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Na última mesa da mostra Estéticas da Periferia, promovido pela Ação Educativa, os novos sujeitos da quebrada contam como estão fazendo arte e história no universo virtual
Juliane Cintra*
Tomaram a internet de assalto! Esta é a melhor definição para a atuação dos novos atores, que espalhados nas quebradas do país, derrubam as fronteiras entre periferia e centro no cenário digital.
Sobretudo, porque para alguns pode até ser uma surpresa que daquele telecentro ou lan house da esquina saia o novo sucesso online, só que para eles não.
Tatiana Ivanovich, jornalista e diretora da rede Do Lado de Cá, iniciativa que desenvolve ações de comunicação integrada nas comunidades, conta que sua trajetória começou lá em Mogi das Cruzes, Zona Leste paulistana, entre as idas e vindas do trem Brás-Estudantes. “Eu não tinha muitas condições, até que o Gilberto Dimenstein me conheceu, participei do Projeto Aprendiz e me descolaram uma faculdade de jornalismo”, relata Tatiana, com um sorriso largo no rosto.
De lá pra cá, ela passou por inúmeros veículos de comunicação e a partir de seu blog pessoal criou, em 2010, o portal Do Lado De Cá voltado para divulgação cultural periférica. “A gente trabalha os pilares da cultura de quebrada: rap, samba, funk, literatura marginal e muitas coisas de comportamento e política. Porque eu vi que as pessoas têm necessidade de se enxergar em algum lugar. E sem essa de impor, sempre co-criando, mudando realidades, para transformar o todo. Hoje, o trabalho do Do Lado de Cá vai além de ser um canal de comunicação, a gente vai pra prática, a gente vai pro campo, porque estamos lado a lado com os parceiros.”, conta.
A Rádio Heliópolis também marcou presença e compartilhou a trajetória de uma das maiores comunidades da cidade de São Paulo. Reginaldo Gonçalves, diretor da emissora, relembra a época da Rádio Corneta, na década de 1990, quando a associação de moradores de Heliópolis investiu em alto-falantes, nas principais ruas da favela, para facilitar a comunicação com as pessoas.
Reinaugurada em 1997, a antiga Rádio Corneta saiu dos postes e virou Rádio Heliópolis, sendo transmitida pelas ondas de frequência modular. Até ser fechada, em 2006, pela Anatel, por ter sido considerada ilegal pelo Ministério das Comunicações.
“O que aconteceu quando a rádio foi fechada? Houve uma grande mobilização, nós conquistamos o nosso direito de voltar ao ar, lutamos por isso. Mas vou dizer uma coisa pra vocês, nascemos para alertar e conscientizar a comunidade dos seus direitos e deveres e fazemos isso desde sempre. Agora, temos um papel dizendo que estamos legalizados. Mas se for considerado crime de novo, pode mandar prender, porque todos seremos os maiores criminosos da área”, ressalta Reginaldo.
Outra expressão que ganhou destaque na discussão foi o funk. Estilo musical constantemente marginalizado, ele recebeu um tratamento diferente na Funk TV, como narra Anderson Castilho, um dos idealizadores do canal. São milhares de acesso e presença em diferentes redes sociais, o mundo funk tem um público que consome suas produções pela Internet e quer ser reconhecido neste meio e Montanha, como é mais conhecido Anderson, percebeu isto.
A partir da gravação de DVDs, ele foi pensando em outros produtos para este universo, como visita às baladas, com registro fotográfico de shows, MCs, e até mesmo produção de videoclipes com equipamentos e recursos profissionais. Daí pra frente, foi só divulgar e conquistar milhares de visualizações no Youtube e seguidores no Facebook. “A gente começa a agregar novas situações, apresentamos aos MCs e à comunidade funk novas formas de se retratar. E a resposta veio. Esse público merece qualidade e quando encontra, retorna com milhares de acessos e compartilhamentos. É a sua expressão, sua oportunidade de falar, goste a sociedade ou não.”, conclui.
Novas mídias, velhos xerifes
Participou da mesa, o professor doutor do curso de Gestão de Políticas Públicas, Pablo Ortellado, que provocou os participantes a refletirem sobre a questão econômica que envolve as produções de periferia, no que diz respeito ao uso das novas tecnologias.
Pablo chama atenção para a prática de entidades como o ECAD, Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das músicas. Segundo o pesquisador, a mesma “lógica injusta de atuação analógica deste órgão já foi implementada no ambiente digital”.
Em setembro de 2010, o Ecad fechou um acordo com o YouTube e o Google para recolher direitos autorais, onde foi estabelecido que o mais famoso canal de compartilhamento de vídeos deve pagar 2,5% de todo o seu faturamento bruto para entidade, por conta da execução pública das músicas disponibilizadas.
A grande questão é a distribuição destes recursos arrecadados, que é feita entre os artistas mais tocados nas rádios comerciais de acordo com um ranking divulgado pelo próprio órgão. Como alerta Pablo:
“Existe uma questão política, que a periferia precisa se envolver. Porque o que está acontecendo é roubo! O Youtube oferece o canal, ele expõe a publicidade e tem repassado parte dela aos canais com mais visualizações, correto? Como aconteceu com a Funk TV que recebeu uma quantia vinda da propaganda, graças ao número de acesso aos seus vídeos. Só que existe outra forma de gerar receita, a que vem dos direitos autorais, o tal dinheiro arrecadado pelo ECAD. E o que esse sistema está fazendo? Ele está pegando dinheiro dos pequenos e dando para os grandes. O ECAD vai lá cobrar o Youtube, pega o dinheiro que na verdade é seu, é de vocês, porque vocês, músicos, é que estão fazendo a máquina girar, e está dando para as grandes gravadoras por um sistema de distribuição altamente distorcido. Vinculado a figuras de grandes gravadoras, que pagam jabá para estarem entre as mais, mais, e ainda levam pelo execução pública na internet, sendo que temos milhares de autores envolvidos nesse contexto.”