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Equidade e dívida pública em Porto Rico

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

<<Jorge Antonio Arroyo*>>

Bandeira de Porto Rico

O Estado é composto por um conjunto de cidadãos (a polis) que em um dado momento se juntaram e subscreveram um pacto social através do qual permitem que o Estado intervenha em suas atividades econômicas. Há escolas de pensamento que postulam que o Estado não deve intervir na atividade econômica. Existe também a vertente oposta.

Porém é essencial tomar em conta que quando a polis delega essa função ao Estado, parte da premissa básica de que essa função será exercida equitativamente, já que a polis, integrada por diversas classes, níveis econômicos, níveis sociais, é totalmente heterogênea. Por isso se pensa no conceito de “equidade”. Ele implica que se atue e legisle sem preferências por níveis de diferentes estratos.

Obviamente ao dar-se preferencia aos credores no nosso documento constitucionai, que cria e limita o Estado, pode-se alegar que há falta de equidade posto que o Estado existe como uma função da polis e não como uma função do capital. Nossa constituição tem uma premissa implícita – o capital sobre a polis. Ai não há equidade. Estabelecemos este marco conceitual para proceder a discutir o problema da equidade e dívida pública em Porto Rico.

Constitucionalmente o povo de Porto Rico está obrigado a cobrir o serviço da dívida do governo central antes de realizar qualquer outro gasto. A responsabilidade do pagamento da dívida pública está explicitamente estabelecido no artigo VI, sessão 8, titulado “Prioridade de desembolsos quando os recursos não bastem”. Neste artigo fica estabelecido o seguinte: “Quando os recursos disponíveis para um ano econômico não bastem para cobrir os orçamentos aprovados para esse ano, se procederá em primeiro termo, ao pagamento dos juros e amortização da dívida pública e, depois se farão os demais desembolsos de acordo com a norma de prioridades estabelecida pela Lei.”

Visivelmente, desde a criação da Constituição do Estado Livre Associado de Porto Rico ficou estabelecido que se favorece primeiro aos ricos, aos credores – os poderes econômicos estrangeiros. Nosso primeiro governador eleito, Luis Muñoz Marín, que pretendia garantir a igualdade de oportunidades – diante de tanta necessidade e tanta pobreza- , sem dúvida se alugou aos grandes interesses. Este era o único remédio a sua disposição no momento. A emissão de bônus, então, podia ser vista como um recurso confiável para os objetivos infraestruturais do projeto de Muñoz em Porto Rico. Dessa maneira se começou a criar uma linha de “crédito” paa o financiamento de futuros projetos na ilha e o desfrute de seus habitantes – um método muito válido de aquisição econômica para conseguir o bem estar social.

O problema está em que se abusou dessa linha creditícia. Administrativamente não se tomou as melhores decisões quanto a disposição desses empréstimos, possíveis através das emissões de bônus, o que levou o sistema econômico porto-riquenho a  um grande acúmulo de déficit, e por isso, a uma crise creditícia segundo as agências qualificadoras de crédito (Moody’s, Standard & Poor’s e Fitch’s).

Da mesma maneira se fata de um mal uso do mecanismo da dívida para a obtenção de recursos cujos fins poderiam ter sido custeados por outras fontes de ingresso. Esta grave situação econômica limita as emissões de dívida de Porto Rico dado a instabilidade que representa, segundo as entidades avaliadoras, e restringem por sua vez o desenvolvimento da infraestrutura. Além disso obriga a que os executivos administradores, presentes a cada mandato de quatro anos, tenham que tomar medidas drásticas – mesmo que não sejam as mais sensatas – com tal de reduzir a tal dívida e recuperar as qualificações necessárias para continuar emitindo bônus com os menores juros possíveis.

Não obstante, apesar do arrocho fiscal existente por causa da dívida acumulada, na Constituição do Estado também está estabelecido um teto ao pagamento dessa dívida: o total do principal e juros de títulos emitidos pelo estado fica limitado a um máximo de 15% da média do total de ingressos recolhidos nos dois anos anteriores ao corrente. Agora, a situação seria menos precária não fosse pela dívida “extra constitucional”.  A dívida extra constitucional não é outra coisa que uma dívida institucional, que começou quando se capacitaram – através da Autoridade para o Financiamento da Infraestrutura (AFI) – às corporações pública a emitir títulos. Isto na realidade é um tipo de “bay pass”,, muito bem conjecturado ao artigo IV, sessão 2 da Constituição do Estado, onde fica estabelecido o limite da dívida.

Atualmente essa dívida inconstitucional acumulada equivale a quase um 75% do total da dívida pública (dos 68.460 milhões de dólares as corporações públicas assumem 49.542 milhões). De igual maneira os municípios e desde há pouco tempo, através da Corporação do Fundo de Juros Escorchantes, desde 2007 – os ingressos do Imposto por Venda e Uso, também emitem títulos que se somam 1a divida extra constitucional alcançando os 3.498 milhões. Paralelamente, a dívida do Governo Central está em torno de 23% do total da dívida pública, uns 15.420 milhões de dólares.

A emergência fiscal até agora descrita não soa tão devastadora se esses empréstimos adquiridos inconstitucionalmente fossem utilizados para beneficiar, tanto aos contribuintes como aos não contribuintes, com avanços transcendentais nos serviços e na infraestrutura. Não obstante, a realidade é que o que se está fazendo com esse dinheiro emprestado não é outra coisa que “pagar o Visa com o American Express”, ou seja, operar com um déficit e financiá-lo com dívida. Em vez de acorrer a desembolsos para melhoras infraestruturais, tecnológicas e de serviços em geral, se distribuem estes recursos para saldar gastos de funcionamento que representam um 80% do orçamento – contraposto aos gastos de melhora permanente (só 6% do orçamento foi assignado para este gasto em 2012). Uma medida contraproducente pois não se estimula o investimento público, nem portanto, o crescimento econômico.

Apesar do cenário apresentado ha que esclarecer que, mesmo com essa enorme dívida pública, isto não significa que a capacidade de honrar o serviço da dívida tenha sido alcançada. A degradação escalonado do crédito de Porto Rico não configura um colapso econômico próximo, mas se espera  o que poderia se converter em um “default”, quer dizer, a cessão dos pagamento num futuro. No orçamento de 2012, a margem comprometida para os empréstimos é de 11.05%. Significa que ainda há um 3%, superando a quase 220 milhões de dólares para dívida adicional.

Com isto estabelecido se pode chegar a simples conclusão de que, sem dúvida, os credores tem uma vantagem constitucional sobre os cidadãos porto-riquenhos sob essa cláusula que vai em detrimento de nossos interesses como sociedade em busca do bem-estar. É uma vantagem especialmente para os credores estrangeiros, que ademais transferem os pagamentos aos bancos de outros países. Em conclusão, os porto-riquenhos pagamos uma dívida da qual se beneficiam outros cidadãos. Porém nossa desvantagem vai mais além. Na atualidade, nossa dívida pública representa 103% do Produto Nacional Bruto (68.460 milhões de dólares em dívida pública, vs 66.415 milhões de dólares do PNB). Isto significa que temos uma dívida estimada em 18.500 dólares per capita.

Também significa que, a falta de ideias inovadoras, teremos que continuar com medidas fiscais extremas, como conceder os serviços públicos através de Alianças Público-Privadas (APP). Recentemente, neste mesmo ano de 2013, ficou clara a utilização desses extremos com a concessão do principal aeroporto da nação a uma empresa mexicana para que o administre, funcional e economicamente, a prestação de serviços e manutenção, numa APP. Há que recordar que essas medidas são adotadas principalmente para evitar que se reduza o investimento estrangeiro diante da instabilidade que é mostrada pelas avaliações e qualificações das entidades creditícias. Os desastres econômicos fluem por reação em cadeia e lamentavelmente a filosofia legislativa tem sido: deter estas reações com medidas fulminantes – e muitas das vezes, sem pensar nas consequências de longo prazo.

Ha que recordar que o Estado exerce seu poder para estabelecer as normais de equidade entre o público e o privado. A jovens Constituiçao de Porto Rico garante certos direitos que devem recar na gestão pública já que ficara demonstrado que , em mãos do privado, os direitos dos cidadãos não estão garantidos, pois este não é seu objetivo. Partindo da premissa de que nosso governo busca manter esses benefícios acessíveis a todos os cidadãos é necessários repassar todo o anteriormente dito. Isto para entender por que estamos imersos em dívida tão grande. Porém, são estes números deficitários tão elevados resultado de uma sobre empregomania? São as medidas de corte a melhor solução? Ou, por acaso as APP resolverão o déficit?

Os gastos no setor público são necessário e devem ser entendidos como investimentos ao bem estar social, a luta contra o desemprego. Nenhum economista sensato cortaria gastos assignados em meio a uma recessão econômica. Sabe-se que uma medida de efeito imediato como a sugerida leva a uma recessão de maior profundidade e dificuldade para superar no longo prazo. As APP tampouco parecem ser a melhor solução, basta com ver os resultados em outros países que implementaram medidas similares. Começando por que por meio desses mesmos projetos estão violentando garantias constitucionais, pois cedem empregos  com lucros, direitos e bons salários a empresas privadas que não necessariamente provem essa qualidade de emprego a seus empregados e como se isso fosse pouco, deixam os empregados públicos sem seus postos de trabalho. Ademais, estas APP, como a do aeroporto, representam um risco de monopólio praticamente permitido por lei.

Há soluções constitucionais que poderiam resolver o assunto da futura dívida públic. E com uma boa implantação de estratégia econômica com vistas a longo prazo, a presente. É coisa de visionários. O melhor exemplo é o Equador que conseguiu retificar sua dívida substancialmente através de medidas diversas. Esta nação, tal como Porto Rico, tinha comprometido seu equivalente de nosso PNB com sua dívida pública. Em 2007, ao assumir a presidência, Rafael Correa anunciou uma “Revolução Cidadã”, na qual reiterava seu apoio à  “integração, solidariedade e a equidade”. Foi então que em sua nova Constituição, os equatorianos aprovaram o seguinte com relação à dívida pública:

  1. Se recorrerá ao endividamento público somente quando os ingressos fiscais e os recursos provenientes da cooperação internacional forem insuficientes.
  2. Se cuidará para que o endividamento público não afete a soberania, os direitos, o bom viver e a preservação da natureza.
  3. Com endividamento pública se financiará  exclusivamente programas e projetos de investimento para infraestruturas, ou que tenham capacidade financeira de pagamento. Só se poderá refinanciar dívida pública externa, sempre que as novas condições sejam más benéficas para Equador.

Além disso foi criada a “Comissão para Auditoria Integral do Crédito Público”, com o propósito de identificar dívidas ilegítimas as quais não seriam pagas si se determinasse que não foram em benefício para a população ou se foram contraídas fraudulentamente, e com capacidade para atuar juridicamente contra os responsáveis de algumas dessas dívidas ilegítimas. O poder do Estado deve se encarregar de estabilizar a economia salvaguardando os interesses  legítimos do povo e não os interesses dos credores.

O pagamento do serviço da dívida pública, garantida na Constituição de Porto Rico, foi em seu momento o motor para fomentar a economia fiscal do país. Novamente, a longo prao, essa garantia não deveria ter sido um preceito intocável como se manteve até o momento. Refere-se a que desde um princípio era necessário estabelecer que essa garantia estava sob a condição de que num futuro se emendará, pois apesar de que as emissões de títulos permitiram em seu momento expandir os serviços públicos e cobrir necessidades básicas de um país em pleno desenvolvimento, por outro lado, representavam um perigo econômico em mãos de maus administradores.

 

*O autor é formada pela Escola Graduada de Administração Pública da Universidade de Porto Rico, campus de Rio Piedras


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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