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Francamente: oligarquias e plutocracias não são elites*
Ceci Juruá*
Elites são indivíduos ou grupos de pessoas simbolizando o que há de melhor em determinado segmento social. Assim, na atualidade temos uma elite em matéria musical, representada tanto por Chico Buarque, Maria Bethânia, quanto por Egberto Gismonti e Hamilton de Holanda. E por muitíssimos, centenas ou milhares de compositores e intérpretes reconhecidos e amados no plano nacional e internacional.
Nos anos 1950 o Brasil dispunha de uma plêiade de homens ilustres no campo das ciências exatas e sociais. Todos com reconhecimento mundial. São exemplos Celso Furtado, Darcy Ribeiro, José Leite Lopes, Josué de Castro, Milton Santos, Nelson Werneck de Castro, Moniz Bandeira e outras dezenas de intelectuais, autores de obras clássicas e de alta qualidade que enriqueceram a cultura nacional.
Tão significativo avanço cultural daquela época, não bem reconhecido nem analisado no Brasil, pode ser ilustrado por dois fatos. Primeiro, a outorga da Palma de Ouro de Cannes ao Pagador de Promessas, filme escrito e dirigido por Anselmo Duarte, com base na obra de Dias Gomes. Segundo, o expurgo feito em nossas universidades pela ditadura civil-militar instalada em 1964. Para muitas pessoas, e aí se inclui a autora deste texto, este foi o maior crime já cometido contra a cultura nacional, o alijamento da elite, da nata de nossos cientistas, condenada ao exílio por longos anos.
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*Artigo publicado no blog O Cafezinho, em 11-05-2017
Ditaduras não gostam de conviver com elites independentes, homens e mulheres dedicados à procura da verdade no sentido filosófico do termo, elites não subordinadas ao deus mercado, não conduzidas pela idiotice do custo-benefício à moda de Chicago.
Principalmente as ditaduras que se colocam em subordinação ideológica ao exterior, aos centros imperiais, como foi o caso naquela época. Ainda, iniciou-se ali, na ruptura democrática de 1964, a montagem de outra narrativa para o mundo e para o Brasil, pois estavam sendo lançadas as bases ideológicas do pós-modernismo e da Nova Ordem Mundial.
Oligarquia tem outro sentido, refere-se a um sistema político em que o poder de Estado se concentra em algumas famílias. Também distinto é o sentido de plutocracia, que aponta para um governo controlado pelos mais ricos, os endinheirados.
A Revolução brasileira de 1930 desmontou oligarquias e plutocracias que governavam o Brasil desde a abdicação de D. Pedro I, em 1831. Elas foram também o principal suporte político de D. Pedro II, instalando-se no Conselho de Estado, no Senado, e nos gabinetes ministeriais a serviço da plutocracia mundial do Império Britânico.
Aos oligarcas nacionais, nossos mestiços descendentes de portugueses, índios e africanos, somaram-se no controle do Estado grupos de riqueza constituída no comércio, sobretudo no comércio exterior. E imigrantes provenientes da Europa e da América do Norte, ao final do século XIX, fugindo à grande recessão que atingiu o primeiro Império mundial do capital. Imigrantes endinheirados apropriaram-se das finanças, dos transportes e comunicações, da energia elétrica, e do comércio exterior. Em seguida controlaram o Estado na República Velha, exemplo clássico de governo oligárquico a serviço da plutocracia mundial.
Há estatísticas. Para a província de São Paulo, renomeada “estado” na sequência republicana, dirigiram-se 1,5 milhão de imigrantes entre 1889 e 1913, de origem italiana majoritariamente. Estatísticas organizadas por ocupação e por nacionalidade evidenciam maioria de estrangeiros nas atividades do setor primário, em percentual superior a 60%. Nos setores industrial e artesanal, a presença de estrangeiros foi equivalente à de brasileiros nas atividades de metalurgia e de madeiras (52,2% e 49,9%, respectivamente).
A magnitude da imigração para São Paulo é indicada ainda pelo percentual na população ativa em 1920: estrangeiros constituíam 35,5% da soma de PEA e PIA naqueles anos posteriores à Primeira Guerra Mundial. (idem, p.306).
É provável que parcela da elite a que nos referimos seja proveniente da oligarquia e da plutocracia domésticas. Bom exemplo, ou talvez o mais conhecido, é Caio Prado Júnior, autor da primeira História Econômica do Brasil de viés marxista. Também Roberto Simonsen, empresário da construção civil, deputado federal e senador, dedicou-se à nossa história e publicou, em 1936, a pioneira História Econômica do Brasil. Mas estas são coincidências singulares que não justificam confundir elites brasileiras com as oligarquias e plutocracias que se sucederam entre nós desde a “segunda independência” (1831).
A diferenciação elites x oligarcas/plutocratas ajudaria a entender o atual momento político brasileiro. Nota-se hoje a intenção de voltar ao poder de Estado por parte de famílias oligárquicas do passado. E ainda a constituição de novas oligarquias no cenário político, onde se sucedem pais e filhos-as no comando dos três poderes da República.
Há também, no momento atual do Brasil, um retorno à plutocracia, efeito do capitalismo sob dominância financeira. Há famílias plutocráticas do século XIX que estão de volta e comandam setores estratégicos da economia brasileira, muitas têm origem estrangeira e apego ideológico e cultural às doutrinas e ideologias formuladas nas pátrias de origem.
Algum conhecimento sobre o século imperial de nosso país, e sobre a governança mundial daquela fase, permitiria aprofundar o sentido da ruptura política que afastou Dilma Rousseff e da tentativa inescrupulosa de liquidar o Partido dos Trabalhadores, como outrora se fez com o Partido Trabalhista Brasileiro.
Estariam, por hipótese, oligarcas e plutocratas, procurando reorganizar agora o arco de alianças que gerou o subdesenvolvimento brasileiro? Seriam eles, senhores e vassalos históricos do deus mercado, os principais formuladores de um poder espúrio? Espúrio porque contrário à soberania popular. Seriam eles ainda os engavetadores de nossas conquistas democráticas e dos direitos pactuados na Constituição Cidadã de 1988? É provável, devemos pesquisar.
Elites brasileiras, por outro lado, foram os intelectuais e os cientistas dedicados à reinterpretação de nossa História, expurgando-a das “tolices da inteligência brasileira” . Nossas elites são os que contribuíram para a formação da cultura brasileira no campo da Ciência e das Artes, são os trabalhadores capazes de se auto-educar e vencer os desafios colocados em etapas recorrentes de modernização tecnológica.
Elites ainda são os jornalistas livres e independentes, com seus blogs e toda espécie de mídia digital, que nos permitem revigorar esperanças e forças a cada dia. Mas elites incluem também políticos comprometidos com as aspirações históricas do povo: desenvolvimento com justiça social, soberania e democracia. Aspirações ratificadas por ocasião da formação da Nova República.
A reconfiguração simbólica das elites brasileiras permitiria ainda entender melhor a força de Lula e a convergência entre sua personalidade pública e o inconsciente coletivo, ou legado cultural e afetivo de pais e avós dos brasileiros. Lula foi o governante que nos representava bem, com virtudes e vícios, qualidades e defeitos, acertos e erros. Diferente de um estadista, figurino getulista, do democrata estilo JK, da liderança autoritária mas eficiente de Geisel, sem o ardor revolucionário de Marighella, nem o conservadorismo impoluto de Dr. Ulysses. Lula foi um pouco de todos eles: líder, estadista, eficiente, revolucionário, e até conservador. O mélange, a síntese.
Figura emblemática e de difícil compreensão para teóricos que utilizam modelos, tipos ideais. Comparativamente à obra política e nacionalista dos citados, Lula pode até ser minimizado quando segmentado. Para o “velho barbudo” contudo, que desvendou a dinâmica das sociedades capitalistas, um homem público, um líder e sua obra, só podem ser analisados à luz das circunstâncias e do contexto histórico.
Com esta compreensão, por esta ótica, Lula é o gigante brasileiro que desafiou os patrões neoliberais. Saindo dos sertões, sobreviveu com dignidade na metrópole regional do capital, amou o Brasil e os brasileiros a ponto de se tornar “O hospedeiro de nossos sonhos”. É também uma síntese de nossas melhores elites contemporâneas. Um personagem à procura de um autor do porte de Euclides da Cunha.
*Ceci Juruá, economista e pesquisadora independente, mestre em desenvolvimento e planejamento econômico, doutora em políticas públicas, membro atual do Conselho Consultivo da CNTU e colaboradora de Diálogos do Sul