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Especialistas veem indícios de lavagem em declaração do imposto de renda de Bolsonaro

Em 2002, Jair declarou R$ 50 mil em obras no ano em que foi citado por receber R$ 50 mil na “Lista de Furnas”
Lúcio de Castro
Agência Sportlight
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Duas movimentações no mesmo valor chamam atenção na declaração do imposto de renda de Jair Bolsonaro em 2002. A quantia é igual a que foi atribuída a ele na conhecida “Lista de Furnas” naquele ano.

Na ocasião, o então deputado federal apontou para a Receita Federal ter gasto R$ 50 mil em reformas de dois distintos imóveis. O mesmo valor e ano em ambas: R$ 25 mil no apartamento na rua Visconde de Niteroi, Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro e outros R$ 25 mil na casa de Angra dos Reis.

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Esses R$ 50 mil que estão na prestação de contas do candidato na Justiça Eleitoral em 2002 e aparecem como empregados nas citadas obras, corrigidos pelo IGMP-M equivalem a R$ 180.927,44 atuais. 

Em 2002, Jair declarou R$ 50 mil em obras no ano em que foi citado por receber R$ 50 mil na “Lista de Furnas”

Palácio do Planalto
A quantia é igual a que foi atribuída a ele na conhecida “Lista de Furnas” naquele ano.

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As duas obras simultâneas com preço idêntico chamam atenção mais ainda quando surge uma terceira coincidência. Com igual valor: também R$ 50 mil são atribuídos a Jair Bolsonaro no mesmo período na famosa e controversa “Lista de Furnas”. Na relação, o atual presidente aparece como beneficiário de exatos R$ 50 mil para a campanha eleitoral de 2002 vindos de uma caixinha alimentada por corrupção na estatal. Bolsonaro nega ter recebido tal quantia.

2002: R$ 25 mil declarados no Imposto de Renda como “obra em casa de Angra dos Reis”:

2002: R$ 25 mil declarados no Imposto de Renda como “obra em apartamento na rua Visconde de Itaboraí”:

2002: Bolsonaro é citado por receber R$ 50 mil na “Lista de Furnas”

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Obras e reformas de imóveis são apontados como clássicos indícios na literatura sobre lavagem de capital e entre os especialistas, caso não exista comprovação sobre a origem dos recursos. Nas chamadas fases que compõe o processo de lavagem que encontram senso comum na bibliografia do tema estão a conversão, a dissimulação e por fim a integração do capital a ser lavado.

Experiente profissional consultado pela reportagem, perguntado de maneira geral e não específica sobre algum caso, afirmou que é comum a “simulação por meio de notas e recibos falsos de reformas e benfeitorias no imóvel que possam valorizá-los, promovendo assim a reinserção desse capital”.

Um outro profissional tarimbado da área ouvido pela reportagem, de renome mundial no tema e protagonismo nas operações de lavagem de dinheiro em episódios de grande impacto recentemente no Brasil, também questionado sem saber quem era o personagem em questão e tendo apenas se debruçado sobre o caso genericamente, afirma que a descrição da operação não deixa dúvidas de indícios:
“Na minha opinião, com certeza é um indício de lavagem, desde que não haja comprovação de onde saiu o valor. Lá na frente, quando se vende o imóvel, o valor estaria inserido no bem e essa pessoa receberia o dinheiro limpo, oriundo da venda do imóvel. Não é uma lavagem muito sofisticada pois tem uma ponta solta: a origem do recurso gasto na reforma. Mas com certeza pode se constituir lavagem. Até porque quase toda lavagem deixa uma ponta solta no esquema”, diz.

Para tentar entender a origem dos recursos e saber sobre a comprovação dos gastos, a Agência Sportlight de Jornalismo analisou as declarações de imposto de renda existentes na Justiça Eleitoral a cada eleição. E procurou ouvir o presidente, através da assessoria de imprensa do Palácio do Planalto, que não respondeu.

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Os dois imóveis citados estavam na declaração de renda do então deputado federal Jair Bolsonaro no ano de 2002, quando aparece a indicação dos gastos com obras. Misteriosamente e jamais esclarecido, na declaração de renda na eleição seguinte (2006) entregue para a justiça eleitoral, os imóveis que constam em 2002 não aparecem mais. Em 2010, Bolsonaro volta a declarar imóveis. A casa em Angra ainda consta mas o apartamento da Tijuca não está mais entre os bens.

Outro dado chama atenção ao se verificar a declaração de Jair Bolsonaro. Em 2002 seu imposto de renda citava R$ 123.341,23 em 6 contas (duas poupanças, duas contas correntes e duas aplicações, todas no Banco do Brasil). Um gasto de R$ 50 mil representaria 40,54% de seu capital empregado em reformas.

O nome de Jair Bolsonaro na “Lista de Furnas” e a coincidência de valor com a mesma quantia de R$ 50 mil em reformas de imóveis acende a luz de novo para um episódio que parece ter sido estranhamente esquecido e cercado de silêncio.

A chamada “Lista de Furnas” é como foi batizado um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro onde Furnas Centrais Elétricas é a fonte de arrecadação. E teria movimentado milhões desviados da estatal a partir de 2000 até 2005. O coração da quadrilha seria Dimas Toledo, indicado por Aécio Neves para a diretoria de engenharia da empresa ainda na presidência de Fernando Henrique Cardoso.

A finalidade inicial era financiar a campanha de Aécio Neves para a presidência da câmara dos deputados na campanha que começou em 2000 e culminou com a vitória em 14 de fevereiro de 2001 para comandar o parlamento. A propina teria proporcionado a compra de boa parte dos 283 votos que selaram a vitória do político mineiro.

Já montado e funcionando a pleno vapor, o esquema de Furnas teria seguido estruturado depois do pleito interno do congresso. A partir daí então tendo como fim alimentar a caixa de alguns deputados federais, essencialmente de partidos conservadores, para as eleições de 2002 e indo até 2005. No entanto, paralela ao “Mensalão”, a denúncia não encontrou o mesmo eco e interesse das autoridades e grande imprensa em seguir investigada, apesar das vultosas quantias envolvidas.

Uma lista com o nome de 156 políticos beneficiários dessa “caixinha”, daí o nome “Lista de Furnas”, foi entregue pelo lobista Nilton Monteiro, próximo a Dimas Toledo, para a Polícia Federal em 6 de maio de 2006. A lista entregue por Nilton Monteiro tem a assinatura de Dimas Toledo e a data de 30 de novembro de 2002.

Perícias foram contratadas por políticos para desmentir a veracidade da lista, uma CPMI no congresso defendeu seus pares das acusações, decretando a falsidade dos documentos mas em 16 de junho de 2006, reportagem de Rubens Valente, na Folha de São Paulo, revela que a Polícia Federal atestou a veracidade da “Lista de Furnas”.

Jair Bolsonaro, então deputado federal pelo PPB, aparecia como beneficiário de R$ 50 mil reais na lista. O atual presidente sempre negou. Na campanha presidencial de 2018, o tema voltou e o então candidato afirmou que era coisa da oposição. “A Polícia Federal anexou relatório ao processo judicial sobre o caso em que demonstra como o estelionatário Nilton Monteiro confeccionou a falsa lista de Furnas, incluindo apenas deputados da oposição visando fazer um contrapeso ao escândalo do mensalão de 2005. Seria a salvação de Lula e mensaleiros. A Polícia Federal reconheceu a autenticidade da assinatura de Nilton Monteiro na tal lista de Furnas mas não seu conteúdo”, afirmou Bolsonaro.

Abafada e sem ir adiante em maiores investigações apesar do teor, a lista teve confirmação em alguns outros episódios. Que batiam com os dados da relação apresentada por Nilton Monteiro. Um deles é um depoimento de Roberto Jefferson para a Polícia Federal em 1º de fevereiro de 2006, onde reconhece que recebeu, como deputado federal pelo PTB, a quantia de R$ 75 mil, exatamente o valor que aparece ligado ao seu nome na relação. Jefferson hoje é um dos principais aliados de Jair Bolsonaro.

Mais dois episódios atestam o esquema de Furnas: as delações premiadas de Marcos Valério, lobista mineiro, que descreve como funcionava o mecanismo inicialmente formado para bancar a eleição de Aécio Neves na câmara e depois nas campanhas eleitorais e ainda a delação de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, que confirma o repasse a um conjunto de políticos.

A “Lista de Furnas” na delação de Marcos Valério:

Outro lado:
A reportagem tentou ouvir o presidente Jair Bolsonaro sobre os temas abordados através da Secretaria de Comunicação (Secom) mas não obteve resposta.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Lúcio de Castro

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