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“Esse é o momento mais grave das relações entre Venezuela e os EUA”

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

A correspondente do Nocaute em Washington, Aline Piva, entrevistou Samuel Moncada, ex-chanceler da Venezuela. Moncada falou sobre as agressões dos Estados Unidos à Venezuela, sobre o governo Trump, sobre o golpe no Brasil e o papel do Brasil na América Latina.

Samuel Moncada
Samuel Moncada

Não é novidade que as relações entre a Venezuela e os Estados Unidos vêm se deteriorando. Mas, na avaliação do ex-chanceler venezuelano Samuel Moncada, nunca na história recente dos dois países houve um momento de tanta tensão. Para Moncada, que também foi ministro de Educação Superior no governo de Hugo Chávez e ex-diretor da Escola de História da Universidade Central da Venezuela, “esse é o momento mais grave das relações entre Venezuela e os Estados Unidos e das relações entre Venezuela e a região, uma vez que é o resultado de uma onda de direita, uma onda reacionária, uma onda de recolonização”.

Nessa entrevista exclusiva para o Nocaute, o atual vice-ministro de Relações Exteriores para a América do Norte comenta as relações da Venezuela com os Estados Unidos, a instrumentalização dos foros internacionais nos ataques à Revolução Bolivariana e como o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff foi fundamental na reorganização do equilíbrio de forças na região, permitindo o avanço das forças golpistas também no país vizinho.

Entrevista Samuel Moncada – parte 1

“Nunca havíamos tido tanta agressividade na história da Venezuela com a região”

Não há momento na história dos últimos cem anos entre Venezuela e Estados Unidos que as relações estivessem tão mal.
Não há momento na história dos últimos cem anos entre Venezuela e Estados Unidos que as relações estivessem tão mal.

As relações entre Venezuela e Estados Unidos estão no pior momento dos últimos cem anos. E não estou exagerando. Não há momento na história dos últimos cem anos entre Venezuela e Estados Unidos que as relações estivessem tão mal. E lhes vou dar exemplos. O Decreto Obama, que considerava a Venezuela uma ameaça “não-usual e extraordinária” para a segurança dos Estados Unidos – imaginem, a Venezuela uma ameaça “não-usual e extraordinária” para a segurança nacional dos Estados Unidos. Criou o marco legal que permite a todas as agências do Estado considerar a Venezuela como um inimigo. E, de fato, vêm trabalhando com a base de que Venezuela é um inimigo para os Estados Unidos. O que estou dizendo com isso? Que legalmente a agência do Estado norte-americano, o que chamam aqui de Estado profundo, as agências de inteligência, a CIA, a NSA, o Conselho de Segurança Nacional, todos, o Homeland Security, todo o aparato militar, o que é conhecido também como a “segurocracia”, bom, sentem que têm a base legal para atacar a Venezuela, porque tecnicamente já estão legalmente amparados para considerar como um inimigo.

Com o presidente Trump a situação piorou, e vou te dar evidência. Não é opinião, é evidência. O presidente – o secretário Tillerson – disse na audiência antes de ser nomeado no Senado, confirmado em seu cargo de Secretário de Estado, disse que uma das tarefas que ele via para si mesmo era a de trabalhar para que o presidente Maduro saísse do poder – criar as condições para que o presidente Maduro saísse do poder. Isso ele disse antes de ser nomeado. Recordemos que antes de ser nomeado, o secretário, o senhor Tillerson era o presidente ou o CEO, como dizem, o diretor-executivo, da Exxon. E que a Exxon tem uma demanda contra Venezuela de 18 bilhões de dólares que quer cobrar, e os tribunais de arbitragem internacional emitiram sentença a favor da Exxon só por 1.6 milhões de dólares.

Quer dizer, Exxon acredita que tem 16.4 milhões de dólares adicionais por cobrar da Venezuela. E esse senhor que antes de assumir seu cargo dizia: “Eu quero derrocar o presidente Maduro”. E foi confirmado por isso. O diretor da CIA publicamente confirmou que trabalha com Brasil – com México, perdão -, e com Colômbia, para derrocar o presidente venezuelano. O general McMaster, que é o chefe do Conselho de Segurança Nacional, também disse publicamente – agora sim, Brasil -, que estava trabalhando com Colômbia e com Brasil em um plano para usar as capacidades militares do Brasil e da Colômbia para atacar a “crise humanitária” na Venezuela e que os Estados Unidos não iriam intervir diretamente, mas sim que iria se apoiar nas forças dos países vizinhos para que eles usassem suas forças de segurança no caso de que a crise venezuelana piorasse. E disse que a Venezuela é um perigo também para a segurança nacional.

O almirante do Comando Sul, Kurt Tidd, disse também que ele esperava que a crise humanitária na Venezuela fosse piorar, e que ele estava pronto, todos os planos estavam prontos para ativarem-se na Venezuela para resolver a crise humanitária e que Maduro era parte da crise humanitária. Então nós temos o diretor da CIA, o secretário de Estado, o diretor do Conselho de Segurança Nacional, temos o chefe do Comando Sul e temos John Kelly, que foi o antigo diretor do Comando Sul e agora como chefe de gabinete, também dizendo que Venezuela é um perigo para a região, e que ele estima que a situação vai piorar. E para culminar, temos o próprio presidente Trump, que disse que estava sob a mesa a opção militar para resolver o problema venezuelano. Que mais provas querem que o Estado norte-americano está conspirando clandestinamente para atacar a Venezuela?

Mas ainda pior: há um senhor que se chama Steve Bannon, que foi diretor do Conselho de Segurança Nacional, de fevereiro desse ano, quando o presidente Trump, até duas semanas, três semanas, até o final de agosto, e ele, em um programa de televisão, confirmou que quando chegaram à presidência, teriam pronta, na mesa, a opção de uma Baía dos Porcos para Venezuela. É gravíssimo. Nunca havíamos tido tanta agressividade na história da Venezuela com a região, não existe. Então esse é o momento mais grave das relações entre Venezuela e os Estados Unidos e das relações entre Venezuela e a região, uma vez que é o resultado de uma onda de direita, uma onda reacionária, uma onda de recolonização, que quer destruir a UNASUL, quer destruir a ALBA, quer destruir a CELAC, os instrumentos novos da diplomacia regional e quer recolocar OEA como o agente dominante de recolonização do continente.

E o fazem no momento em que o presidente Trump golpeia também ao México, golpeia ao Caribe, golpeia a América Central, os ameaça, faz chantagens, e, sob a pressão do novo governo racista de Trump, essas pessoas estão atuando contra a Venezuela. É o pior de todos os momentos possíveis em cem anos.

Entrevista Samuel Moncada – parte 2

“O discurso de Trump na ONU, em Nova Iorque, é um dos discursos mais terríveis da história das Nações Unidas”

Nós temos a UNASUL que está paralisada. MERCOSUL, que nos expulsaram do MERCOSUL, com a ajuda do presidente Temer. Temos a CELAC que está paralisada – inclusive, o presidente Macri da Argentina disse que seu propósito era destruir tudo isso e ficar com nada além da OEA. E temos uma OEA com um senhor Almagro que é um agente financiado pelo governo dos Estados Unidos para destruir os processos progressistas, sobretudo na Venezuela. E a OEA é o principal agente da violência na Venezuela, agente justificador de golpes de Estado, de agressão. A OEA não disse nada frente a agressão militar de Trump. Trump ameaçou militarmente. Isso é ilegal, isso é contrário a lei internacional – o uso da força ou a ameaça de uso da força. Isso é contrário à carta da OEA, à carta das Nações Unidas. Os Estados Unidos ameaçam com força militar a Venezuela, e a OEA se cala. Sem embargo, nós temos uns foros distintos.

O foro do Movimento dos Países Não-Alinhados é o maior foro político dentro das Nações Unidas, 120 de 193 países que se ocupam de política, e nós conseguimos aprovar por unanimidade, na última reunião da Assembleia das Nações Unidas, um documento de 28 parágrafos, onde 12 desses parágrafos condenam as sanções unilaterais, condenam a ameaça do uso da força, condenam a politização dos direitos humanos, condenam as agressões imperiais por parte de países – ainda que não sejam nomeados, mas todos sabem que estamos falando dos Estados Unidos.

Mas além disso, lhes dou uma notícia: hoje, em Genebra, o Conselho de Direitos Humanos também aprovou uma resolução com 63 países apoiando a Venezuela nessa discussão com os Estados Unidos, condenando as agressões dos Estados Unidos. Porque quero lhes dizer: o discurso do senhor Trump na ONU, em Nova Iorque, é um dos discursos mais terríveis da história das Nações Unidas, cheio de crueldade, de desesperança, de ameaça, de guerra, de holocausto, de eliminar da face da terra países inteiros, sem contar as dezenas de milhões de mortes de ocorreriam. Veja, nada mais para lhes dizer isso: na Segunda Guerra Mundial, morreram 60 milhões de pessoas, em todo o mundo.

Em uma guerra nuclear, como a que ameaça o senhor Trump na Coreia do Norte, 60 milhões de pessoas morreriam nas primeiras horas. Nas primeiras horas. E morreriam na Coreia do Norte, na Coreia do Sul e no Japão. E o senhor Trump ameaça esses três países com uma guerra nuclear, em um discurso sem nenhum pudor. Ninguém havia feito isso antes. Isso é gravíssimo. Todos estão espantados nas Nações Unidas.

E temos este bárbaro, com esse enorme poder, empurrado pelos meios, dizendo que também vai usar a força na Venezuela. Por isso necessitamos a solidariedade mundial. Temos 120 países do mundo que apoiam diretamente a Venezuela, temos 63 países em Genebra, na ONU também, mas daqui digo, para terminar, nós precisamos do povo do Brasil. Necessitamos que as pessoas do Brasil entendam que eles também vão pagar – creio que já estão pagando – o custo de um governo reacionário antipopular. E vem mais, porque Trump não ficará tranquilo até que todos os latino-americanos paguemos pelo muro, até que milhares e milhares de imigrantes latino-americanos sejam expulsos dos Estados Unidos e até que um governo racista se imponha em toda a região. Devemos frear isso.

Entrevista Samuel Moncada – parte 3

“O papel do golpe no Brasil nos ataques contra a Revolução Bolivariana.”

Brasil é um gigante na região. Brasil é um grande agente, ou estabilizador, ou desestabilizador. Durante o governo do presidente Lula e da presidenta Dilma, o Brasil cumpriu um papel progressista na região, um papel estabilizador, um papel de ajuda e cooperação com os governos vizinhos. E vemos que apenas se dá o golpe de Estado e se inverte, o peso gigante do Brasil na região agora é usado contra os vizinhos, e estamos vendo o peso do Brasil contra a Venezuela.

É um vizinho e ameaça a estabilidade da Venezuela, interfere nos assuntos venezuelanos, isso sabemos. Vejam o que vou dizer, que não é um exagero: só com Brasil permanecendo no campo dos países progressistas, que colaborava com seus vizinhos, somente com o Brasil, teria sido muito difícil que à Venezuela lhe fizessem o que estão fazendo. Porque os outros países menores, o Brasil os teria impedido.

Mas com o peso do Brasil, um Brasil corrompido, um Brasil debilitado, um Brasil sem legitimidade, um Brasil com um presidente que está cheio de corrupção, que não foi eleito, que não crê em eleições, que tem um programa reacionário socialmente dentro do país, todas as forças externas ao Brasil crêem que podem castigar à Venezuela, posto que o Brasil vai colaborar. E o fato gravíssimo de que o Brasil seja convertido em uma força reacionária, uma força antipopular na América Latina é muito doloroso, e nós temos que contar isso como uma realidade.

Mas sabemos que – e por isso estou fazendo essa entrevista – que dentro do Brasil, a maioria do povo brasileiro não compartilha do que pensa o corrupto presidente Temer. E confiamos que o povo brasileiro reverta essa situação a uma situação de maior cooperação com os vizinhos, uma vez que Venezuela e Brasil vamos ser vizinhos por milhares de anos.

*Aline Piva.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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