Poucos estadunidenses imaginariam que viviam em um desses países que oferecem serviços para que os ultra ricos — empresários, políticos, criminosos — ocultem suas fortunas, mas entre as revelações mais surpreendentes dos Papéis de Pandora é que Estados Unidos se tornou em um dos maiores paraísos fiscais do planeta; menos surpreendente é que empresas, ricos estadunidenses, incluindo muitos sob suspeita ou investigação criminal, continuam escondendo suas fortunas em paraísos fiscais no exterior.
A “economia clandestina” de empresas fantasma e fideicomissário sob nomes emprestados em paraísos fiscais é um lucrativo negócio internacional cujo propósito é ajudar os ricos a evadir impostos ou investigações criminais ou para lavar dinheiro, ou simplesmente para disfarçar seus ativos. Sobretudo, o serviço essencial é a discrição absoluta e por isso a investigação chamada Papéis de Pandora, por uma equipe de 600 jornalistas do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) baseada sobre a maior revelação financeira na história, com quase 12 milhões de documentos provenientes de 14 empresas dedicadas a esse negócio, está gerando um terremoto no paraíso dos ricos e seus cúmplices [https://www.icij.org].
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Estabelecer estas empresas ou contas não é ilícito em si, mas os Papéis de Pandora revelam que vários dos clientes – tanto indivíduos como empresas – são criminosos ou foram acusados de condutas suspeitas, delitos, abusos e violações de direitos humanos no exterior.
Este negócio é cada vez maior nos Estados Unidos, país cujos governantes não deixam de falar da transparência e da luta contra a corrupção. Por certo, na tarde desta segunda-feira a porta- voz da Casa Branca, Jen Psaki, em resposta a perguntas sobre as revelações, afirmou que “o presidente (Joe Biden) está comprometido a levar transparência adicional aos sistemas financeiros dos Estados Unidos e ao internacional, e se pode ver isso nas políticas que propôs e apoiou”.
A investigação revela que os Estados Unidos — com esta indústria centrada nos estados de Dakota do Sul, Flórida, Texas, Delaware e Nevada entre outros — está se convertendo em um dos maiores paraísos fiscais do mundo, sobretudo para fideicomissos que são estabelecidos para ocultar fortunas de indivíduos mega ricos. A investigação identificou 206 fideicomissos vinculados a indivíduos em 41 países, entre esses 28 que parecem estar relacionados com clientes acusados de conduta suspeita ou criminosa no estrangeiro, incluindo suborno, fraude e violações de direitos humanos.
agencia pública
Empresas como Apple, Facebook e RJR Nabisco, e vários delinquentes estadunidenses, ocultam fortunas em contas offshore
Os Papéis de Pandora revelam que o estado de Dakota do Sul se tornou rival dos famosos paraísos fiscais no Caribe e na Europa com aproximadamente 360 bilhões deste tipo de conta, e com algumas das proteções legais mais extensas do mundo.
Entre os clientes com contas em Dakota do Sul foram identificados personagens como Carlos Morales Troncoso, ex-vice-presidente da República Dominicana e executivo chefe da maior empresas açucareira da ilha, as famílias do conglomerado equatoriano Grupo Isaías, o magnata de suco de laranja brasileiro Horst Happel e o empresário têxtil colombiano José Douer Âmbar, entre outros – todos sob algum tipo de investigação ou acusados de abusos trabalhistas.
Ao mesmo tempo, os Papéis de Pandora revelam como os estadunidenses ricos sob suspeita por manobras ilícitas ou investigados por delitos usaram os serviços para ocultar seus fundos, inclusive das vítimas de seus crimes. Entre esses se identifica Marc Collins Rector, um executivo do mundo do espetáculo em Los Angeles que abusou sexualmente de jovens nos anos noventa. Evitou pagar as demandas conseguidas pelas famílias de algumas das vítimas, ocultando seus milhões em contas offshore no paraíso fiscal oferecido por Belize.
Outros clientes desse paraíso incluíram um dentista que defraudou a seguradora federal Medicaid, um cúmplice da Máfia, um produtor de drogas adulteradas, e um rico que acaba de ser condenado pelo homicídio de um amigo em 2000 e um empresário acusado de lavar dinheiro, entre outros.
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Um dos principais atores internacionais neste negócio de finanças clandestinas é o maior escritório de advogados dos Estados Unidos, Baker McKenzie, com 4.700 advogados em 46 países. Christine Lagarde, atual chefa do Banco Central Europeu e anteriormente do Fundo Monetário Internacional foi uma advogada e executiva do escritório em Paris no início dos anos 2000.
“Quando multimilionários, multinacionais e os politicamente conectados buscam ocultar riqueza e evitar impostos, frequentemente apelam a Baker McKenzie”, reporta ICIJ, identificando o escritório como “arquiteto e pilar de uma economia nas sombras, frequentemente chamada ‘offshore’ que beneficia os ricos a expensas das tesourarias de nações e das carteiras dos cidadãos comuns”.
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Baker McKenzie, segundo o que revelam os documentos, ajudou a estabelecer empresas fantasmas em Chipre para a mega multinacional RJR Nabisco canalizar milhares de milhões de ganhos do Facebook a contas na Irlanda com suas baixas taxas de impostos, e a Nike ocultar lucros em contas holandesas. Mas isso não é tudo; entre seus clientes estão vários implicados em corrupção política, fraudes empresariais e outros vinculados a regimes autoritários.
Entre esses está Najib Razak, prófugo autor intelectual do roubo multimilionário de um fundo público de investimento na Malásia, o fabricante de armas russo Rostec, a esposa do financistas brasileiro Daniel Birmann, o multimilionário colombiano Jaime Gilinski Bacal ademais de empresas acusadas de evadir impostos, como a Apple.
Chuck Collins, coordenador do projeto sobre desigualdade econômica do Institute for Policy Studies em Washington que assessorou alguns dos jornalistas investigativos de Pandora comentou sobre as revelações que “todos nós aqui nos Estados Unidos deveríamos estar absolutamente envergonhados de haver-nos convertido em um ímã para fortunas de cleptocratas. Nossos políticos necessitam clausurar o sistema de riquezas ocultas”.
David Brooks, correspondente de La Jornada em Nova York
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Tradução: Beatriz Cannabrava
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