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Em países não desenvolvidos, combate à pandemia tem justificado perda de direitos e normas do mais puro fascismo

Cabe quase tudo: enriquecimento ilícito, manipulação das leis, fortalecimento dos corpos policiais e o completo abandono das políticas públicas referentes à proteção da cidadania
Carolina Vásquez Araya
Diálogos do Sul Global
Cidade da Guatemala

Tradução:

Semelhante aos círculos de poder no âmbito privado, assim funcionam os Estados

Sem que isso represente uma grande novidade, o fortalecimento dos estamentos oficiais na maioria dos países veio a constituir uma mudança substancial entre governantes e governados.

Mais ou menos conscientes de que o poder máximo procede dos círculos econômico-empresariais, os povos começam a perceber como seus direitos e o entorno jurídico no qual se desenvolveu sua existência, derrapa na rota conhecida para adentrar-se em terrenos muito mais pantanosos e incertos.

Os novos parâmetros para conter uma pandemia vão se assemelhando às normas estritas do mais puro fascismo. 

Os povos, sobretudo aqueles pertencentes a países menos desenvolvidos, começaram a perder direitos reconhecidos em seus textos constitucionais, observando como seus governos aproveitam a conjuntura para cometer todo tipo de abusos, amparados por um estado de emergência no qual cabe quase tudo: enriquecimento ilícito, manipulação das leis, fortalecimento dos corpos policiais e castrenses e, como consequência imediata, o completo abandono das políticas públicas referentes à proteção da cidadania em aspectos vitais, como saúde e nutrição.

Estas políticas públicas, das quais depende em grande medida a sobrevivência de grandes setores são, há muito tempo, território invadido por interesses corporativos.

Cabe quase tudo: enriquecimento ilícito, manipulação das leis, fortalecimento dos corpos policiais e o completo abandono das políticas públicas referentes à proteção da cidadania

Wikimedia Commos
O indivíduo, ante um poder sem limites, perde todos os seus direitos

Novo cenário povo-governo

O novo cenário povo-governo também se instalou em nações poderosas, onde setores radicais adversos ao poder cidadão começam a marcar território e a instalar novos modelos de relações entre os estamentos políticos e a população.

Visto a partir da perspectiva da necessidade inegável de impor normas estritas de conduta para deter a pandemia, estas adquirem um viso de pertinência, o que faz com que amplos setores da cidadania as aceitem se reclamar.

No entanto, nesse novo status se deslizam, com demasiada frequência, medidas que afetam direitos civis historicamente reconhecidos, tais como o direito a se manifestar ou o de escolher livremente opções diante da saúde individual.

Regresso ao autoritarismo

A atitude dos governos começa a se revelar como um regresso a épocas de autoritarismo e repressão, mesmo em países de forte enraizamento democrático e onde os direitos cidadãos têm constituído a coluna mestra de sua institucionalidade.

Esta nova ordem das coisas — também na Europa — começa a despertar o temor às escuras épocas do fascismo e fortalece grupos extremistas que aspiram ao poder.

Isto provoca de maneira inevitável a reação de uma cidadania decidida a proteger os valores democráticos, mas postas contra as cordas por uma situação sanitária inegável e um novo marco regulamentar que lhe impede de se expressar livremente.

Futuro imediato

O futuro imediato, portanto, constitui um enigma de proporções épicas dada a maneira como se misturam no morteiro o dever cidadão, a responsabilidade diante dos demais, a inconsistência de muitas decisões políticas e a ausência de certeza a respeito da verdade científica.

Nessa nebulosa, conveniente para certos setores de poder, desenvolve-se atualmente uma relação perversa entre governantes e governados os quais, por uma parte, buscam consolidar o poder contra aqueles que aspiram conservar os direitos e liberdades considerados justos e invioláveis.

Sob essa dicotomia subjaz um elemento ainda mais perverso: os interesses econômicos de uma cúpula corporativa de proporções planetárias capaz de incidir, sem o menor escrúpulo, no direito à vida. 

O indivíduo, ante um poder sem limites, perde todos os seus direitos. 

Carolina Vasquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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