Conteúdo da página
ToggleO atual subprocurador-geral da República Augusto Aras foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir o cargo de procurador-geral da República (PGR), considerado um dos mais importantes do mandato de Bolsonaro.
Pela primeira vez desde o Governo Lula, um presidente ignora lista tríplice da categoria apresentada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), provocando a ira dos procuradores diante da intervenção explícita de Bolsonaro.
A completa falta de ascendência da Lava Jato e de Sérgio Moro nessa escolha é um elemento de todo o processo e que ficou bastante patente.
Blog do Esmael
Troca de comando na PGR: sai Dodge entra Aras
MPF como campo de batalha de diferentes autoritarismos
O primeiro colocado da lista tríplice Mário Bonsaglia procurou a mídia para dizer em alto e bom som “a autonomia do MPF está em risco”. Ecoa a posição da Associação Nacional dos Procuradores da República, que emitiu nota bastante crítica a escolha de Bolsonaro. Argumentam que ele estaria escolhendo um procurador por identidade ideológica e política e assim fazendo um órgão de Estado virar um órgão de governo.
A formulação da crítica da ANPR e de Bonsaglia ilustra bem a batalha de autoritarismos que ganhou mais força com o enfraquecimento da Lava Jato e de Sérgio Moro. Com esse enfraquecimento tanto o STF, como o Congresso, como Bolsonaro cada um tenta espraiar seus poderes dentro da COAF, PF, MPF e leis que os regulamente.
Bolsonaro quer ter poder de veto e condução sobre o que fará o autoritário braço investigativo e acusatório do Estado, seja para blindar os esquemas que afetem a seus interesses ou para usar a Procuradoria como instrumento de pressão contra adversários e inimigos. Os procuradores, por sua vez, acostumados a condenar sem provas, e a serem verdadeiros popstars do golpismo com seus powerpoints batalham para se manterem como um órgão acima de qualquer controle e com cheque em branco para seu golpismo.
Em meio a guerra de declarações um terceiro ator será chamado a atuar: o Senado federal. Cabe a esta Casa a validação, por voto, da nomeação. E este processo junto ao debate dos vetos de Bolsonaro à Lei de Abuso de Autoridade colocará em jogo também os atores autoritários e golpistas no legislativo em oposição a autoritários mais alinhados ao Bolsonarismo. Para adotar tal conduta, Alcolumbre e consortes devem se apoiar na Lava Jato, o que é um movimento que tem suas contradições com a Lei de Abuso de Autoridade. Há interesses contrapostos, se nas críticas a esta lei há convergência do Bolsonarismo e da Lava Jato, na nomeação do PGR há alguma possibilidade de convergência da Lava Jato e dos velhos caciques políticos se estes se interessarem em usar essa batalha para enfraquecer Bolsonaro e conseguir maiores poderes para si mesmos.
Alguns elementos da divisão interna no MPF
De acordo com a Constituição Federal, o presidente não precisa seguir a lista da ANPR, mas os últimos três presidentes a respeitaram, ainda que Temer tenha escolhido o segundo candidato mais votado.
A lista tríplice foi criada em 2001 como uma tentativa de diminuir a interferência política do Poder Executivo na escolha para a PGR, além de ser um elemento de suposta coesão corporativa (e corporativista) entre os procuradores. Em todos os anos 90 o Procurador Geral da República ficou conhecido como “engavetador geral da República” dado seu poder de impedir continuidade de investigações, um dos poderes sobre o qual Bolsonaro busca ter ascendência.
Escolhido a dedo, Aras se auto declara como “conservador” e demonstra ser o candidato mais alinhado ideologicamente com Bolsonaro dentre todos que concorrem ao cargo: é favorável à agenda de reformas do governo, tem o apoio dos filhos do presidente e de um dos ministros mais prestigiados pelo presidente, Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura e, na campanha para o cargo, falou contra a ideologia de gênero e a criminalização da homofobia.
Em declaração, a diretoria da ANPR recebeu a indicação de Aras com “absoluta contrariedade”: “O indicado não foi submetido a debates públicos, não apresentou propostas à vista da sociedade e da própria carreira. Não se sabe o que conversou em diálogos absolutamente reservados, desenvolvidos à margem da opinião pública. Não possui, ademais, qualquer liderança para comandar uma instituição com o peso e a importância do MPF”, diz trecho da nota. O tom da declaração da entidade representante dos procuradores demonstra o descontentamento com o nome do futuro chefe e à intervenção de Bolsonaro, mais uma tentativa de aparelhamento promovida por ele na sequência dos casos sob a PF e a Receita Federal.
Dentro do “Partido Judiciário” o MPF, junto da PF, são as entidades que vem sendo mais fortemente golpeadas nas disputas entre os autoritarismos pela sua subordinação, e a própria entidade vem expressando rachas internos fruto da divisão entre os mais lavajatistas e os mais alinhados ao STF, a própria lista tríplice expressou uma divisão nos votos muito mais expressiva do que aconteceu em todos os últimos pleitos, escancarando a divisão interna da categoria privilegiada e autoritária.
Durante seu mandato Raquel Dodge oscilou entre as duas posições, mas nunca foi considerada uma aliada pelos procuradores da Lava Jato. A relação passou por atritos importantes quando Dodge emitiu parecer contra a “fundação Lava Jato” a ser constituída por fundos da Petrobras e chefiada por indicados por Dallagnol e chegou ao ápice de, atualmente, no momento de maior debilidade da operação, um grupo de procuradores da Lava Jato pedir demissão em protesto contra ela. O movimento do grupo de procuradores foi também uma demonstração de força e um recado para Bolsonaro, que mesmo assim, escolheu um nome subordinado a ele e não à operação, remarcando seu distanciamento da Lava Jato.
Além desse critério e da pauta de costumes, outro condicionante reacionário do presidente era em relação à questão ambiental: “Uma das coisas conversadas com ele, já era sua prática também, é na questão ambiental. O respeito ao produtor rural e também o casamento da preservação do meio ambiente com o produtor”, declarou Bolsonaro sobre Aras. Essa imensa demagogia a cerca da Amazônia é destacada pelo presidente, pois está cada vez mais claro à população que o agronegócio é antagônico à preservação ambiental e no início de agosto. Bolsonaro afirmou que esperava indicar um procurador-geral da República que trate da questão ambiental “sem radicalismo”, ou seja, que fosse capaz de abrir ainda mais espaço para o agronegócio devastar o meio ambiente e explorar trabalhadores rurais.
O interesse bolsonarista de subordinar o golpista MPF para seus próprios fins autoritários
No STF, o procurador-geral tem, entre outras prerrogativas, a função de propor ações diretas de inconstitucionalidade e ações penais públicas.
A parte que mais interessa a Bolsonaro é que cabe ao procurador-geral, também, pedir abertura de inquéritos para investigar presidente da República, ministros, deputados e senadores, tendo a prerrogativa de apresentar denúncias nesses casos, podendo ainda criar forças-tarefa para investigações especiais, como é o caso do grupo que atua na Operação Lava Jato, encerrando-as ou ampliando-as.
Na teoria, o PGR deveria atuar como um órgão “imparcial”, ou seja, a indicação ao cargo não poderia estar relacionada à algum interesse por parte do presidente. Contudo, sabe-se muito bem que essa premissa é falsa, uma vez que a atuação da PGR e de setores do judiciário esteve atrelada aos interesses dos capitalistas, sendo fundamental no processo de manipulação política, incluindo das eleições de 2018.
Ao colocar um procurador-geral da república alinhado a si, Bolsonaro busca ingerir e controlar a seu favor atuação da PGR, evitando que avancem contra ele e seus filhos, por exemplo. Pode arbitrar, ainda que de forma indireta, sobre temas da política nacional, garantindo um fortalecimento de seu projeto político e do “bonapartismo imperial” após revés enfrentado com a crise da Amazônia.
Para assumir o cargo, Aras tem de passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e por votação no plenário do Senado, o que pode determinar o curso do movimento de Bolsonaro, a depender das forças de Alcolumbre, atual presidente do Senado, que é parte de um projeto que, ainda que com os mesmos objetivos de fazer com que os trabalhadores arquem com a crise capitalista, defere em pontos do atual governo.
Neste campo de batalha de autoritarismos aos trabalhadores cabe uma posição de independência de classe enfrentando-se com todos esse atores.
Nas mãos de Bolsonaro o MPF será um instrumento de pressão autoritária sobre adversários e blindagem de esquemas que ele queira blindar, com os superpoderes dos procuradores vemos outro autoritarismo, aquele da Lava Jato e seu papel destacado em todo o golpismo. De um lado e outro há interesses em fortalecer instrumentos arbitrários, contra direitos democráticos elementares como a presunção de inocência, direito a habeas corpus, entre outros. Nas mãos de cada um desses atores, inclusive da “casta política” do Congresso e seus aliados no STF, o judiciário é um instrumento de interesses políticos e para favorecer os capitalistas.
Veja também