Vale a pena defender a democracia estadunidense? Durante meses, desde a Casa Branca, legisladores democratas, proeminentes intelectuais e comentaristas, ex-oficiais militares, editorialistas dos principais meios e outros mais advertiram e gritaram que a democracia estadunidense está sob ameaça existencial e acusam que republicanos estão realizando uma subversão do processo eleitoral e impulsionando golpe duros e suaves, ataques violentos por terroristas domésticos e até uma guerra civil.
Mas não há, até agora, uma mobilização massiva, nem um sentido de uma “emergência” nacional para resgatar a supostamente sagrada democracia estadunidense.
Por quê? Estarão exagerando os que por toda parte soam o alarme? Ou ninguém acredita neles? Ou será que às maiorias isso não importa?
76% dos estadunidenses opinam que existe uma ameaça à sua democracia, segundo a pesquisa mais recente do NBC News – ou seja, há consciência. E é claro que há expressões de protesto, algumas marchas, denúncias, ações não violentas impulsionadas por organizações como a Campanha dos Pobres e outras para denunciar os cúmplices políticos desses esforços antidemocráticos.
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Existem investigações criminais e legislativas sobre o assalto ao Capitólio. Muitas ONGs e organizações político-eleitorais estão solicitando contribuições para defender ou resgatar a democracia. Mas por ora, não há milhões nas barricadas – nem nas virtuais – para defender esta democracia.
Flick/ Victoria Pickering
Campanha pelo voto na Praça Black Lives Matter, em Washington
É claro que todo ser consciente sabe que a democracia estadunidense está viciada de aspectos antidemocráticos como a conformação e a atividade do próprio Senado e nem falar de que não há voto direto para presidente. Ainda mais, há décadas as maiorias não acreditam que os políticos eleitos expressam a vontade do povo, mas sim que trabalham para seus patrocinadores que são aqueles que pagam por esta “democracia”.
Não colaboram a gerar confiança pública na “democracia” espetáculos políticos como o que os senadores realizaram na semana passada em que pretenderam tentar garantir o direito ao voto em um projeto de lei que todos sabiam de antemão que fracassaria. Mas que usariam para pretender que “fizeram algo”.
Mas, ao mesmo tempo, esta ofensiva direitista está conseguindo no nível estadual suprimir e subverter o processo eleitoral com enormes consequências reais para o futuro do país, sobretudo para os setores minoritários e os pobres.
“Sigo absolutamente assombrado que nós (gente negra) agora simplesmente temos que observar… os esforços de supressão massiva do voto dirigidos contra nós porque os estadunidenses ‘optaram’ por não frear isto. Nem sei como traduzir minha ira em palavras. Me deixa doente, estou anojado”, escreve Charles Blow, colunista do New York Times.
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Enquanto isso, nesta crise da democracia junto com a pandemia, o que segue funcionando, e muito bem, é o sistema econômico para os mais ricos. A riqueza dos 745 multimilionários estadunidenses mais ricos disparou em 70% – isto é, agregaram 2,1 bilhões de dólares à sua fortuna coletivo – desde o início da pandemia.
O nível de desigualdade econômica se acelerou sob governos democratas e republicanos nas últimas 4 décadas chegando ao seu nível mais alto em quase um século.
Noam Chomsky – que considera que em seu país acontece um “golpe brando” por forças protofascistas — costuma citar James Madison, um dos pais fundadores do país, que argumentou que o objetivo primário do governo deveria ser “proteger a opulência da minoria contra a maioria”.
Para os ricos o sistema não está decomposto, e para os demais, pois, não fica muito claro. Portanto, não fica claro o que é que se necessita defender.
O debate sobre se é possível ter uma democracia política sem democracia econômica é antigo — até Aristóteles o abordou — e talvez isso tenha que ser resolvido primeiro para que o debate sobre “democracia” seja mais urgente e real.
B.B. King & Tracy Chapman / Thrill is gone.
David Brooks, correspondente de Lá Jornada em Nova York
La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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