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Em entrevista, Lula condena lawfare, defende integração da América Latina e critica pressão do FMI sobre a Argentina

Reaparecendo, prestes à absolvição total, o brasileiro criou muita emoção nos irmãos vizinhos argentinos, solidários diante da catástrofe da pandemia
Helena Iono
Diálogos do Sul Global
Buenos Aires

Tradução:

O canal argentino, TV C5N, após noticiar a decisão da Plenária do STF que votou a incompetência da 13a. Vara Federal de Curitiba e restituiu direitos políticos ao presidente Lula, transmitiu uma entrevista especial ao programa Minuto Uno, de enorme audiência no país, ancorado por Gustavo Silvestre, durante um horário nobre.

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Lula vitorioso, reaparecendo, prestes à absolvição total, criou muita emoção nos irmãos vizinhos argentinos, solidários diante da catástrofe da pandemia, com inegáveis evidências políticas de genocídio provocado por Bolsonaro no Brasil.

Lula não perdeu a oportunidade de dirigir-se ao povo argentino e diretamente ao presidente Alberto Fernandez, agradecendo a solidariedade que lhe deu ao visitá-lo na prisão em Curitiba pouco antes da sua eleição. Transcrevo tradução de partes do vídeo gravado em castelhano.

Reaparecendo, prestes à absolvição total, o brasileiro criou muita emoção nos irmãos vizinhos argentinos, solidários diante da catástrofe da pandemia

Youtube | Reprodução
Significativa entrevista de Lula ao canal C5N causa emoção na Argentina

Lula, recordou os anos flóreos da América Latina unida e progressista:

“Eu tive o prazer, o privilégio de viver os momentos mais ricos da política da América do Sul. Eu governei ao mesmo tempo que Michel Bachelet (Chile), Kirchner e Cristina na Argentina, Evo na Bolívia, Rafael Correa no Equador, Chávez na Venezuela, também Pepe Mujica, Lugo no Paraguai, um conjunto de presidentes. E quando nós compusemos a UNASUL, era possível sonhar e pensar num grande bloco na América do Sul para poder competir política e economicamente com os demais blocos, sobretudo com a Europa e os EUA. Foi um momento muito rico durante a minha presidência e uma ascensão muito grande da América do Sul em toda a história. Eu me lembro quando Kirchner se tornou presidente da Argentina; me lembro qual era a situação do país naquele momento e como o recuperou.”

Lula fala como líder mundial, solidarizando-se com o povo e governo argentino, diante da desgraça da pandemia disseminada na terra arrasada deixada pelo governo anterior:

“… Por isso, neste momento, eu me preocupo e sei como o presidente Alberto Fernandez encontrou a Argentina, com a que ele tem entre as mãos, com a dívida enorme que o outro presidente (Macri) fez. Por isso, quero aproveitar o teu programa (se dirige ao jornalista)  para dizer que o povo argentino tem esse presidente com um compromisso enorme; e o FMI não pode fazer pressão à Argentina, não pode cobrar a dívida da Argentina e tampouco os juros da dívida argentina. O FMI tem que entender que o presidente Alberto Fernandez tem que ter um compromisso urgente e prioritário que é salvar a vida de milhões de argentinos que podem morrer pela falta de recursos para o crescimento econômico; por isso o FMI não pode cobrar o que a Argentina lhe deve porque um presidente irresponsável (Macri) deixou essa dívida para o presidente Alberto Fernandez pagar. Estou muito solidário com o presidente Alberto Fernandez e o povo argentino e quero dizer algo: a Argentina não pode aceitar a pressão do FMI.”

“… Eu gostaria de aproveitar a oportunidade para mandar uma mensagem ao povo argentino no teu programa. Eu sei das medidas duras que tomou o presidente Alberto Fernandez ontem (se refere ao Decreto 241 pela emergência pandemia). E é necessário tomá-las. Sei que isso é muito duro, mas as pessoas têm que tomar consciência de que não sabem em nenhum lugar do mundo como se vence este vírus. Aqui já houve a terceira variante deste vírus. Portanto, mesmo que alguém não esteja de acordo, é importante tomar estas medidas. As pessoas não devem sair da sua casa, não devem celebrar, ir aos restaurantes, as crianças não devem ir às escolas até que se diminua a gravidade do vírus; e então, a economia se retomará, com todos os cuidados necessários. Não podemos levar os pobres a um genocídio total porque as pessoas já não têm o que comer na sua casa, não têm emprego, não têm casa. Há que cuidar das pessoas. Primeiro a gente se cuida, e depois cuida da economia. Eu aqui no Brasil, defendo abertamente uma ampliação da base monetária. Não há nenhum problema aumentar a dívida pública interna para poder cuidar do povo. Há que salvar a vida de milhões e milhões de brasileiros e argentinos. Os ricos não se preocupam com os pobres. É preciso assumir as suas responsabilidades. O governo tem que cuidar do seu povo e os mais pobres necessitam mais do seu governo que os ricos. Espero que todos compreendam isso. Porque aqui no Brasil defendo que as pessoas fiquem na sua casa, que usem máscaras, e que as pessoas que trabalham tenham um bom transporte, limpo, máscaras adequadas, que se possa higienizar nos lugares de trabalho.”   

“… Portanto, minha solidariedade ao presidente Alberto Fernandez, a minha companheira Cristina Kirchner,  que é tão perseguida na Argentina como me perseguem no Brasil. Estou seguro que Cristina, como eu, vencerá seus processos na Argentina.”

Decreto Nacional de Urgência de Alberto Fernandez

Um parêntesis sobre a referência de Lula ao Decreto Nacional de Urgência (DNU 241/2021) de Alberto Fernandez:

Veja a Coletiva do governador Axel Kicillof onde defendeu as medidas de restrição por 15 dias decretadas pelo governo nacional e rebateu a resistência do prefeito da capital, Horácio Larreta, e da oposição (Cambiemos-PRO) que politiza e judicializa a pandemia.

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Macri e a ex-ministra da segurança, Patricia Bullrich se articulam para abertamente desestabilizar o governo democraticamente eleito de Alberto Fernandez, no pior momento da pandemia e da crise sanitária que se aproxima do colapso dos hospitais, das camas e do pessoal médico de terapia intensiva (privados e públicos), sobretudo na capital (epicentro da pandemia) e no subúrbios adjacentes (AMBA).

Essa oposição, num ato imoral, decidiu apelar à Justiça contra o Decreto presidencial, sobretudo no quesito de suspensão da aula presencial nas escolas (somente por 2 semanas); o objetivo da oposição é claro: agarrar a bandeira da educação (com a qual pouco se preocupou), opor-se e atear fogo, de forma oportunista – diante de uma medida necessária, mas antipática – dirigindo-se ao seu público neste ano de eleições legislativas.

Dizem defender a educação os que reduziram o Ministério da Educação, cortaram salários e o Plano conectar dos notebooks.

O decreto presidencial implica sobretudo no fechamento das atividades recreativas, sociais, esportivas, culturais e religiosas; fechamento de comércio, bares e restaurantes às 19 horas, e circulação noturna, entre 20 horas e 6 horas da manhã seguinte; não incide em nenhuma atividade diurna comercial, nem econômica, industrial ou de instituições públicas como na fase 1 da quarentena de 2020.

Além disso, virão acompanhadas, neste período, de ajuda emergencial do Estado nacional às mães grávidas e de baixa renda (AUH),  e subsídio de emergência para trabalhadores autônomos (IFE), e empresas no pagamento de salários. O decreto inclui também a virtualidade das aulas por 15 dias.

O DNU impõe medidas urgentes na área metropolitana da capital (epicentro pandêmico) para conter a subida abrupta e inesperada da pandemia (com novas variantes), o colapso sanitário, chegando hoje a 59.228 mortes; e desta forma, ganhar tempo com a vacinação massiva, liberação de camas, antes da catástrofe e medidas mais drásticas.

São medidas mínimas, mas suficientes para acelerar o oportunismo provocador da oposição, que levaram os ministros da Defesa e da Segurança, a ter que esclarecer a sua cidadania, e o povo brasileiro sobre a falsidade da notícia espalhada por Bolsonaro de que o governo argentino decretou colocar “o exército na rua para manter o povo na casa”.

Diga-se de passagem, os que espalham tal fake news, numa alusão à ditadura militar, são também afins à repressão dos anos 70.  São os de sempre, que acusam de haver uma “infectadura”, os anti-quarentena, anti-vacina (sobretudo se chinesa ou russa), os prefeitos instigados por Macri ao anti-DNU.

Diante do twitter de Bolsonaro, Alberto Fernandez esclareceu na Rádio 10 : “Não declarei o estado de sítio, nem penso fazê-lo. As Forças Armadas não existem para realizar segurança interna, mas para atuar em catástrofes dando apoio ao povo. É preciso explicar-lhe a Constituição”. 

O ministro da Defesa, Agustín Rossi, tem esclarecido: “As Forças Armadas argentinas não realizam segurança interna. Desde o início da pandemia, o setor Sanitário Militar tem trabalhado na luta contra o covid. Somente em prevenção sanitária, durante o dia, desarmado como em todas as ações que fizemos durante a pandemia.”

A atuação do exército tem sido na construção de hospitais modulares, transporte de vacinas, no apoio ao pessoal médico nos centros de vacinação. O controle nas estações, transportes públicos e estradas, em função das restrições de circulação, competirá à Polícia Federal (e da capital) e Portuária.

O lawfare está moribundo, mas não está morto

Várias fatos no campo Judicial ocorreram nos últimos tempos bastante desfavoráveis à oposição (JxC): o avanço dos processos que incriminam o ex-presidente Macri em torno a causas do Correio Argentino, da perseguição aos donos do Grupo Indalo (proprietário do canal C5N), sem contar as recentes revelações das visitas periódicas de certos juízes, procuradores e jornalistas do lawfare na casa presidencial de Olivos durante a sua gestão.

Em contrapartida, nesta semana, foram anulados processos infundados sobre o Dólar Futuro contra Cristina Kirchner, Axel Kicillof e outros dirigentes kirchneristas. O início da queda dos pilares do lawfare na Argentina (como no Brasil) nos últimos meses, permitem entender a histeria no campo opositor dos últimos dias. 

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Os donos do Grupo Clarín (Héctor Magnetto), do La Nación, o jogador de futebol Tevez e uns 80 milionários apelam à Justiça para não pagar o imposto sobre suas grandes fortunas, contrariando a lei já aprovada no Parlamento que serviria à emergência para salvar vidas na pandemia.

Enquanto isso, Cristina Kirchner renunciou ao seu salário de vice-presidenta ao vencer uma causa (criada por Macri) na qual recuperou a sua aposentadoria como ex-presidenta.

Enfim, como alguém disse, a chamada rachadura entre as duas forças políticas opostas hoje na Argentina, se expõe também uma rachadura moral, não apenas de posicionamentos políticos opostos; dos negócios contra a vida; do ódio contra o amor à humanidade. Desestabilizar o governo progressista e popular de Alberto Fernandez agora, politizando e institucionalizando a pandemia é imoral. Assim o lawfare, levou Bolsonaro ao poder e daí ao genocídio. 

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A recente notícia de que a Justiça local da capital de Buenos Aires, descumprindo o DNU presidencial, deu o aval ao prefeito da cidade, Horacio Larreta, para ordenar as aulas presenciais nas escolas, agrava os riscos sanitários e a crise política entre o governo nacional e a oposição.

Tal desacato, após a morte recente por Covid-19 de 3 professores na capital, é rechaçado pelos sindicatos dos professores (UTE e Ademys) que já decretaram greve inicial (24 horas) com apoio da maioria dos pais e familiares. Outros sindicatos (CTERA, ATE Capital e de funcionários do Poder Judicial) se mobilizam contra o que chamam sedição de Larreta que põe em risco a governabilidade e a saúde pública. Uma nova tentativa de politização da Justiça, de lawfare em pandemia, contando com juízes parciais em tribunais municipais incompetentes. Tudo indica que haverá reações a nível de governo da nação, do ministério da Justiça e da Saúde para preservar a Constituição e a vida.

Lula e o lawafare

Lula foi claro:

“O lawfare é o uso do poder Judiciário para processos políticos. Isso aconteceu com Cristina Kirchner na Argentina, com Rafael Correa no Equador, com Evo Morales na Bolívia… No caso do Brasil, o mais grave é que havia interesses do departamento de Estado dos Estados Unidos, das petroleiras americanas, das empreiteiras americanas… Queriam destruir a indústria de petróleo e gás”

 “A América Latina e a América do Sul perdem com os governos fascistas e de direita, pois quase todos se submetem e se subordinam  aos EUA, quando na realidade o que temos que fazer é construir nossa pátria, uma pátria grande, livre e independente que não tenha problemas e conflitos com nenhum outro país. América do Sul pode ser isso. O Mercosul pode ser isso. Nunca vou me esquecer que em Mar Del Plata em 2005 quando deixamos de lado a tese da ALCA e fortalecemos e reforçamos a UNASUL.”….  “Por isso, eu creio que a democracia, vai voltar,  e espero poder participar deste processo que devolverá ao Brasil a esperança, a alegria, a possibilidade de construir um país que seja melhor, porque o que já fizemos entre 2003-14 é possível, que o Brasil seja sócio da Argentina, do Chile, de Bolívia, da Venezuela, do Equador, do Uruguai, da Colômbia. Isso é possível! Já fizemos isso uma vez. E podemos fazê-lo uma vez mais”

O lawfare na América Latina pode estar moribundo, mas não está morto. É um grande desafio derrotar o lawfare, recuperar-se da destruição dos patrimônios nacionais, recuperar as economias para os excluídos, fortalecer os governos progressistas, tendo ainda que vencer a pandemia.

Mas, Lula reconquistou seus direitos políticos e com isso acendeu uma luz de esperança no fundo do túnel para toda a região latino-americana.  Mas, acendeu também o farol vermelho do alerta à guerra ao vírus, do chamado aos governantes mundiais, pela quebra das patentes e vacinação internacional, massiva e solidária.

Assista aqui: Entrevista ao Lula no C5N

Helena Iono, colaboradora da Diálogos do Sul direto de Buenos Aires.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Helena Iono Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

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