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ToggleAssessores de Donald Trump contemplaram provocar uma crise constitucional e usar as forças armadas para suprimir resistência sob uma lei de 1792 a fim de manter o então presidente no poder depois da eleição que perdeu em 2020, com alguns observadores advertindo que os intentos de um golpe de Estado do ex-presidente continuam ameaçando a ordem democrática dos Estados Unidos.
Analistas e comentaristas, ao avaliar a acusação criminal formal apresentada contra o ex-mandatário por seus esforços para reverter os resultados da eleição, apontam que não só se completaram ações para descarrilar o processo eleitoral de 2020, mas sim que ainda não se pode descartar a continuação destes esforços antidemocráticos na contenda eleitoral de 2024.
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Um dos “parágrafos mais arrepiantes” na acusação criminal que foi ressaltada pelo colunista Jamelle Bouie, do New York Times, gira em torno de uma conversação entre Jeffrey Clark, um funcionário ultraconservador do Departamento de Justiça, que contra ordens de seu próprio chefe, o então procurador-geral que se recusava a endossar a acusação de Trump de que havia extensa fraude na eleição, reuniu-se secretamente com o advogado da Casa Branca, Patrick Philbin, em 3 de janeiro de 2021, 17 dias antes da transição de poder presidencial.
Aí discutiram estratégias para manter Trump na Casa Branca, apesar dos resultados eleitorais. E quando Philbin comentou que haveria “distúrbios nas ruas de toda cidade importante dos Estados Unidos”, se fosse tentada tal coisa, Clark lhe respondeu: “pois, por isso existe a Lei de Insurreição”.
O colunista Bouie conclui que dado que “Trump considerou invocar a Lei de Insurreição – a qual autoriza o uso de força militar para suprimir desordens civis, insurreição ou rebelião – para frear os protestos que se seguiram ao assassinato de George Floyd pela polícia”, é provável que se “Trump houvesse roubado o poder, muito bem poderia ter tentado usar a Lei de Insurreição para suprimir os protestos e a resistência inevitáveis, o que poderia ter matado centenas (talvez milhares) de estadunidenses no intento de assegurar seu controle ilegítimo de poder”.
Não é só uma versão hipotética de um colunista, e não é algo que só pertence ao passado. A veterana colunista Maureen Dowd, também do New York Times, escreveu sobre a última acusação criminal contra Trump, afirmando que “o fato é que estamos em meio a um golpe de Estado, não em um pós-golpe. O ex-presidente continua no meio de seu diabólico complô de ‘quem me livrará dessa democracia intrometida’ esperando que seus obscuros cavaleiros sairão a galope para completar a tarefa”.
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Incitar a violência para poder ordenar às forças militares restaurar a lei e ordem é uma tática bem conhecida no livro de jogadas das golpes de Estado no mundo, mas aqui nos Estados Unidos havia relutância entre analistas a usar esse termo, embora os eventos de 6 de janeiro de 2021, com o assalto violento ao Capitólio incitado por Trump para frear a certificação final do voto, começaram a mudar isso.
Agora há cada vez mais advertências de que esses esforços para incitar violência para fins políticos poderiam continuar além do 6 de janeiro, e que os julgamentos do ex-presidente poderiam contribuir para esse esforço.
Twitter | Reprodução
Segundo especialistas, por ora não se pode descartar a possibilidade de que Trump regresse à presidência
Unificador
O ex-oficial de inteligência estadunidense Donelle Harvin escreveu em um artigo publicado no Político que “grupos extremistas violentos começaram a se combinar em torno de uma figura que os unifica: Trump”.
Agregou que o que antes era um movimento ultradireitista fragmentado e descentralizado foi cooptado por Trump para nutrir sua base de apoio. “Isto, em minha avaliação, faz com que o ex-presidente seja o impulsionador principal do extremismo doméstico, e um perigo sem precedente à nossa segurança”, conclui.
Harvin não está sozinho em sua apreciação. “Ao aproximar-se a eleição de 2024, a ameaça de violência política e desordem civil só se incrementará”, escrevem os ex-funcionários estadunidenses Steve Simon e Jonathan Stevenson e Político Magazine.
Agregam que “apesar de tudo o que aprenderam os oficiais de segurança nacional e segurança pública estadunidenses desde 6 de janeiro, o país ainda não está preparado para uma revolta de extrema direita”.
Polícias ideológicas
Um ex-funcionário do Departamento de Segurança Interna, que falou com o La Jornada sob condição de anonimato, disse que o governo federal está particularmente preocupado com o fato de que muitos departamentos de polícia locais estão ideologicamente mais alinhados com a direita que com as autoridades federais.
A preocupação mais urgente no momento, comentou este ex-funcionário, é que simpatizantes de Trump, respondendo às suas declarações, poderiam decidir tomar as armas e participar em atos violentos que facilmente poderiam sair do controle. Vários comentaristas têm apontado que Trump continua sugerindo violência: se vier contra mim, eu vou contra vocês”, declarou nos meios sociais na semana passada.
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Os ataques verbais de Trump contra o promotor federal especial Jack Smith e a juíza federal Tanya Chutkan designada para supervisionar seu julgamento, provocou que o promotor solicitasse ao tribunal ordenar que o acusado seja obrigado a manter silêncio sobre este caso.
Os advogados defensores argumentam que tal ordem seria uma violação de seu direito à liberdade de expressão justamente ao se aproximar a eleição presidencial.
“Em um julgamento sobre direitos protegidos pela Primeira Emenda [liberdade de expressão], o governo busca limitar os direitos da Primeiro Emenda”, responderam os advogados de Trump, e acusaram que isto é um ataque contra “o principal opositor deste governo, durante uma temporada eleitoral onde o governo [de Biden], proeminentes membros de seu partido e seus aliados na mídia fizeram campanha com a acusação e proliferando suas alegações falsas”.
Futuro incerto
Comentaristas assinalam que por ora não se pode descartar a possibilidade de que Trump regresse à presidência.
“Até agora, dezenas de milhões de estadunidenses estão dispostos a não se importar não só com as múltiplas acusações criminais contra Donald Trump, mas também com seu mau manejo legal da covid-19, seu trato desumano a crianças na fronteira, suas múltiplas declarações de intolerância racial e misógina, seus assaltos contra a imprensa livre e o império da lei, sua indiferença à segurança nacional e à emergência climática, seu afeto por autocratas ao redor do mundo, seus impeachments e seus muitos esquemas para enriquecer sua família”, escreveu David Remnick, editor chefe do The New Yorker.
O perigo maior, comentou o ex-funcionário do Departamento de Segurança Interna ao La Jornada, é se Trump perder por uma margem pequena, escala a violência e seus simpatizantes armados vão às ruas. “Então teríamos uma guerra civil”, advertiu.
Jim Cason e David Brooks | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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