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EXCLUSIVO | Revolução é recuperar a democracia, diz novo presidente da Guatemala

Ainda segundo Bernardo Arévalo, é preciso democracia participativa para resolver os problemas do país: "Estamos dispostos a nos sentar com todo o povo"
Blanche Petrich
La Jornada
Cidade da Guatemala

Tradução:

Para o futuro presidente Bernardo Arévalo, no momento crítico que vive seu país, com profundos problemas de corrupção institucional e uma enorme desigualdade, “o mais revolucionário é recuperar a democracia”.

E o faz — afirma em uma entrevista ao La Jornada — consciente de que “a luta contra a corrupção é o mais urgente, mas a luta pelo desenvolvimento é o mais importante”. E segue: “O que acontece é que solucionar as grandes lacunas em saúde, educação, desnutrição, que existem no país, não será possível sem que haja uma recuperação das instituições políticas”.

É realista. Admite que durante sua gestão presidencial apenas se poderão assentar os alicerces para esta mudança. “Em quatro anos não se resolvem 400 anos de marginalização e 30 anos de assalto às instituições públicas, mas é possível estabelecer as bases para isso”.

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Arévalo evita as definições tradicionais da política: esquerda ou direita, conservadores ou progressistas. “Nosso partido, o Movimento Semilla, é pelo estatuto um partido progressista. Mas o desafio de agora é o resgate das instituições e a recriação dos grandes consensos”.  

Em função de como se mostrou este diplomata e acadêmico de perfil social democrata que será o substituto do atual presidente Alejandro Giammattei, a Guatemala voltou a atrair a atenção do mundo. E sobre a forma como seu país vai se inserir no contexto latinoamericano, que se move constantemente entre o progressismo e o retrocesso, em meio a crises e até golpes de Estado, Arévalo reconhece que há esse movimento pendular na América Latina “porque os consensos básicos se diluíram. Há uma clara polarização e a democracia representativa já não é suficiente. Falta um processo de democracia participativa”.

Leia também: Guatemala: vitória de Arévalo protege Semilla de perseguição e mira oposição corrupta

Seu segundo dia como presidente, depois de ganhar a presidência no último domingo (20), transcorre em um agitar constante, com os minutos contados para cada atividade. Antes da refeição já parece cansado. Mas ele se mostra, na modesta casa de campanha, juvenil e cheio de energia, com suas meias multicoloridas e pulseirinhas artesanais.

Quinze dias antes das eleições, em uma viagem de campanha por Escuintla, no Sul do país, sua comitiva passou por Texisco, terra natal de seu pai, e fez uma parada no cemitério. O candidato se deteve diante do túmulo de Juan José Arévalo durante aproximadamente quinze minutos, concentrado, tocando a lápide com ambas as mãos. 

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Ainda segundo Bernardo Arévalo, é preciso democracia participativa para resolver os problemas do país: "Estamos dispostos a nos sentar com todo o povo"

Foto: Reprodução/Twitter
Arévalo: Solucionar as grandes lacunas que existem no país, não será possível enquanto não houver uma recuperação das instituições políticas

No encerramento de sua campanha, disse diante da multidão: “Eu não sou meu pai”, embora dissesse que seus ideais e valores o inspiram.

— Dois momentos, um mesmo sobrenome. Nos anos quarenta do século passado a “primavera democrática”, a Revolução de Outubro. E agora você está às vésperas de ocupar a presidência. Como vê estes dois momentos?

— Vejo todas as diferenças. A Guatemala estava saindo do século 19 quando veio a Revolução de Outubro.  De fato, o século 20 na Guatemala nasce em 1944 (quando foi eleito Juan José Arévalo) e nos 10 anos seguintes. Era outro mundo. Uma sociedade totalmente diferente. Hoje é um país e um povo diferente. Mas continuamos arrastando os problemas do século 20 quando deveríamos já estar no século 21. Há um eco ao redor deste momento.

Arévalo aponta ainda que o país continua sem resolver o problema da construção de uma democracia sólida e que garanta o bem-estar da população, que era a visão que se tinha naquele momento: “Hoje os desafios são diferentes”, diz.

“Alguém me perguntou porque não vamos fazer uma reforma agrária. Porque a reforma agrária era uma solução para um país que estava saindo do século 19. Hoje isso não tem sentido. A problemática é outra e as soluções também”, reforça.

— Ainda continua o problema da concentração de terras em poucas mãos?

— É uma condição, mas este já não é um país agrícola. A solução tem que ser mais ampla. Claro que vamos entregar terras à população que não a tem e a deseja. E mais: vamos fazer isso com os mecanismos  estabelecidos nos Acordos de Paz (assinados em 1996). O que acontece é que estes acordos foram sequestrados e corrompidos pelas elites, mas propõem os mecanismos para chegar lá.

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Esta foi a entrevista, a primeira concedida a um meio de comunicação escrito.

— Diferentemente da semana passada, o caminho para que você assuma a presidência em 14 de janeiro parece mais desimpedido. Certo?

— Não cantemos vitória, não sabemos o que pode acontecer ainda, mas a contundência do voto torna as condições para qualquer tentativa de uma perseguição política ilegal muito mais complicadas. E não só pela magnitude do voto, mas pelo entusiasmo popular que se viu nas ruas, a forma como todo o mundo saiu para reconhecer o resultado.

— Na campanha a bandeira anticorrupção foi central. Como vai fazer isso?

— A luta contra a corrupção é uma tarefa que deve responder à natureza sistêmica, que tem a cooptação do Estado e a penetração da corrupção na sociedade e se estende além do Estado. É uma luta que travaremos a partir do executivo e com vontade política, que é o que faltou nos últimos 30 anos. Muitas vezes o sentido básico da participação eleitoral dos políticos era chegar ao poder para exercer a corrupção, não para governar. 

O sistema de corrupção de hoje está articulado fundamentalmente em torno dos negócios ilícitos que se tecem com o orçamento de obras públicas do Estado. A torneira deste orçamento está nas mãos do executivo. E nós vamos fechar essa torneira e tirar o azeite das engrenagens da corrupção. Sem este azeite, as engrenagens vão começar a se atrofiar.

— Outro braço da corrupção está no poder judiciário. O que se pretende fazer com a procuradora-geral Consuelo Porras e com o procurador Rafael Curruchiche? 

— Está muito evidente que o procurador Curruchiche e o juiz Fredy Orellana não são os operadores, são os peões que cumprem ordens em um tabuleiro de xadrez onde há figuras muito maiores, e muitas destas figuras maiores estão dentro do executivo. Isso vai desaparecer.

As feridas abertas da guerra

— 30 anos depois de terminada formalmente a guerra, ainda há milhares de vítimas que esperam respostas, justiça e reparação. As feridas não cicatrizaram. Seu governo tem propostas para elas? E nos temas de memória?

 — Estamos dispostos a nos sentar com todo o povo da Guatemala. Não há nenhuma reserva para dialogar com estes grupos, que têm colocações muito particulares acerca da violação sistemática de seus direitos durante o enfrentamento e para abordar elementos da memória que são importantes para os processos de convergência e convivência.

Segundo o presidente guatemalteco, o processo de saída de um enfrentamento com estes níveis de abuso sistêmico, crimes de lesa humanidade, requer muito tempo e é possível avançar na medida em que o resto da sociedade vá avançando. 

— Em sua política de combate à pobreza, que políticas podem funcionar com um quadro de desigualdade tão grande?

— A luta contra a corrupção é o mais urgente. Mas o mais importante é a luta pelo desenvolvimento. O que acontece é que solucionar as grandes lacunas na saúde, educação, desnutrição, que existem no país, não será possível enquanto não houver uma recuperação das instituições políticas. 

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Seu plano de governo, descreve Arévalo, identificou metas concretas para atender estas lacunas, “tendo claro que em quatro anos não se resolvem 400 anos de marginalização, 30 anos de assalto às instituições públicas. Mas é possível assentar as bases para isso”. E continua:

“Temos que começar a apoiar aquelas zonas mais esquecidas do país, orientando o investimento público com planos muito concretos para investir em infraestrutura, saúde, educação, apoio a produtores, nas zonas mais abandonadas do país ligadas a um processo de investimento em estradas”.

— Com sua vitória eleitoral, a Guatemala está novamente no foco da atenção internacional com muitas expectativas, em particular na América Latina, com este pêndulo que vai de um lado para o outro, com governos progressistas. Há retrocessos, instabilidade e até golpes de Estado.

— Vai além do regional. No mundo há democracias inclusive consolidadas com problemas não atendidos que obrigam a refletir sobre como apoiar a democracia para que siga sendo fiel a seus objetivos e princípios.

O candidato do Movimento Semilla admite que há um movimento pendular na América Latina, que implica na necessidade de reconstruir certos consensos sociais básicos: “Estes consensos se diluíram. Há uma clara polarização devido a uma insatisfação muito rápida”, observa.

“Nós somos democracias representativas mas isso já não basta para resolver os problemas de debilidade do Estado. Devemos complementá-la com uma democracia participativa”.

Blanche Petrich | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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