Um grupo de acionistas da Vale denunciou a própria mineradora, na última quarta-feira (30), na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão vinculado ao governo federal responsável pela fiscalização e regulação do mercado da bolsa de valores.
Segundo eles, a CVM deve punir a empresa por enganar os investidores ao omitir riscos e informações relevantes sobre seus negócios em Minas Gerais, no Pará e no Maranhão. A iniciativa da denúncia é da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, uma rede de entidades composta por sindicatos, movimentos de quilombolas, organizações não governamentais, movimentos populares e ambientalistas.
Há sete anos, uma das estratégias do grupo é a intervenção na Assembleia Geral Extraordinária (AGE) de Acionistas da Vale, explica Carolina de Moura, integrante do Movimento Águas e Serras de Minas Gerais e presidente da Associação Comunitária da Jangada.
“A gente compra ações da empresa para poder entrar na assembleia. A gente estuda os relatórios de administração, a política, o mercado global e faz votos contrários aos relatórios que a empresa aponta mostrando falhas em documentos deles, com base no que a gente acompanha nos territórios”, relata a militante.
Ano após ano, os acionistas minoritários críticos têm alertado a empresa que a combinação da extração desenfreada de minérios com redução de custos geraria acidentes e tragédias. “É uma ação muito difícil de ser realizada. Os relatórios de administração são publicados muito perto da data [da assembleia]. São calhamaços que a gente tem que estudar. É um conteúdo denso, de difícil compreensão.”
Moura conta que a rede tem que lutar para poder se expressar nas reuniões com a diretoria. “Todo ano a gente pede que nossos votos sejam protocoladas na íntegra na ata da assembleia. É do ativismo mais difícil que eu faço”, conta.
Eles já votaram, por exemplo, contra a distribuição de dividendos para os acionistas e defenderam que o lucro fosse totalmente destinado à recuperação da Bacia Rio Doce, em Minas Gerais. Após o rompimento da Barragem de Fundão, em novembro de 2015, o rio foi contaminado por minérios e resíduos. O grupo também apoiou o Programa Barragem Zero, proveniente de um relatório de 2009 da vale, que recomendou que a companhia reaproveitasse os rejeitos por meio da filtragem adicional de minérios.
Imagem: Mídia Ninja
Coletivo pediu abertura de inquérito administrativo contra empresa
Nova denúncia
Na denúncia desta quarta (30), o coletivo pede à CVM a instauração de um inquérito administrativo para apurar o fornecimento de informações sobre os riscos socioambientais de seus empreendimentos aos investidores.
Os acionistas críticos citam o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho (MG) — crime ocorrido na última sexta-feira (25) e que deixou, até o momento, 99 mortos e 259 desaparecidos — como um episódio de omissão dos riscos envolvidos. Eles alegam que, com isso, a mineradora praticou manipulação de mercado.
Segundo o documento, “a empresa, em várias oportunidades, foi alertada pela sociedade civil de que o rigor no processo de ampliação e continuidade da mina do Córrego do Feijão estava aquém do necessário, considerando-se o tamanho e potencial poluidor do empreendimento”. A denúncia também aborda o rompimento da barragem do Fundão, em 2015. O texto diz que o fato revela “uma negligência da empresa em monitorar as barragens e corrigir problemas identificados”.
O grupo argumenta ainda que a Vale não menciona a sua responsabilidade nos fatores de risco que gera às localidades nas quais atua, o que seria um “instrumento artificial para garantir a cotação de seu valor mobiliário, em verdadeira prática fraudulenta”.
A assessoria de imprensa da CVM confirmou o recebimento da denúncia. Segundo o órgão, o próximo passo é a análise se caso deve ser levado a julgamento. Se prosseguir para o júri, um colegiado vai analisar o mérito da denúncia.
Caso seja considerada procedente, as punições estão previstas artigo 11 daLei 6.385, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários, podendo ser aplicadas advertências, multas, inabilitação temporária ou proibição temporária.
A própria CVM abriu dois processos administrativos para apurar comunicações feitas pela mineradora Vale relativas à tragédia de Brumadinho. A mineradora já foi processada nos Estados Unidos por omitir informações a seus acionistas sobre a situação de instabilidade da Barragem do Fundão, em 2015.
As ações da empresa caíam 24% no primeiro pregão após o rompimento da barragem em Brumadinho. A empresa teve a maior perda da história do mercado de ações brasileiro, de R$71 bilhões. Apesar disso, as ações da Vale já voltaram a subir e fecharam o pregão desta quarta-feira (30) em alta de 0,85%.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira