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ToggleO Brasil vai às urnas em 2024 para eleger cargos locais e, segundo as pesquisas de intenção de voto, Guilherme Boulos (PSOL) segue na liderança para a prefeitura de São Paulo. É o que mostra o último levantamento do Datafolha, divulgado em 31 de agosto de 2023:
● Guilherme Boulos (PSOL) lidera a disputa com 32% das intenções de voto.
● O atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), está em segundo lugar, com 24%.
● Em terceiro lugar, temos Tabata Amaral (PSB), com 11%.
● Kim Kataguiri (União Brasil) ocupa o quarto lugar, com 8%.
● O ex-deputado Vinicius Poit, do Novo, figura em quinto lugar, com 2%.
18% dos entrevistados afirmaram que pretendem votar em branco ou anular o voto, o que é um número significativo, mas esperado considerando que a eleição está a 13 meses do primeiro turno. Além disso, 5% não conseguiram indicar um candidato.
A pesquisa foi conduzida com 1.092 eleitores da capital paulista em dois dias, e a margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.
Na abordagem espontânea, na qual os entrevistados são solicitados a mencionar um nome de preferência sem ter uma lista de candidatos à disposição, Boulos recebe 8%, Nunes 4%, e Kim 1%. O termo “candidato do PT” é citado por 2%, embora não haja indícios de que o partido lance um nome próprio, mas sim apoie Boulos. Já “o prefeito”, sem especificação de nome, é mencionado por outros 2%. Aqueles que não têm um candidato somam 72%, enquanto 7% declaram a intenção de anular o voto ou votar em branco.
Agora, à medida que nos aproximamos das eleições municipais, Nunes parece empenhado em um esforço hercúleo: mais do que apenas polir sua imagem, busca se revelar para o grande público paulistano, enquanto convenientemente guarda alguns esqueletos bem trancados no armário político.
Afinal, o que ele tem a esconder?
De vice a prefeito
Pouca gente sabe de fato quem é o atual prefeito da cidade de São Paulo. Há quem acredite, inclusive, que a figura do ex-prefeito Bruno Covas, que veio a óbito em 2021, ainda paire na cidade. Acontece que, ao morrer, Covas deixou a cidade nas mãos de alguém que era pouco conhecido até pelos eleitores do PSDB, o mdbista Ricardo Nunes.
Há especulações de que Bruno Covas (PSDB) já estava ciente de sua condição de saúde durante as eleições de 2020, quando venceu Guilherme Boulos (PSOL) e se tornou prefeito de São Paulo. Durante a corrida eleitoral, ele buscou manter Ricardo Nunes (MDB) em segundo plano, limitando a presença do vice a aparições públicas ao seu lado.
Com a morte de Covas, em 16 de maio de 2021, Nunes assume definitivamente o Edifício Matarazzo. Ele já estava exercendo interinamente a função desde 2 de maio daquele ano, quando Covas se afastou para continuar seu tratamento contra o câncer.
Em seu primeiro ato como prefeito, Nunes decretou luto oficial de 7 dias em homenagem a Covas, reconhecendo a importância de seu legado na administração da cidade. Com a transição, o MDB (anteriormente PMDB) retomou o comando da cidade de São Paulo após um hiato de quase quatro décadas – até então, o partido havia governado a capital paulista pela última vez na gestão Mário Covas, avô de Bruno, de 1983 a 1985.
Atuação como vereador e esqueletos no armário político
Antes de se tornar vice-prefeito em 2020, Ricardo Nunes serviu como vereador por dois mandatos.
Nesses 8 anos no Legislativo, desempenhou um papel relativamente ativo na aprovação de 58 leis, sendo coautor de 41 delas, em colaboração com outros vereadores, e autor de 17 proposições independentes. Das 58, apenas quatro não estavam relacionadas a datas comemorativas ou à nomenclatura de ruas.
Apesar de cultivar a imagem de “guardião dos recursos públicos” e se posicionar como um defensor ferrenho do “combate à corrupção”, Ricardo Nunes, em outubro de 2020, foi alvo de uma investigação conduzida pela promotoria do Patrimônio Público e Social do Ministério Público do Estado de São Paulo. A investigação tinha como objetivo apurar indícios de superfaturamento no aluguel de creches privadas que mantinham convênios com a prefeitura.
Conforme apontado pela promotoria, Nunes teria se beneficiado por meio de sua ligação com a Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos (Sobei), que recebia mensalmente da prefeitura uma quantia de R$ 329 mil destinada ao pagamento dos aluguéis das creches. Na época, o vereador refutou qualquer envolvimento e alegou ser apenas um “voluntário” na instituição.
Outro episódio que joga contra a imagem de Nunes veio à tona durante a corrida eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, em 2020. Um repasse de R$ 50 mil foi feito, sem a realização de licitação, à empresa Nikkey, para a dedetização de creches. À falta de licitação, soma-se o fato de que a empresa foi fundada por Nunes em 1997 e contava com a esposa e a filha do vereador como sócias.
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Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Em 18 de fevereiro de 2011, a esposa de Ricardo Nunes, Regina Carnovale, o denunciou por violência doméstica
Já as creches que passaram pelo processo de dedetização eram administradas pela Associação Amigos da Criança e do Adolescente (Acria), que, na época, tinha como presidenta Eliana Targino, ex-funcionária de Nunes, e como vice-presidente José Cleanto Martins, por sua vez pai de uma assessora de Nunes, conforme revelado pelo jornal Folha de S. Paulo.
Diante das acusações, o então vereador negou qualquer forma de favorecimento, argumentando que os valores cobrados estavam “abaixo do mercado” e que esse era um gesto para “auxiliar as creches”. Ele também negou que a Acria estivesse sob a liderança de aliados políticos.
De acordo com sua declaração ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Nunes possui um patrimônio avaliado em R$ 4,8 milhões, incluindo imóveis e aplicações financeiras. Em 2016, ele destinou R$ 450 mil em recursos próprios para sua campanha e conseguiu a reeleição como vereador.
Violência doméstica
Em 18 de fevereiro de 2011, a esposa de Ricardo Nunes, Regina Carnovale, o denunciou por violência doméstica. O Boletim de Ocorrência (BO) foi formalizado na 6ª Delegacia da Mulher, localizada em Santo Amaro, zona sul da capital.
Na época, Carnovale relatou que o casal tinha uma união estável que perdurou por 12 anos. Entretanto, sete meses antes do incidente, ambos haviam decidido se separar, principalmente devido ao excesso de ciúmes manifestado por Nunes.
“Inconformado com a separação, [Nunes] não lhe dá paz, vem efetuando ligações, proferindo ameaças, envia mensagens ameaçadoras todos os dias e vai em sua casa, onde faz escândalos e a ofende com palavrões”, detalha o BO.
De acordo com informações da Folha, em 2015, Carnovale recorreu às redes sociais para questionar a falta de pagamento de pensão alimentícia à filha. Nas publicações, ela se referiu a Nunes como “bandido” e “crápula”, alegando ainda ter provas das agressões sofridas: “Ele sempre me bateu”, revelou.
Meses após essas declarações, o casal retomou o relacionamento. Questionada sobre isso, a esposa afirmou que sua conta havia sido “hackeada”, sugerindo que as publicações não refletiam sua real posição. Nenhuma das denúncias progrediu para um processo judicial.
O vereador, por sua vez, negou veementemente as acusações de agressão e colocou a culpa em sua esposa, dizendo que o BO foi registrado em um período em que ela estava “emocionalmente abalada”.
As denúncias do Intercept Brasil
Conforme relatado pelo Intercept Brasil, a prefeitura de São Paulo abriu os cofres para melhorar a imagem da gestão Ricardo Nunes.
De acordo com documentos obtidos pelo veículo por meio da Lei de Acesso à Informação, o mdbista desembolsou quase R$ 3 milhões para a publicação de reportagens positivas feitas pelo Estúdio Folha, divisão patrocinada do jornal Folha de S.Paulo que se define como um “ateliê de produção de conteúdo ao mercado e às marcas”.
A contratação dos serviços do jornal foi intermediada pela agência de publicidade Propeg, que possui um contrato com a Prefeitura de São Paulo no valor de R$ 200 milhões e está sob investigação do Ministério Público paulista. A empresa repassou à Folha R$ 2,3 milhões somente em 2023, enquanto no ano passado foram R$ 448 mil.
Nos últimos meses, foram mais de 60 reportagens a favor de Nunes, material que também é divulgado nas redes sociais do periódico e ganha, inclusive, impulsionamento pago no X (Twitter), segundo apontam usuários da plataforma. Em sua página, o Estúdio Folha afirma usar técnicas jornalísticas para oferecer um serviço “sob medida”, buscando induzir a audiência a acreditar que propaganda é jornalismo.
Após a denúncia feita pelo Intercept e a repercussão principalmente nas mídias independentes, a folha começou a sinalizar a propaganda a favor de Nunes como conteúdo patrocinado.
Das dezenas de reportagens, uma veiculada em junho de 2023, com o título de “Escolas e creches de São Paulo servem 2,3 milhões de refeições por dia”, afirma que a merenda distribuída pela prefeitura é “premiada internacionalmente”. Mas segundo o Intercept, menos de um mês antes, em maio, a própria Folha havia publicado uma reportagem que relatava que a prefeitura paulistana estava deixando as escolas sem feijão.
Outro branded content da Folha, dessa vez sobre responsabilidade fiscal, também afaga Nunes ao afirmar que suas medidas garantiam uma capacidade de investimento recorde do município. No mesmo tom, um texto sobre o recapeamento de vias exaltava o novo asfalto de ruas e avenidas em SP, superando a marca de 8,6 milhões de metros quadrados e com um investimento de R$ 1 bilhão.
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O ombudsman do veículo, José Henrique Mariante, reconheceu o conflito em sua coluna, mas afirmou que a reportagem do Intercept fazia inferências, sem apresentar algo concreto além da falta de um marcador mais explícito de conteúdo não editorial no Estúdio Folha. No entanto, o Intercept disponibilizou os documentos públicos que respaldam suas afirmações, permitindo que qualquer leitor verifique os detalhes dos pagamentos da prefeitura à Folha de forma transparente.
Neste link, você encontra os documentos da reportagem do Intercept Brasil.
George Ricardo Guariento | Jornalista e colaborador da Diálogos do Sul.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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