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Em Lisboa: Associação 25 de Abril recusa ir ao Parlamento

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

A Associação 25 de Abril ( A25A) recusou o convite para estar presente nas cerimónias oficiais do 39. º aniversário da Revolução dos Cravos, na Assembleia da República, revelou seu presidente, coronel Vasco Lourenço. Esta é a segunda vez – e consecutiva – em que a A25A não participa nesse evento. Para a associação, numa mensagem alusiva às celebrações, “assistimos e sofremos na pele ao destroçar de muito do que de bom se conseguiu, ao retrocesso para ‘ tempos da outra senhora’, à destruição do Portugal de Abril e ao abrir de portas a novas escravidões, à iniquidade, à perda de soberania”. Porém, “estamos a lutar, com as armas que a Democracia conquistada com Abril ainda nos permite, contra os novos tiranos que nos roubam o pão, o trabalho e a soberania”, garantiu a A25A, adiantando: “Estamos a lutar contra a corrupção […] e exigir a punição dos seus autores.” Além de responsabilizar o Chefe do Estado, o Governo e o Parlamento pela dimensão da crise em Portugal, a A25A criticou “as oposições políticas ou sindicais” por serem “incapazes de apontar alternativas”. Em comunicado a Nação, Vasco reitera estar convencido de que “o próximo 25 de Abril será aproveitado pelos democratas portugueses, em especial pelos militares de Abril, para mostrar o profundo desacordo com a prática dos (des)governantes e para evidenciar a sua forte determinação em recuperar Abril. Aqui fica meu apelo a todas e a todos: participem nas várias comemorações que  haverá por todo o país. (In DN/Lisboa e A25A).

Pela importância e atualidade, certo de que ajuda a compreender a conjuntura portuguesa reproduzimos o Pronunciamento de  Vasco Lourenço nas comemorações de 25 de Abril do ano passado. Válido porquanto nada mudou e por que foi omitido pela mídia conservadora. 

25 de abril

Companheiros e companheiras de Abril

Aqui estamos nós, mulheres e homens de Abril, a comemorar o “dia inicial, inteiro e limpo”, o dia em que se abriram as portas a todos os sonhos!

Fazemo-lo no local próprio, face à situação a que chegou o nosso país. Fazemo-lo numa perspectiva de festa pela ação libertadora, mas também numa perspectiva de luta pela realização dos ide

ais e valores que há 38 anos nos lançaram na procura de uma sociedade mais livre, mais justa, mais solidária.

Há 38 anos, os Militares de Abril pegaram em armas para libertar o Povo da opressão e criar condições para a superação da crise que então se vivia.

Fizeram-no na convicta certeza de que assumiam o papel que os Portugueses esperavam de si. Hoje, não abdicando da nossa condição de cidadãos livres, conscientes das obrigações patrióticas que a nossa condição de Militares de Abril nos impõe, sentimos o dever de tomar uma posição cívica e política na defesa dos mesmos valores de Abril que enformam a Constituição.

É a mesma ética e moral que nos conduziu em Abril que no-lo impõem!

Fazemo-lo, não apenas, como militares, mas sim como cidadãos de corpo inteiro, quequerem contribuir para pôr termo ao “estado a que isto chegou”, como diria Salgueiro Maia.

Temos de ser capazes de vencer o medo, a apatia, o conformismo, a inevitabilidade com que nos querem amarrar. Temos de ser capazes de dizer não ao atual estado de

coisas e voltar a sonhar!

Não somos donos do 25 de Abril. Desde o próprio Dia da Libertação que ele pertence ao povo português! Não abdicamos é de também o considerarmos nosso, pois nós

também somos povo!

Companheiras e companheiros de Abril,

Não podemos culpabilizar o 25 de Abril pela contínua atitude dos responsáveis políticos que, com a sua acção desbarataram a nossa confiança, destruíram esse bem

precioso e vêm demonstrando não estar à altura das funções para que foram escolhidos.

O que nos coloca numa situação verdadeiramente dramática: a perda de confiança dos cidadãos nos seus dirigentes é bem mais perniciosa do que a dívida pública!

O eleito tem de ter uma permanente preocupação com o que o eleitor quer dele, com os seus anseios, as suas necessidades. O poder não é do eleito, mas sim do eleitor,

que apenas lho outorga temporariamente. Por isso, o eleito não pode, uma vez escolhido, vender-se a outro qualquer poder, nomeadamente ao poder económico e

financeiro.

Hoje, os eleitos já não representam a sociedade portuguesa, por isso temos de ser capazes de mudar a situação: quer através de uma maior participação nas escolhas,

que impeçam que o Presidente da República tenha sido escolhido por menos de 25 por cento dos eleitores, quer através de um maior e melhor controlo da acção dos

eleitos. Já se provou que estes não podem ser deixados em “roda livre”, temos de ser capazes de encontrar fórmulas de uma melhor prestação de contas, por parte deles, e de um mais eficaz controlo da nossa parte.

É tempo de chamarmos à responsabilidade quem, tendo-a não cumpre os deveres que essa mesma responsabilidade lhe impõe.

Não tenhamos dúvidas: a corrupção, o compadrio, o lobismo corporativo e a abjecta mistura e dependência entre o poder político e o poder económico/financeiro

parasitário – parasitário porque não é produtivo – não são mais do que resultados do sequestro da democracia portuguesa por aparelhos partidários fechados sobre si

próprios que, sistematicamente, procuram inibir a participação política dos cidadãos e, até, dos seus próprios militantes!

Estamos certos que alguns irão procurar, a partir da Assembleia da República eleita, legitimar a rendição nacional à ditadura dos “mercados”.

Por considerar que, nas atuais condições, a Assembleia da República não representará efetivamente os portugueses, queremos aqui proclamar que o povo

português, verdadeira e única fonte de soberania, não concede a essa Assembleia da República, independentemente da composição que venha a ter, o poder de entregar a

Soberania Nacional, tendo, ao contrário, o dever e a responsabilidade de se opor firmemente a tais desígnios.

Companheiras e companheiros de Abril,

Acabei de reler algumas das passagens da intervenção que aqui fiz há um ano, quando este governo não estava em funções. Podia ter relido toda a intervenção.

Fica assim claro que as recentes atitudes por nós tomadas não são conjunturais, não são partidárias, não são assumidas apenas porque temos o governo que temos.

Entretanto, neste ano que passou, muito piorou em Portugal.

Portugal é hoje é um país onde:

_ O contrato social estabelecido na Constituição da República Portuguesa foi rompido pelo poder. Não podemos aceitar a hipocrisia dos que justificam a não

renegociação com as PPP’s com o argumento do imperativo de honrar os contratos com a finança, mas não hesitam em ignorar e romper unilateralmente

os contratos que têm com muitos milhões de portugueses! O roubo dos 13.º e 14.º meses aí estão para o provar! O impedimento às reformas antecipadas e

todas as alterações que cada dia implantam aí estão para o demonstrar! Hoje somos um país onde as medidas e sacrifícios impostos aos cidadãos

portugueses ultrapassaram os limites do suportável. Condições inaceitáveis de segurança e bem-estar social atingem a dignidade da pessoa humana.

_ O rumo político seguido protege os privilégios, agrava a pobreza e a exclusão social, desvaloriza o trabalho.

_ Sem uma justiça capaz, com dirigentes políticos para quem a ética é palavra vã, Portugal é já o país da União Europeia com maiores desigualdades sociais.

_ Portugal não tem sido respeitado entre iguais, na construção institucional comum, a União Europeia.

_ Portugal é tratado com arrogância por poderes externos, o que os nossos governantes aceitam sem protesto e com a autossatisfação dos subservientes.

_ O nosso estatuto real é hoje o de um “protetorado”, com dirigentes sem capacidade autónoma de decisão nos nossos destinos.

Aos milhares, os portugueses abandonam de novo a sua Pátria, à procura de melhor vida noutras paragens.

As chamadas “elites” associadas aos sucessivos poderes desprezaram, desde há muitos anos, os conteúdos programáticos da Constituição da República, nascida com

o 25 de Abril, transformando o seu cumprimento numa mera formalidade, num pormenor, como se atrevem a considerá-la pela boca de um ministro.

Por outro lado, no que concerne à nossa integração na Comunidade Europeia, essas mesmas “elites” resolveram sempre os assuntos europeus à porta fechada,

escamoteando a realidade aos portugueses, sem os consultar, mentiram-lhes no que respeita às políticas de convergência. Como fizeram bem recentemente, na aprovação

dos Novos Tratados Europeus.

O que deveria ter sido informação, reflexão, debate e mobilização para o trabalho foi substituído por propaganda, através de uma comunicação social mais ou menos

condicionada, que nos ludibriou com ilusões, procurando agora culpabilizar os portugueses pelas causas da crise.

O facto é que o projeto europeu está em causa, pouco restando dos sonhos de Jean Monnet e Schuman. Hoje vivemos a Europa dos Merkozy, onde a solidariedade que

lhe deu corpo desapareceu e foi substituída por uma nova ânsia de domínio pelos mais fortes.

Com efeito, nós consideramos que só a solidariedade, que criou o Estado Social, permitiu a consolidação do projeto europeu.

Não defendemos que o atual Estado Social seja intocável, que não seja discutível. É evidente que o mesmo terá de ter presentes as enormes alterações no mundo, em

termos políticos e económicos. Não pode é ser o bode expiatório, para resolver os erros dos que nos trouxeram à crise!

Sabemos que o mais fácil é extorquir aos que têm menos capacidade, isto é ao Estado Social, mas temos de ter presente que este, sendo um conjunto de direitos de

cidadania é também o cimento da coesão social! E as rupturas na coesão social acabam muitas vezes em soluções totalitárias.

Para o futuro, todos os europeus têm interesse numa Europa forte. No Mundo atual, que pertence cada vez mais a outros, a Europa só terá voz se estiver unida. Quer a

Alemanha, a França ou a Inglaterra são países demasiado pequenos para este Mundo!

 

E, se para esse fortalecimento, é necessário e importante dar forma às relações comerciais, enfrentar as mudanças climáticas, garantir as matérias-primas, com realce

para as fontes energéticas, essa Europa forte só será um facto se for coesa, solidária e proteger os direitos fundamentais dos cidadãos.

Só assim poderá garantir a estabilidade a democracia e a paz no seu seio! E isso só será viável se a solidariedade ocupar lugar de relevo.

Por isso é tão necessário colocar a solidariedade na ordem do dia…

Isso passa por nos opormos a que a crise seja combatida pelos seus autores, que recorrem inevitavelmente às soluções que à crise nos trouxeram. Eles não conhecem

outras e já demonstraram do que são ou não capazes!

Temos que ser claros e contundentes: a responsabilidade pela crise, pelo endividamento, pelos défices, não cabe aos cidadãos em geral! Não foi o desperdício

do passado que nos levou à atual situação! Os cidadãos pagaram os seus impostos e foram os governantes que assumiram as decisões que aqui nos trouxeram.

Como não podemos aceitar que a responsabilidade é da administração pública, e das

suas instituições.

Teremos de defender uma economia que reduza a pobreza e promova os cuidados de saúde, a educação, a boa habitação e alimentação condigna, para a maioria dos

cidadãos. Uma economia que reconheça o valor e a dignidade do trabalho. Enfim, uma economia que, assente numa sociedade com justiça e homens bons e

justos, reclame que a finalidade da ação é o homem e o seu bem em si, não o privilégio de alguns, desculpados por via do assistencialismo, a forma mais

discriminatória de distinguir os incluídos dos excluídos.

Deve banir-se o assistencialismo como forma de ajuda e proteção dos cidadãos excluídos.

Para isso teremos igualmente que lutar contra o afastamento, cada vez mais acentuado, dos eleitos dos eleitores, que fez crescer para números inaceitáveis em

democracia a abstenção, a indiferença e a desconfiança no seio do povo português. Tudo isso fez com que a corrupção passasse a ser regra do poder, as instituições

fossem presa fácil de interesses de grupo ou de partido, a democracia se degradasse cada vez mais.

É neste quadro que as medidas em curso nas áreas do trabalho, do emprego, da Segurança Social e da saúde, provocam na nossa sociedade pobreza, insegurança e

fome, o que leva ao desespero de muitos cidadãos portugueses. Volta a haver um grupo restrito de privilegiados que detém, de novo, toda a riqueza

nacional.

Isso leva-nos a lembrar ao poder político que a sua função é defender os direitos dos Portugueses, defender a autonomia das decisões e a soberania nacionais, no contexto atual.

O que, lamentavelmente, não vem acontecendo!

Impõe-se aqui reafirmar a nossa convicção de que os problemas da Democracia se resolvem com mais Democracia, por isso não nos arvoramos em “salvadores da

pátria”, nem queremos assumir um protagonismo que só cabe ao povo português na sua diversidade e múltiplas formas de expressão.

Nesse mesmo sentido, declaramos ter plena consciência da importância da instituição militar, como recurso derradeiro nas encruzilhadas decisivas da História do nosso

Portugal. Por isso, declaramos a nossa confiança em que a mesma saberá manter-se firme, em defesa do seu País e do seu Povo. Por isso, aqui manifestamos também o

nosso respeito pela instituição militar e o nosso empenhamento pela sua dignificação e prestígio público da sua missão patriótica.

Concluo:

1. Reafirmar a nossa convicção na vitória futura, mesmo que sofrida, dos valores de Abril no quadro de uma alternativa política, económica, social e cultural que

corresponda aos anseios profundos do Povo português e à consolidação e perenidade da Pátria portuguesa.

2. Apelar ao Povo português e a todas as suas expressões organizadas para que se mobilizem e ajam, na salvaguarda da liberdade e da democracia em Portugal.

Viva o 25 de Abril!

Viva Portugal!

Rossio 2012

Vasco Lourenço


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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