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ToggleOs 35 dias de bloqueios e paralisações impostos pelo governo do Departamento (Estado) de Santa Cruz de la Sierra e suas milícias condenam os seus habitantes a permanecerem encerrados em suas casas devido à violência, agravando o desemprego e a fome, penalizando principalmente a situação feminina boliviana.
“Esta é uma ditadura com a ruptura do estado constitucional de direito a qual estamos sendo submetidas, restritas em nossa locomoção e a viver em paz, agredidas em nossa dignidade”, denunciou Ana Paola Garcia Villagomez, diretora da Casa da Mulher de Santa Cruz, instituição que há mais de três décadas dá abrigo àquelas que necessitam de auxílio.
“Somos uma organização que salva vidas, mas nos ameaçam e aterrorizam, jogam bombas e foguetes nos jardins e nos muros. Estrondos que soam como se estivessem aqui dentro”, descreveu Ana Paola, ressaltando que “a partir das cinco da tarde chegam sujeitos da União Juvenil Cruzenhista com cruzes nas costas — no estilo racista da Ku Klux Klan — num obscurantismo total”. “Essa gente também é mercenária, recebem para isso”, acrescentou.
“Vivemos sempre em tranquilidade, em democracia. Agora, quando de forma tão irresponsável convocaram uma paralisação que condena a população, restringindo o direito ao trabalho, à alimentação e à educação das crianças, só se respira violência, hostilidade e amedrontamento em Santa Cruz. E nos conflitos sociais são sempre as mulheres, as meninas, as mais afetadas”, denunciou.
Conforme Ana Paola, “são senhores que se creem donos da localidade, querendo impor uma situação de patronagem em que mandam e os seus súditos devem obedecer”. É isso o que justifica que tenham esse comportamento, explicou, “em que são eles que autorizam quando e como se pode passar, exigindo que paremos de trabalhar”.
Como organização feminista, relatou a dirigente, “somos ameaçadas pela direita da mesma forma como no golpe de 2019, ou no protesto que realizaram em 2021”. Naquela oportunidade colaram cartazes na sede da entidade, acusando suas integrantes de masistas (do Movimento Ao Socialismo), “de traidoras de Santa Cruz por não aderirem à greve”.
O fato é que a instituição presta refúgio a mulheres em situação de violência, recebendo muitos apoios a nível nacional e internacional, ponderou, “que se baseia no estado constitucional, no exercício do direito à liberdade de consciência e à decisão que tem cada pessoa”. “Não acatamos esta decisão de locaute”, disse.
Leonardo Wexell Severo
Nas ruas de Santa Cruz, a denúncia contra o governador: “Camacho temos fome!"
“Já neste ano, a situação é insustentável. Na quarta-feira, 9 de novembro, estes sujeitos cercaram a Casa da Mulher com cordas e a cobriram de foguetes e bombas. Se você está contra essas milícias, perde o direito humano e podem fazer qualquer coisa. Temos dois casos de mulheres que foram estupradas por mais de dois sujeitos”, informou.
Ana Paola disse que os neofascistas sustentam que é por culpa da entidade que não vai ocorrer o censo em 2023, como a elite de Santa Cruz quer, mas em 2024, como todos os técnicos já demonstraram que deve ser.
“Essa decisão foi tomada primeiro em virtude do golpe que realizaram em 2019, com Jeanine Áñez, que está presa, e depois pela epidemia de covid”.
Segundo a dirigente, “não há justificativa nenhuma para o censo em 2023, esta é simplesmente a rearticulação de um golpe que querem dar no governo constitucional e democrático do presidente Luis Arce”.
Ameaça às instituições
Como as diretoras da Casa da Mulher foram ameaçadas, a Defensoria do Povo e alguns órgãos de imprensa vieram cobrir de perto os acontecimentos.
“Afinal, já colocaram fogo em instituições em 2008. Recentemente, queimaram a Confederação dos Camponeses e assaltaram e depredaram a Central Operária. Se põem fogo na nossa Casa, estariam queimando a memória histórica da violência de gênero. Somos uma instituição pioneira na atenção às mulheres, temos mais de 100 mil denúncias que certificam esta história com documentos legais. Então entramos numa situação de alerta. E a Polícia demorou seis horas para chegar porque foram barradas pelas milícias. Também impediram que uma unidade especial para vítimas da violência resgatasse uma jovem de 21 anos que queriam estuprar. É assim que agem.”
Na avaliação de Ana Paola, a grande mídia de Santa Cruz “trabalha a romantização do bloqueio e da paralisação, mostrando o lado festivo, as pequenas árvores de Natal, as bandas, as músicas, os violinos, os artistas, mas não descreve os horrores, porque não tem a capacidade de mostrar um palmo além dos seus interesses, dos que estão sem trabalhar, morrendo de fome, sem um centavo nem mesmo para o remédio, das crianças sem escolas”.
Exemplificando a gravidade da situação, a dirigente disse que “o transporte para o trabalhador subiu entre 500 e 700%, consumindo grande parte do seu salário, e muitos ficaram desempregados. Há lugares onde os bloqueios se multiplicam e são como pedágios”.
De acordo com a líder, o que esses setores de direita não aceitam é que “houve uma nova Constituição Política do Estado, com o reconhecimento dos direitos das mulheres, dos povos indígenas, dos idosos, das crianças e dos adolescentes”.
Agora, graças à nacionalização do gás e do petróleo ocorridos em 1º de maio de 2006 por Evo Morales, “há um guarda-chuva de direitos e benefícios em que pela primeira vez uma norma superior está reconhecendo os invisíveis, aqueles que nunca existiram”.
Então, complementou, existe um antes e um depois. “Mesmo que a aplicação desta norma ainda tenha seus limites, que lutamos para avançar, há iniciativas como o bônus Juana Azurduy — para as mulheres jovens grávidas e bebês até dois anos —, o Juancito Pinto — que erradicou a evasão escolar — e o Renda Dignidade — destinado aos idosos que não possuem outra fonte de renda e às pessoas com deficiência”, exemplificou.
O que ocorre, recordou Ana Paola, “é que esta gente que é de direita e que são os donos deste Estado, por ter o poder econômico, não aceitam que os demais tenham direitos. Por isso se rearticularam. Eles foram os que mataram, em 2019. Eles estavam no governo durante a pandemia e o que foi que fizeram? Roubaram, castigaram o povo de uma forma terrível, militarizam as ruas. Neste momento, não lhes interessa se o resultado da sua inconsequência são tentativas de violência sexual, meninas estupradas ou grávidas”.
“Como sabem que não vão vencer nas urnas, buscam estabelecer uma nova relação de Santa Cruz com o governo central. O que querem? Separar o país? Nos dividir? Por isso, tentam fazer com que seja tão perigoso pensar diferente e nos expõem à onda de ódio, de racismo e discriminação. Mas vamos retomar o Estado de direito. Se acreditam donos da verdade, mas somos a maioria. Necessitamos diálogo e a pacificação do país”, concluiu.
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