é preciso confrontar, desconstruir e extirpar todo esse sistema excludente. Para quê? Para construir, para fazer possível um reino de Deus em justiça e liberdade. 

Vocês estão trabalhando para a próxima semana a construção de um encontro com os candidatos do Pacto Histórico à presidência e à vice de Colômbia, que terá eleições agora em maio. Qual o significado desta reunião?
É preciso ser dito que as comunidades de fé, especialmente as igrejas, tanto católicas como evangélicas na Colômbia, e algumas outras em espaço bem ínfimo, sempre estiveram ao lado de um sistema opressor, de ultra injustiça, que não valoriza a vida das pessoas e nem a criação e os valores de Deus quanto ao respeito e à dignidade. Esta é a verdade. Mas há um grupo de comunidades de fé, de pessoas, de lideranças, que acreditamos no evangelho da paz, numa teologia de pacificação integral.

Nós enxergamos na proposta do Pacto Histórico representada em Gustavo Petro e Francia Márquez uma alternativa, um modelo de governo que é uma opção às diferentes precariedades que vive nosso país de 50 milhões de habitantes. 

Conforme dados do próprio Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas (Dane), um ente estatal, a Colômbia tem 21 milhões de pessoas pobres, que comem no máximo duas vezes ao dia, vivendo em média com apenas três dólares diários para moradia, transporte, educação, saúde… Há outras sete milhões e 400 mil pessoas mergulhadas na extrema pobreza, em pobreza absoluta, que sobrevivem com aproximadamente 38 dólares mensais – pouco mais de um dólar diário – e que não comem sequer uma vez ao dia. Nenhuma única vez ao dia! Não tem habitação, são moradores de rua. Segundo dito pelos próprios organismos oficiais, pessoas jogadas na pobreza extrema. Na prática, com tudo a que estão submetidos os trabalhadores, isso significa que temos cerca de 65% de pessoas em condições indignas, desumanas.

Por outro lado, a Colômbia é um país produtivo, que tem todos os climas do mundo inteiro, o que lhe permite todos os cultivos, e apesar disso está importando aproximadamente 45% dos alimentos que consome. Ou seja: importamos o que deveria estar sendo plantado pelos seus camponeses, gerando emprego aqui. É um sistema de governo que cumpre o determinado pelos Tratados de Livre Comércio (TLC) – assinados com os Estados Unidos – que empobrecem a todos: agricultores, trabalhadores, estudantes. 

Outro problema: privatizado, o ensino superior é um dos mais caros do mundo. A Constituição diz que a educação é gratuita, mas não se cumpre. 

A Colômbia está entre os cinco países mais desiguais do mundo e o terceiro mais desigual da América Latina. 

A partir de sua experiência, qual deve ser o papel do Estado para enfrentar tantas e tamanhas injustiças?
A Colômbia deve industrializar o campo, investir no desenvolvimento rural, garantir crédito para que os agricultores comprem máquinas e equipamentos, possibilitando não só que abasteçam o mercado interno, mas que possam exportar. Acredito que a proposta de Petro é esta.

Há também a preocupação e o compromisso com o uso de recursos hídricos, com energias limpas, com a exploração racional de recursos naturais de forma responsável, mais ecológicas, acabando com a exploração de minérios ilegais e irracionais. 

Petro está comprometido em investir na saúde e na educação pública e gratuita, que deixariam de ser um negócio, um serviço de exploração da população. 

Perseguido, o senhor foi obrigado a sair do país por defender a vida e testemunhou muitas mortes de jovens ao longo destes anos sombrios. Na questão dos chamados “falsos positivos”, muitos militares foram promovidos e condecorados por assassinarem supostos inimigos do Estado. O que tens a dizer?
A denúncia é que no governo de Álvaro Uribe (2002-2010) foram assassinados cerca de dez mil jovens, apresentados como caídos em combate, como se fossem membros da guerrilha. Estes “falsos positivos” são crimes de Estado. 

Obviamente a Colômbia tem também em seu sistema de terror muitos assassinatos, muitos perseguidos, muitos “falsos positivos” jurídicos, o que vem gerando temor para que reine os abusos e o medo entre a população.

De que forma vivemos esta realidade? De duas maneiras: primeiramente ao lado de Deus e, em segundo, nos protegendo com os movimentos e organizações de direitos humanos, que também estão convocados a partir de uma mensagem religiosa, teológica e libertadora.

A hora então é de construção de um novo amanhecer.
Exatamente. Este encontro com Gustavo e com Francia tem a finalidade de dizer que estamos presentes para ajudar a tornar possível esta proposta humana defendida por eles. Estamos somando desde a nossa fé, desde a nossa teologia, desde a nossa visão, desde a nossa crença para fazer possível uma proposta de vida que é mais próxima do que a conclamamos como o reino de Deus.

Estaremos juntos, especialmente as Comunidades de Fé Teusaquillo Território de Paz, conformadas por igrejas históricas como a luterana, metodista, menonita, anglicana e pastores de pequenas igrejas evangélicas e católicas não-romanas que vêm nos acompanhando neste processo. Há também comunidades muçulmanas, judias, hare krishnas e budistas que apoiam esta proposta da Colômbia humana.

Vamos dizer que lutaremos como pessoas e instituições de fé para apoiar, para restaurar, para fazer da espiritualidade, um instrumento de mudança social, política e econômica.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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