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Alfonso Gumucio*
Só somos curiosos em
proporção com nossa cultura
Vilipendiado, ignorado, invisível… o cinema comunitário renasce incessantemente, cada vez que se o dá por morto ou ferido. Na realidade e apesar de suas limitações, goza de boa saúde, mas isso não é do conhecimento dos que estão imersos nas práticas cotidianas e os que estudam os processos.
Uma oportunidade para fazer um balanço desses processos e aproveitar para construir uma rede, ocorreu no Equador, no final de novembro, no Encontro Internacional de Cine Comunitário, convocado pelo Conselho Nacional de Dine (Co-Cine), com a participação entusiasta da associação civil El Churo, que teve a responsabilidade da organização e logística.
O encontro permitiu colocar em dia esse movimento de vontades que promovem um cinema diferente, um cinema que procura por imagens próprias produzidas pelas comunidades e difundidas nos mais diferentes espaços possíveis, alternativos ou comerciais.
Tive o privilégio de apresentar a terceira edição do livro Cinema Comunitário na América Latina e Caribe com a pesquisa que coordenei para a Fundação do Novo Cinema Latino-americano, durante 2010 e 2011. A primeira edição foi apresentada em 2012 no Festival do Novo Cinema Latino-americano de La Habana, e a segunda, produzida pelo Centro de Competências em Comunicação da Fundação Friedrich Ebert, surgiu graças a iniciativa de Omar Rincón.
Desta vez, a ideia de Pocho Álvarez, um dos pesquisadores do livro, foi bem acolhida no Conselho Nacional de Cine do Equador, graças ao dinamismo de seu diretor executivo, Juan Martín Cueva, que se encarregou da nova edição, apresentada primeiro na Feira Internacional do Livro em Quito e dois dias depois no Encontro Internacional de Cine Comunitário.
Todo encontro é ocasião para compartilhar e aprender com outros cineastas e animadores de coletivos de cine comunitários. Vieram representantes de Colômbia, Peru, Argentina, Bolívia e, claro, de todos os rincões do Equador. Foi intenso o intercâmbio de produções e reflexões que enriqueceram os conceitos de audiovisuais realizados e difundidos por comunidades rurais e urbanas.
Há coletivos que se dedicam com especial denodo à capacitação, outros a produção, como o Cine em Movimento (Argentina) e outros à difusão, como os ‘microcines” do Grupo Ghaski (Peru) ou o Festival Ojo al Sancocho (Colômbia, dando visibilidade ao cine comunitário de toda a região. E ha projetos de fôlego como o CEFREC, conduzido por Iván Sanjinés na Bolívia, que integra ações de capacitação, produção, difusão e de intercâmbio de obras produzidas por indígenas.
A dinâmica de participação permiti que no lugar de exposições convencionais foram realizados conversatórios, dinâmicas de grupo e espaços para oficinas no período da tarde, de modo que cada um pudesse contribuir com sua experiência seguro de que todas as práticas e diálogos contribuem para uma construção coletiva de conhecimento.
O processo de construção coletiva do conhecimento, na realidade, é o mais importante nas práticas do audiovisual comunitário, em que não só se valorizam os produtos (os filmes) mas os processos de participação comunitária que sim são transformadores da realidade social, política e cultural.
As resenhas dos festivais de cinema convencionais soem falar dos filmes, porém, a resenha de um evento que instiga ao diálogo só se pode fazer de processos como os que ocorrerem nos dias em que estivemos reunidos em Cotacachi, um povoado a três horas de Quito, uma referencia da cultura popular no Equador, além de referencia da resistência cultural diante das políticas econômicas extrativistas do governo de Rafael Correa.
No dia da abertura do evento, o prefeito de Cotacachi, Jomar Cevallos, ressaltou as diferenças ideológicas que separam o movimento político local Ally Kanwsay da proposta do governo central que promove o Sumac Kawsay. Não só uma distância semântica entre ambos (Ally Kasay está ligado ao cotidiano, enquanto que Sumac Kawsay é um superlativo arrogante), mas que a distância expressa concretamente porque os que militam no Ally Kasay estão contra a exploração de minérios e petróleo estimulada pelo governo.
Os indígenas equatorianos têm claro que a economia extrativista ameaça seus territ’rios e sua vida cotidiana e que é o oposto ao “bem viver” dos discursos oficiais. E mais, rechaçam a divisão entre “esquerda” e “direita” que os deixa à margem. Como reação à dolarização do Equador, algumas associações indígenas contrapõem a “eco-si-mia” à economia e desenvolveram já desde ha 14 anos um sistema de intercâmbio de valor que não depende do papel-moeda.
Em minha intervenção durante o encontro tratei de definir a comunicação, a cultura, a participação e a organização como eixos dos processos de comunicação comunitária que contribuem a construir conhecimento coletivamente, seja através do audiovisual seja de qualquer outro processo de interação entre pessoas e grupos com um horizonte comum.
As sessões do encontro foram fundamentalmente de intercâmbio de informação entre os cineastas e grupos sobre as atividades desenvolvidas por cada um. Nas noites se exibiam mostras desse trabalho. Nas sessões conclusivas via-se mais que um nível descritivo das apresentações, um nível mais reflexivo e autocrítico.
Nessa mesma linha se expressou Juan Martín Cuevas, desafiando os grupos comunitários a apresentar propostas concretas que possam derivar em políticas públicas de apoio ao desenvolvimento do cinema comunitário sem prejudicar seu caráter independente. Wilma Granda, por sua vez, diretora da Cinemateca Nacional do Equador, ofereceu espaços de exibição como a “consulta pública”, para o audiovisual comunitário.
*Colaborador de Diálogos do Sul, em La Paz, Bolívia.