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Esperanza Martínez, líder da Frente Guasú: Voto na Concertação é abrir Paraguai à democracia

"Significa recuperar a soberania e os valores democráticos para virarmos a página de autoritarismo, prepotência, impunidade e privilégios", afirma senadora
Leonardo Wexell Severo
Hora do Povo
São Paulo (SP)

Tradução:

No próximo domingo (30) o povo paraguaio elegerá seu presidente e vice para os próximos cinco anos (2023-2028). No país não existe segundo turno. Na mesma data, o país de 7,3 milhões de habitantes e cerca de 5 milhões de eleitores também escolherá os 17 governadores, 45 senadores e 80 deputados. 

Nesta entrevista exclusiva, a líder da Frente Guasú (FG), senadora Esperanza Martínez, ex-ministra da Saúde e do Bem-Estar Social do governo de Fernando Lugo (2008-2012), e ex-presidente da Comissão da Fazenda e Orçamento do Senado (2020-2021) defende a política de “frente ampla” da Concertação Nacional para um Novo Paraguai.

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A aliança de 40 partidos e movimentos políticos, fortalecida por 150 organizações sociais, é dirigida por Efraín Alegre e Sole Núñez, liderando a oposição pelos “brancos”. Candidato pelo Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), Alegre foi ministro de Obras Públicas de Lugo, que encabeça a lista da Frente Guasú ao Senado.

Representando o governismo mais abjeto está Santiago Peña, ex-ministro da Fazenda, nome do fascista Horacio Cartes, da Associação Nacional Republicana (ANR), o “Partido Colorado”, vinculado historicamente à ditadura de Alfredo Stroessner.

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Submisso aos Estados Unidos, o general dirigiu o Paraguai de 15 de agosto de 1954 até 3 de fevereiro de 1989, em meio a uma onda de prisões, perseguições e assassinatos, segundo Peña, medidas necessárias para dar “estabilidade ao país”. Afinal, protestou o candidato colorado, “há muita gente que não quer trabalhar”.

"Significa recuperar a soberania e os valores democráticos para virarmos a página de autoritarismo, prepotência, impunidade e privilégios", afirma senadora

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Esperanza Martínez (Efraín Alegre): Nós temos duas figuras que encarnam o modelo Bolsonaro: Horacio Cartes e Payo Cubas

Confira a entrevista

Leonardo Wexell Severo | Como foi que a Concertação conseguiu furar o cerco e levar suas propostas ao conjunto do país?
Esperanza Martínez | A campanha da Concertação nos proporcionou chegar com um crescimento progressivo e poder ganhar. O movimento pela mudança começou em janeiro nos 17 departamentos [estados] e na capital, Assunção. Realizamos encontros cidadãos, mais do que de caráter político-partidário, reunindo gente nas praças e em passeatas. Foram muitos eventos com jovens e caminhadas com milhares de mulheres, todos se unindo sob a bandeira da Concertação, que foi congregando associações de artesãos, pintores, pequenos, médios e grandes produtores, cooperativistas, pequenos empresários e estudantes. 

Aos poucos foi sendo difundido e incorporado o sentimento de que o projeto da Concertação é de todos e todas, que vai além dos 40 partidos e movimentos políticos que a compõe. Que ultrapassa as 150 organizações sociais e populares, como de carpinteiros, relojoeiros, pintores, operários da construção civil e associações de bairro que assinaram um documento de adesão, ao mesmo tempo em que colocavam suas reivindicações e expectativas.

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Neste último período, trabalhamos todas as terças-feiras, lançando uma clara linha do programa de governo que concluímos, agora, com a apresentação de um pequeno texto, fruto do trabalho coletivo de todas as organizações e setores. 

Afirmaste que “o Partido Colorado representa uma subordinação histórica aos interesses estrangeiros, tendo passado de uma ditadura aliada a uma democracia tutelada” e que era necessária uma política de Frente Ampla para derrotá-lo. Como ela se concretizou?
Exatamente. O Partido Colorado é o continuísmo de mais de 70 anos do partido do governo, dos quais 35 anos foram de ditadura militar e outros 35 subordinados ao modelo que o regime construiu para uso clientelista, para enriquecimento próprio, enquanto mantinham obrigatoriamente os funcionários públicos como aderentes a quem vão extorquir e obrigar a se subordinar. Em época eleitoral mais do que nunca. Concebem um Paraguai só para os paraguaios que sejam colorados, controlando os Três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, para uso e abuso próprio.

A Concertação é tudo ao contrário. Representa abrir o Paraguai à democracia, à participação ampla, à inclusão, ao fortalecimento das instituições do Estado para que funcionem de maneira independente. Significa recuperar a soberania e os valores democráticos para virarmos a página de autoritarismo, prepotência, impunidade e privilégios.

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Queremos um outro Paraguai. Com diversidade, pluralidade e inclusão, com um governo de todos e todas, não restrito ao mandonismo de um único senhor. Então, temos dois projetos de país que que se confrontam: por isso obtivemos a adesão de tantos partidos e movimentos.

“A ideia é avançar nos projetos de caráter social, de geração de empregos, de fortalecimento da democracia, de apoio estratégico à saúde e à educação como direito humano fundamental”

Na realidade, o que está em disputa é o continuísmo histórico versus um projeto de mudanças para ser erguido e construído ao longo de vários períodos de governo, com alternância dentro dos partidos da Concertação. A ideia é avançar nos projetos de caráter social, de geração de empregos, de fortalecimento da democracia, de apoio estratégico à saúde e à educação como direito humano fundamental, de defesa da soberania energética, que temos de negociar em breve com o Brasil, de segurança interna, participação e inclusão.

Tens denunciado a influência perniciosa de figuras como Bolsonaro, que lançaram suas sombras autoritárias sobre o país vizinho.
Nós temos duas figuras que encarnam o modelo Bolsonaro. Dentro dos colorados é Horacio Cartes quem assumiu as bandeiras da ultradireita e trabalha internamente dentro do seu partido por elas, mas desapareceu ultimamente por razões óbvias: para não prejudicar a candidatura de Santiago Peña, seu ex-ministro da Fazenda.

Bolsonaro encarna ideias neoliberais fracassadas como o endividamento público, o enxugamento do Estado, o corte nos programas sociais, ao que se soma o componente neofascista de agressão aos direitos e valores democráticos.

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Temos também a figura de Payo Cubas, que vem sendo apoiado com muitos recursos econômicos pela ultradireita nesta reta final. Esse seria um fator de suposta divisão da oposição para retirar votos da Concertação, mas como seu modelo é fascista e autoritário, todas as suas consignas são truculentas e agressivas. Fala em instalar uma ditadura e diz que será ditador, mas não tirano.

Obviamente, reduziria os salários e cortaria direitos, mas de forma teatral anda com um cinto dizendo que irá “castigar os corruptos”. Usa todo um simbolismo de violência manipulado para captar o voto raivoso, antissistema, dos que não querem saber nada de política, dos descrentes em nada nem ninguém.

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Felizmente, acredito que pode haver algo como ocorreu em 2008 com a eleição do presidente Fernando Lugo. Tínhamos então o nome de Lino Oviedo concorrendo, que era um militar com uma aceitação popular muito alta, que levou parte expressiva dos votos do Partido Colorado, sua origem. Payo Cubas também diz que é colorado e que vai morrer colorado, partido do qual é dissidente neste momento. Creio que em vez de tirar votos da Concertação, sua candidatura vai contribuir, quebrando esse “voto duro” de cerca de 30% dos eleitores, historicamente dado ao Partido Colorado.

Um dos projetos da Concertação é a intervenção no Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert), uma das formas de garantir acesso à terra a quem nela trabalha. O Paraguai é responsável pela produção de alimentos para cerca de 80 milhões de pessoas, enquanto tem expressiva parcela da sua população faminta. Como deverá ser feita esta ação no Indert?
Esta é uma reivindicação dos agricultores porque o Indert converteu-se de instituição numa espécie de imobiliária, concentrando a informação sobre todas as terras. Por outro lado, existem assentamentos que, apesar de já terem sido pagos há 20 ou 30 anos, ainda não foram legalizados devido à burocracia de seus trâmites rigorosos e lentos pelo governo, fruto da sua indefinição. E aí aparecem “títulos” que, se fossem reais, teríamos um Paraguai e meio devido à sua sobreposição, ao processo de corrupção e de clientelismo político. 

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Toda sociedade sabe que existem instituições que precisam ser reformadas para realizar um trabalho extraordinário, apurando onde está a terra, a quem pertence, quais são as comunidades que já deveriam estar legalizadas. Sanear toda esta situação terá um impacto muito grande no desenvolvimento do país. 

Qual o reflexo da vitória da Concertação no fortalecimento da integração latino-americana?
A Concertação tem como objetivo a integração latino-americana e, em particular, o fortalecimento político-econômico dos países do Sul. Por isso, Efraín Alegre acompanhou as posses dos presidentes Petro e Lula, na Colômbia e no Brasil, que foram as últimas eleições ocorridas.

Sua posição é de recomeçar e fortalecer todos os processos de integração. Sobretudo o Paraguai, que necessita avançar na industrialização, na geração de emprego e no crescimento econômico, precisa da solidariedade. 

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Avançar na complementaridade entre os países da região é o caminho mais próximo e, portanto, a política de relações internacionais e de integração será uma prioridade do novo governo. Desta forma, criaremos as condições para superar a crise internacional neste contexto de multipolaridade em que os grupos de poder estão se reordenando.

São mudanças que, como todo processo de transformação, geram turbulências e dificuldades, e nos colocam responsabilidades. Por estarmos em um local estratégico, sem saída ao mar, no coração da América do Sul, apostamos na integração regional e acreditamos que, a partir do próximo domingo, poderemos assumir esta linha unitária de forma mais ativa. 

Leonardo Wexell Severo | Hora do Povo


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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