“As primeiras normas aprovadas por Noboa foram a implementação da agenda neoliberal para a privatização, a adoção de Tratados de Livre Comércio (TLCs) e de impostos de caráter regressivo – que prejudicam os mais pobres -, com o acréscimo de 12 a 15% na taxa de Imposto sobre vendas”, denunciou Marcela Arellano Villa, presidente da Federação Unitária dos Trabalhadores (FUT) e da Confederação Equatoriana de Organizações Sindicais Livres (Ceosl). Em entrevista exclusiva, Marcela afirmou que Noboa só tem demonstrado competência é em proteger e multiplicar os interesses da sua família e do capital agroindustrial e mineiro transnacional”. Para que o país volte a crescer, a sindicalista propõe a “composição de uma ampla frente para pôr fim ao ciclo de apagões de até 14 horas, arrocho salarial, desemprego e violência extrema” que afeta o país sul-americano.
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LWS – O megaempresário Daniel Noboa assumiu a presidência do Equador um mandato tempão de ano e meio, em novembro de 2023, que até o momento tem se caracterizado por crescentes apagões, desemprego e violência. Na sua avaliação, qual é a principal marca de Noboa?
MA – Em primeiro lugar, é preciso avaliar o contexto que se encontrava o Equador. O presidente Noboa já assumiu em um quadro de violência – onde as mortes violentas dispararam de seis por 100.000 habitantes em 2018 para 47 por 100.000 em 2023 -, colocando o país na lista dos dez com maior incidência de crimes em todo o mundo.
A crise de violência desestabiliza o governo de Guillerme Lasso e o obriga à renúncia, que praticamente desemboca no processo de “morte cruzada” – com novas eleições presidenciais e legislativas. Em 7 de janeiro de 2024, o país desemboca num quadro de atrocidades exacerbado. Neste dia, um grupo de delinquentes toma os meios de comunicação, chegando até mesmo a espalhar bombas em cidades como Quito e Guaiaquil, deixando o cenário bastante complexo.
Afora isso, desde o ano passado, nosso país já vinha sendo afetado pela crise energética. Especialistas do setor tinham anunciado com estudos e projeções que a situação iria se agudizar. Neste contexto, chega Noboa e se utiliza tanto da crise de segurança como da crise de energia para aprofundar a agenda neoliberal.
E o que conseguiu até este momento? Logrou que as primeiras normas aprovadas por ele fossem justamente a implementação da agenda neoliberal para a privatização, a adoção de Tratados de Livre Comércio (TLCs) e de impostos de caráter regressivo – que prejudicam os mais pobres -, com o acréscimo de 12 a 15% na taxa de Imposto sobre vendas (IVA) a pretexto de que esses 3% seriam aplicados no combate à insegurança. Esse dinheiro iria para a polícia e seu “Plano Fênix”, que no nosso entender nunca existiu porque jamais trouxe qualquer resultado concreto, nunca afetou os chefes do crime organizado. Prova disso é que segue havendo crise carcerária, sem qualquer medida que cuide da vida das pessoas; as pequenas e microempresas continuam sendo assaltadas pelos delinquentes. Aliás, cresceram as extorsões destas máfias, que não afetam apenas os comerciantes, mas até mesmo quem ganha um pouco mais e teve de passar a ter de pagar propina aos criminosos. Ou seja, o governo não tem feito absolutamente nada!
A única coisa que lamentavelmente tem avançado são essas medidas de caráter regressivo, de caráter neoliberal, como a privatização do setor energético e o aumento do IVA, fazendo com que a capacidade aquisitiva dos salários tenha sido brutalmente reduzida. Por afetar os empregos diretos e indiretos, a crise energética vem impactando na precarização das relações do trabalho.
LWS – Em abril de 2024, denunciaste que através de uma Consulta Popular “Noboa tentava render o país à escravidão moderna do neoliberalismo”, mas, em vez disso, “a população foi às urnas e ratificou a soberania nacional, deixando claro que o governo mentia”. Qual o significado deste passo?
MA – O governo tentou implantar uma reforma trabalhista regressiva por meio de uma Consulta Popular com a maioria das perguntas sobre segurança, mas que incorporou duas perguntas em relação à reforma constitucional para permitir o trabalho por horas e o contrato a prazo fixo. Dizia que essas medidas eram necessárias para conseguir investimento estrangeiro. Havia uma outra ainda sobre a arbitragem internacional – colocando a corda do pescoço da nossa soberania, submetendo o país às transnacionais e aos seus lobistas. Felizmente, 70% da população equatoriana disse não ao governo, que perdeu naquilo que era a centralidade da sua Consulta.
Apesar disso, tem acelerado nas medidas de flexibilização laboral, com o Ministério do Trabalho iniciando um ataque à organização sindical e estamos agora num momento de agressão e perseguição às lideranças. Continuamos com os problemas de insegurança e chegamos a ter até 14 horas diárias de apagões, provocando uma série de dificuldades. É um governo absolutamente ineficiente sem qualquer interesse por direitos ou solucionar problemas dos equatorianos.
LWS – Tens afirmado que o governo Noboa gosta de pescar em rio revuelto (em águas turvas), tirando proveito para a sua família. Como isso se dá?
MA – É que os negócios da sua família multimilionária têm crescido com a implementação dos Tratados de Livre Comércio que ampliam as fronteiras agroindustrial e mineira. E quando interessam o governo, seguem avançando… E seguem negociando TLCs com os Estados Unidos e com o Canadá, de costas para os trabalhadores e para o conjunto do nosso povo. Portanto, é um governo incapaz de implementar medidas de proteção ao direito e à vida, mas tremendamente competente para proteger e multiplicar tanto os interesses da sua família quanto os do capital agroindustrial e mineiro transnacional.
Cito como exemplo as hidrelétricas postas a leilão. As instalações de uma delas foi entregue ao grupo Glória, que provém do Peru [onde foi revelado que financiou a campanha milionária de Keiko Fujimori, anos depois de colaborar com o governo ditatorial de seu pai, Alberto], está vinculado a um cartel alimentício [forçado pela França a retirar do mercado produtos lácteos contaminados por salmonela].
LWS – Do ponto de vista da organização sindical, como vês a composição de uma frente ampla para derrotar o atual desgoverno nas próximas eleições de fevereiro de 2025?
MA – O que estamos fazendo neste momento é elevar a capacidade de mobilização, atuando tanto no cenário nacional como internacional. Denunciamos na Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e em outras instâncias o que está ocorrendo a partir da implementação da política neoliberal e da perseguição sindical. Em junho deste ano, na 112ª seção da OIT, o Equador foi integrado na lista dos piores países para os trabalhadores, pelos constantes ataques à liberdade sindical. Isso foi resultado da ação da Frente Unitária dos Trabalhadores e, naturalmente, da nossa Confederação Equatoriana.
É um cenário que estamos denunciando, fincando pé em capítulos como o nove do TLC com a União Europeia, onde apontamos a necessidade da defesa dos direitos trabalhistas e do meio ambiente. Seja por meio de queixas ou documentos, agimos para pressionar e obrigar o governo equatoriano a cumprir com suas obrigações e respeitar direitos.
No aspecto interno, primeiro podemos dizer que estamos dialogando com as demais organizações e movimentos com o objetivo de consolidar uma força pujante. Isolado, o movimento sindical não tem como enfrentar tudo o que significa o poder de Noboa.
Noboa não conseguiu somente controlar a Assembleia Constituinte, mas os meios de comunicação, implementando um Estado de Exceção, em que tem mantido permanentemente o país, impedindo que ocorram grandes manifestações, exatamente pelo amedrontamento das pessoas. É isso o que faz com que a ministra do Governo, o ministro do Interior e os demais generais saiam a dar declarações de que mobilizações não serão permitidas. Isolado, o movimento sindical não está conseguindo fazer frente à força pública armada e convocada para intimidar e perseguir.
Apesar de tudo, na Consulta Popular, a incidência do movimento sindical e popular derrotou todo o aparato estatal e toda campanha midiática. Vencemos a narrativa dos meios de comunicação, impusemos uma derrota ao retrocesso, conseguindo travar a batalha nas ruas e, também, nas redes sociais.
LWS – Diante disso, qual a importância de construir uma rede de comunicação que atenda aos interesses do desenvolvimento com soberania, fortalecendo a integração dos nossos países e povos?
MA – Precisamos de uma estratégia de comunicação que aborde esse cenário construído pela grande mídia nos somando a redes sociais que permitam romper o bloqueio construído por governos autoritários como o atual, que nos impedem o acesso aos meios de comunicação.
A censura ocorre para que não se conheça além da fronteira a realidade e a dimensão da crise em que estamos mergulhados. Por isso é indispensável contarmos no Brasil com instrumentos como a Hora do Povo, o Vermelho, a Diálogos do Sul, o Correio da Cidadania e o ComunicaSul. São meios independentes existentes para sustentar a solidariedade e levar mais longe a luta dos nossos povos com um compromisso integracionista.