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Eleições venezuelanas na nova América Latina

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Niko Schvarz*

03420284As eleições parlamentares venezuelanas, marcadas para o domingo 6 de dezembro, concitam atenção generalizada no mundo inteiro, particularmente na América Latina.

No Uruguai se desencadeou um debate no âmbito parlamentar com relação ao envio de uma missão observadora às eleições. Esse ponto ficou prejudicado no essencial devido a decisão adotada recentemente pela Unasul (organismo continental encabeçado pelo ex presidente colombiano Ernesto Samper) de enviar uma missão eleitoral para esse fim, como já ocorreu anteriormente. Esses debates de desenvolvem em um tempo emblemático pra América Latina: o 10o aniversário do rechaço contundente à proposta da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) na reunião de cúpula de Mar del Plata, uma bofetada em pleno rosto do presidente estadunidense George Bush, criador desse acordo junto com Canadá, tendo ambos ficado isolados.

Convém refrescar a memória sobre esse fato inscrito no melhor da história continental, que culminou em 5 de novembro do ano 2005. O projeto patrocinado por EUA era um dos habituais instrumentos do império para subjugar às nações de seu presumido “patio traseiro”.  Porém, o tiro saiu-lhes pela culatra, por decisão coletiva dos governos dos países do sul, na vanguarda dos quais estavam os presidentes da Venezuela e Argentina, os falecidos Hugo Chávez e Néstor Kirchner, e também Lula do Brasil e Tabaré Vázquez do Uruguai. Foi um marco na renovada independência de América Latina no início do século XXI. O fracasso da Alca abriu caminho a formas elevadas de integração latino-americana e caribenha, que se expressam em organismos de integração como a Unasul e a Celac. Como fato relevante ficou a frase do presidente Chávez estigmatizando a iniciativa imperialista que ficou enterrada para sempre: “ALCArajo!” (ALCAralho).

Voltemos à atualidade. Em 6 de novembro a Unasul aprovou o envio de uma missão eleitoral para observar as eleições na Venezuela. Os comentários anexos destacam que dessa maneira se ratifica a transparência do processo eleitoral venezuelano ao garantir uma vez mais o acompanhamento por missões internacionais no processo eleitoral, o que tem sido questionado pelos setores opositores, que insistem em desconhecer o poder eleitoral venezuelano. Este último é sumamente importante, porque, enquanto os setores afins ao governo adiantaram que respeitarão o resultado eleitoral, a oposição tem se negado a assumir esse compromisso e já se dá por descontado que impugnará os resultados proclamados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

Esse organismo tem reiterado que em todas as fases do processo eleitoral participarão, além das missões eleitorais, técnicos de partidos políticos e outros organismos como o Parlamento do MERCOSUL, a Aliança do Povos de Nossa América (Alba), o Parlamento Latino-americano (Parlatino) e a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac).

Acrescento que vi uma extensa entrevista com a presidenta do Conselho Nacional Eleitoral, Tibisay Lucena, que foi fundo em todos os aspectos, inclusive do ponto de vista técnico. Ficou clara a transparência absoluta do processo eleitoral, que será auditado em cada uma de suas etapas, com as máximas garantias imagináveis. Não há possibilidade alguma de fraude. O resultado que se enuncie será o reflexo estrito da vontade popular expressa livremente.

Dessa forma se elegerá em 6 de dezembro os 167 deputados que integrarão a Assembleia Nacional unicameral: 113 nominais e 51 por lista, mais três representantes indígenas de forma nominal. Mais de 19 milhes de venezuelanos estão convocados a participar e será a quarta eleição parlamentar nacional desde a entrada em vigor da Constituição de 1999.

Recorde-se que em meio dessa polêmica, o Centro Carter (dirigido pelo ex presidente estadunidense Jimmy Carter, e que participou na supervisão de processos eleitorais anteriores na Venezuela), declarou que o sistema eleitoral venezuelano é “o mais perfeito do mundo”.

Quem lembrou disso foi o embaixador da Venezuela no Uruguai, Júlio Chirino, que falou à imprensa na sexta-feira 6 de novembro, numa mesa redonda num local do Frente Amplo, acompanhado da embaixadora da República de Cuba, Mercedes Vicente. Esta discorreu sobre a atual situação na ilha decorrente das novas relações com Estados Unidos.

O embaixador Chirino manifestou que as autoridades eleitorais de seu país esperavam que a Unasul pudesse definir em tempo e forma todo o necessário para poder assistir às eleições venezuelanas. Como vimos, foi isso que se decidiu poucas horas depois. Enfatizou que as eleições venezuelanas são as mais auditadas e as que recebem maior quantidade de observadores internacionais em todo o mundo. Também agradeceu os esforços da Corte Eleitoral do Uruguai (que participou de processos anteriores) para conseguir a participação da Unasul.

Por outro lado, observou a falta de compromisso democrático dos partidos de oposição que questionam o funcionamento do organismo eleitoral, apesar de que o utilizam em suas eleições internas e também, “participaram das dez auditorias realizadas até agora e assinaram as atas em que reconhecem a validade do processo”, porém, em seguida nos meios de comunicação internacionais anunciam sua falta de confiança no sistema eleitoral.

Também se referiu à campanha mediática contra Venezuela realizada em grande escala, entre ouros meios pela CNN. Recordou o golpe de estado de 2002 contra Chávez, depois das violentas manifestações realizadas pela oposição que provocaram 17 mortos, as provocações na fronteira com Colômbia, os problemas econômicos derivados da baixa do preço do petróleo e a especulação com o tipo de cambio. Afirmou  que a construção da paz é seu principal objetivo. Voltou a insistir sobre os ataques à revolução bolivariana no exterior, particularmente no importo do norte, com a absurda acusação de que Venezuela constitui uma ameaça à segurança de Estados Unidos.

Com efeito: em março de 2015 a Casa Branca emitiu um decreto executivo em que cataloga Venezuela coo “ameaça inusual e extraordinária à segurança nacional”. O porta-voz do Departamento de EStado, John Kirby, manifestou estar “preocupado” com a “falta de independência do poder judiciário na Venezuela. Em junho a coordenadora para Contra-terrorismo do Departamento de Estado, Tina Kaidanow, acusou Venezuela de “não cooperar completamente” com os esforços anti-terroristas do governo de Washington.

Em agosto, outro funcionário do State Department, Mark C Toner, solicitou que alguns opositores venezuelanos, inabilitados por ações penais, pudessem participar no processo eleitoral. Em setembro o secretario de Estado John Kerry gritou o processo contra Leopoldo Lopez. A tudo isso se agrega as múltiplas atividades do Comando Sul de Estados Unidos, que mantém bases e estações na Argentina, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Guiana, Haiti. Honduras, Jamaica, Panamá, Paraguai, Perú, República Dominicana, Suriname e Trindade y Tobago, além de ter em sua zona de influencia o Canal de Panamá. Com a desculpa de combater o narcotráfico tais forças exercem trabalhos de inteligência e de apoio técnico e financeiro a militares com o fim de obter colaboração nas áreas de segurança.

Segundo informação publicada pela página web da Venezuelana de Televisão, existem dois documentos elaborados e subscritos por especialistas do exército de Estados Unidos e o Comando Sul, os quais indicam que desde 2008 e até 2020 o governo de Washington mantém uma agenda com “emprego de forças estratégicas e armas de destruição em massa, guerras de teatro principal, conflitos regionais e contingências de menor escala” no hemisfério sul. De acordo com esses documentos, durante o período que media entre os anos mencionados preve-se “apoiar energicamente o financiamento militar estrangeiro para que nossos países sócios possam adquirir serviços e treinamento militar de Estados Unidos”.

Também destaca a participação de Estados Unidos em golpes de Estado na Venezuela e América Latina, o mais recente a derrubada por horas do presidente Hugo Chávez em 2002. Posteriormente se soube que o embaixador de Estados Unidos na Venezuela, Charles Shapiro, manteve contato com os participantes no golpe, inclusive com o dono de Venevisión, canal que transmitiu as imagens manipuladas para justificar o golpe. Em 2006, o chefe de inteligência de EUA, John Negroponte, declarou que o presidente Chávez era uma ameaça à democracia venezuelana e à estabilidade na região. Nesse mesmo ano, Estados Unidos realizou manobras militares pela litoral venezuelano no mar Caribe com apoio da OTAN e com o comando na base militar de EUA em Curaçau, estabelecendo presença militar permanente na República  Dominicana, Curaçau e Aruba.

O ministro da Defesa de Venezuela, Vladimir Padrino López, rechaçou as declarações intervencionistas do chefe do comando sul de Estados Unidos, John Kelly, comprometendo-se com a defesa da soberania e com os princípios de não intervenção e autodeterminação dos povos

Tempo de inflexão, segundo García Linera

Devemos apreciar o conjunto desses fatos à luz da nova situação criada na América Latina desde o início do novo século, com o surgimento dos governos das forças progressistas, analisando também o estado atual em que se encontra o processo. Para isso vamos apelar para a interpretação dada pelo vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, em sua magistral dissertação no Paraninfo da Universidade Nacional há alguns dias.

De seu ponto de vista, estamos em um tempo de inflexão. Na América Latina atravessamos  uma década virtuosa de governos progressistas, porém, agora o processo não está em seu melhor momento. Ha problemas na Argentina, no Brasil, na Venezuela, no Equador, em Cuba. Fala-se  de um suposto fim do ciclo progressista e revolucionário. Diante disso, que faremos? O que vai ocorrer a partir de 2016?  “Cada experiência latino-americana aportou uma forma de construir um bloco de poder, em que os companheiros que viemos de diferentes correntes, de distintos partidos, nos perguntávamos sobre tudo o que tínhamos em comum antes de quais as diferenças”. Além da necessária autocrítica, deve-se tomar em conta, como dizia Hegel, que reconhecer o problema é uma maneira de superá-lo.

Conclusão: “A solução não é a recessão, não é a maior concentração de poder. A solução é mais democracia, mais participação, maior distribuição dos bens comuns. Temos que defender a democracia, não nos paralisando. Temos de defender o democrático do nacional, do continental, produzindo mais democracia, melhor democracia”. Tudo isso no marco da mais ampla unidade.

*Colaborador de Diálogos do Sul, de Montevidéu, Uruguai.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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